terça-feira, 20 de dezembro de 2022

BOAS FESTAS

 

              Antonio Carlos Egypto

 



Para vocês, que acompanharam minhas críticas de cinema ao longo de 2022 (e nos muitos anos anteriores), é hora de desejar boas festas natalinas e de fim de ano.  Lembrando que, infelizmente, ainda é preciso tomar os devidos cuidados, prevenindo-se da Covid-19 que continua por aí e pode recrudescer.  Mas estamos mais confiantes de que o pior já passou.  Isso vale também para o ambiente social e político.  E o econômico, por que não?  O país está mais leve e esperançoso.  Assim sendo, procurar ser feliz torna-se mais fácil e, quem sabe, viável. O povo optou pela democracia e pela reconstrução.  É esse o momento de renovar a vida, reencontrar as pessoas, partir para algo mais amoroso e solidário.  Está difícil, mas o caminho está aberto.  Que o novo ano de 2023 seja de autênticas realizações, pessoais ou profissionais, de reencontros, de muita paz, saúde, educação, cultura e alegria.  Daquilo tudo de bom que a vida sempre tem para nos dar, se estivermos abertos a ela e aos outros.  Feliz Ano Novo!




domingo, 11 de dezembro de 2022

ELA DISSE

Antonio Carlos Egypto

 

 



ELA DISSE (She Said).  Estados Unidos, 2022.  Direção: Maria Schrader.  Elenco: Carey Mulligan, Zoe Kazan, Patrícia Clarkson, Samantha Morton, Andre Braugher.  129 min.

 

O drama “Ela Disse”, dirigido por Maria Schrader, com roteiro de Rebecca Lenkiewicz, foi desenvolvido a partir do livro “Ela Disse: Os Bastidores da Reportagem que Impulsionou o # Me Too”, de Megan Twohey e Jody Kantor, em 2017.  Nesta publicação, as duas jornalistas do New York Times relatam o que foi e como se fez a matéria investigativa, realizada por elas para o jornal, com o devido apoio da direção do periódico.  Sem o que, seria impossível seguir adiante.

 

Transformado em filme, esse material adquiriu um caráter documental e histórico: procura-se fazer, passo a passo, o registro jornalístico daquele trabalho que rompeu o tabu a respeito do abuso sexual de jovens atrizes em Hollywood.  Mais precisamente, daquele praticado sistematicamente pelo poderoso produtor Harvey Weinstein, que atualmente cumpre sentença preso, em função desses crimes.

 

Quem acompanhou de perto o noticiário do assunto por aqui conhece alguns detalhes e nomes das atrizes vítimas de situações de assédio, abuso, estupro.  E viu as consequências positivas extraídas dessa corajosa e penosa investigação, que mudou o modo de encarar a questão, enfrentando-a, finalmente.  Para isso, foi necessário um incessante trabalho para conseguir, aos poucos, que testemunhas que já haviam aparecido fossem confirmadas, explicitadas, ampliadas.  Que novos casos se revelassem, e não somente de forma anônima.  Isso efetivamente foi acontecendo e acabou criando um caldo de cultura forte e consistente, que permanece assim.  Sujeito, claro, a eventuais inverdades ou excessos, mas não há como evitar isso.

 

O fato é que o movimento # Me Too, ou seja, a denúncia que cada mulher, devidamente identificada, fez de ter sido abusada ou assediada no trabalho por quem dispunha de poder sobre ela, sem o seu consentimento, tornou-se uma forma eficiente de luta das mulheres.  E que alcançou dimensões muito mais amplas do que se poderia supor, indo muito além do que se mostra no filme.  “Ela Disse” registra o começo de toda essa história.

 




Quando se quer contar uma saga como essa, é natural que se opte pela sequência histórica dos fatos e por adotar um caráter pedagógico, em que se possa entender todo o processo e o seu custo humano.  No caso aqui, destacando uma abordagem feminina das situações, não só as do desejo e da sexualidade feminina (e da masculina abusadora), mas questões como a gravidez e a maternidade. Por exemplo, quem cuida das crianças enquanto a repórter se desloca pelo país em busca da notícia?

 

Eu não diria que o filme seja empolgante, surpreendente, até porque os fatos, no geral, são conhecidos.  Mas é importante para resgatar uma verdadeira batalha pelo direito das mulheres, pelo respeito ao trabalho profissional e aos sonhos legítimos dessas atrizes que acreditavam estar tendo uma oportunidade em função de seus méritos ou qualidades, não por seu corpo e sua juventude.  O que vale para atrizes, em Hollywood ou não, vale para todas as situações em que haja abuso, em todas as profissões ou trabalhos.

 

Por sinal, embora o filme se debruce sobre o caso Weinstein, ele começa tratando de denúncias semelhantes dirigidas ao candidato Donald Trump, que poderiam ter dificultado ou impedido sua eleição, mas foram ignoradas pela população que o elegeu.  Essa referência é suficiente para mostrar que a questão é imensa, diz respeito ao machismo estrutural, à misoginia, ao preconceito em relação às mulheres, à necessidade de ainda batalhar muito para alcançar a desejada equidade entre os gêneros.

 

“Ela Disse” é uma boa produção, bem dirigida, com bom elenco, com destaque para Carey Mulligan e Zoe Kazan, que representam as jornalistas, que trata de questões importantes para as mulheres e para todos, evidentemente.  Merece atenção.




terça-feira, 6 de dezembro de 2022

SOL

     Antonio Carlos Egypto

 

 


 

SOL.   Brasil, 2021.  Direção e roteiro: Lô Politi.  Elenco: Rômulo Braga, Everaldo Pontes, Malu Landim, Luciana Souza. 100 min.

 

O drama “Sol”, da diretora Lô Politi (de “Jonas”, 2016, e “Alvorada”, 2021), coloca em evidência o mundo emocional, a desconexão de sentimentos, a volta do reprimido, daquilo que não foi ou não pode ser enfrentado, do peso que tem o retorno ao passado e, ao mesmo tempo, a inevitabilidade desse retorno, sem o que o sofrimento se torna crônico e permanente.

 

A história nos mostra o relacionamento de um pai recém-separado, Theo (Rômulo Braga), que, há um ano sem encontrar sua filha Duda (Malu Landim), tira férias só para poder conviver com ela em passeios e hotéis, viajando de carro.  Enquanto tenta essa reconexão com a menina, encontrando dificuldades, é instado, praticamente obrigado, a encarar seu pai à morte, de quem está muito distante no tempo e no espaço geográfico.

 



Pouco adianta rejeitar essa obrigação filial que, aparentemente, nada significa para ele. Theo abandonou o relacionamento com o pai, Theodoro (Everaldo Pontes), que o teria abandonado no passado. É imperioso, porém, esse retorno ao que ficou para trás que se, por um lado, atrapalha seus planos com a menina, trará um novo elemento decisivo para essa questão: a conexão que se estabelece entre o avô desconhecido e a neta.

 


Tudo é muito travado e difícil na relação pai e filho.  Theodoro se expressa pela mudez, pela rigidez, pela negação da própria vida.  Theo também é calado, distante, desinteressado em resolver suas questões com o pai.  A culpa marca fortemente a vida de ambos.  Somente a espontaneidade da criança e seu desconhecimento da tragédia pode trazer um respiro a tudo isso.  Não deslinda nem resolve a situação, o filme não adota uma postura ingênua quanto a isso, mas abre uma porta, cria uma ponte, ainda que em meio aos escombros de uma casa em processo de demolição.

 

Embarcamos, então, num road-movie, que, estrada afora, pelo interior da Bahia, vai sendo marcado a cada parada pelo enfrentamento emocional e pelo impasse.  As águas baianas ganham um forte significado, já apontado desde a primeira cena do filme. 

 

Do elenco, basicamente centrado nos três personagens citados, esperam-se interpretações para dentro, a intensidade de sentimentos, como vulcões em erupção, tem pouca expressão externa.  É tudo contido, quando não extravasa ou explode.  Rômulo Braga faz um Theo preciso em intensidade e repressão emocional.  Everaldo Pontes vive seu papel com uma entrega e uma determinação admiráveis pelo apagamento da figura humana.  A jovem Malu Landim cumpre bem o seu papel como um amálgama de elementos conflitivos e misteriosos, que ela tenta entender.

 

O desenrolar da narrativa, com seu clima tenso e desafiador, produz suspense, reflexão, questionamentos de vida, perguntas.  Muitas perguntas.



sábado, 3 de dezembro de 2022

PINÓQUIO

   Antonio Carlos Egypto

 

 


Um personagem incrível, universalmente conhecido, vivendo aventuras fantásticas, nasceu da pena do escritor italiano Carlo Collodi, no final do século XIX: Pinocchio.  O boneco de madeira que aspirava humanizar-se, sem ser capaz de se comportar à altura desse desafio, por desobediência e ingenuidade quanto aos demais, cujo nariz crescia frente às mentiras que proferia para se explicar, se defender ou fazer algo que desejava, e que tinha como conselheiro o Grilo Falante, já foi tantas vezes revisitado e reinterpretado desde o lançamento do original de Collodi, em 1883, que não surpreende que novas versões apareçam. 

 

No caso, o filme de animação musical stop motion do cineasta mexicano Guillermo Del Toro (e de Mark Gustafson) é uma produção norte-americana caprichadíssima.  Realiza um espetáculo fascinante com seus bonecos, a trilha sonora de Alexander Desplat e as vozes de um elenco de ótimos atores e atrizes: Gregory Mannn (Pinóquio), David Bradley (Gepeto), Ewan McGregor (o Grilo), Tilda Swinton, Finn Wolfhard, Ron Pelman, Cate Blanchet.  É uma versão moderna do personagem.  O que, no caso de Guillermo Del Toro, significou uma história com um viés mais sombrio e mais político.  Pinóquio, como personagem infanto-juvenil, está lá e a animação é atraente para as crianças.  Mas o filme conversa com um universo mais amplo, capaz de incluir facilmente os adultos.

 

Fala, por exemplo, da relação pai e filho como expectativa e como imperfeição, enquanto regra.  Atribui a Gepeto a busca de um filho para compensar a perda de outro.  E ele, magicamente, cria o boneco de madeira que vive.  E como!  Capaz de grandes aventuras e até de salvar a vida do “pai”.  Esse filho de Gepeto que morreu remete ao período da Primeira Guerra Mundial e Pinóquio vai representar para o Duce em plena Itália fascista de Benito Mussolini (que aparece como boneco).  E é capaz de ridicularizar o ditador fascista.  Muita liberdade criativa em relação à história original?  Claro!  Porém, é preciso dizer: todo o espírito aventureiro e muitas das histórias do livro de Collodi estão lá, respeitando esse espírito da criação original.

 


A leitura moral das atitudes de Pinóquio, naturalmente, mais valoriza do que critica a sua desobediência frente aos adultos, o que incrementa o caráter aventureiro da narrativa.  A questão afetiva, da relação pai e filho, é plenamente preservada.  Só que com mais realismo.  Nunca somos os pais que desejaríamos ser, nem os filhos que gostaríamos de ter sido.  Porque a vida é assim.  As idealizações não resolvem nada, só atrapalham.

 

Enfim, o filme é bonito, empolgante, o roteiro é inteligente, resgata um personagem maravilhoso.  A técnica de animação é magnífica.  Acaba alcançando um padrão visual excelente, que nos permite embarcar na fantasia por inteiro.  O “Pinóquio” de Guillermo Del Toro tem quase duas horas de duração, mas flui com leveza e encanta.  Nem dá para sentir o tempo passar.