domingo, 29 de setembro de 2024

PACTO DE REDENÇÃO

Antonio Carlos Egypto

 


PACTO DE REDENÇÃO (Knox Goes Away).  Estados Unidos, 2024.  Direção: Michael Keaton.  Elenco: Michael Keaton, James Marsden, Al Pacino, Ray McKinnon, Marcia Gay Herden.  114 min.

 

“Pacto de Redenção” é o título em português, pouco apropriado, para um filme do gênero policial, dirigido e protagonizado por Michael Keaton, que cumpre bem o seu papel como entretenimento.

 

Tem suspense, cenas de ação, reviravoltas, em torno de um personagem terrível, um assassino profissional, que está, porém, em seu momento de vida mais frágil.

 

Logo na primeira sequência do filme ficamos sabendo do diagnóstico médico de que ele está com uma demência rara, que compromete sua memória e tem uma evolução avassaladora, que só lhe permitirá viver algumas semanas.

 

As circunstâncias de vida desse personagem são fundamentais para o desenvolvimento da história. Ele precisaria mesmo ser alguém sem escrúpulos e que já perdeu tudo o que podia.  No entanto, é um mau começo: um velho recurso que já não se sustenta.  Essa medicina preditiva, peremptória, infalível, não faz mais sentido.

 

Dito isto, vamos acompanhar a atuação de Knox (Michael Keaton), agora incerta, insegura, comprometida pelo esquecimento e por abalos na sua conduta criminosa.  Impactos visuais e superposições de imagens evidenciam isso.  Há uma história de um filho que se afastou dele há anos, mas vai voltar pedindo ajuda, por desespero.

 


Assassinatos planejados ou por acidente vão aparecer na trama.  O mais interessante é como se identificam, a partir dos elementos de cena, o crime e o ou os culpados.  Assim como na investigação policial as evidências solucionam a questão, do mesmo modo é possível, alterando-as, criar uma nova narrativa.  Por meio dela, pode-se inocentar um culpado e gerar um falso culpado para responder pelo crime.

 

As possibilidades de manipulação dessas culpas, dessa “verdade” criminal, estão em sintonia com o mundo de nossos dias, que já é chamado por muitos de era da pós-verdade.  O importante não é ser verdadeiro, é ser crível, convencer os outros, a maioria, ou as autoridades, de que algo é assim, se deu assim ou deve ser entendido assim.  Os próprios fatos são arranjados para que tal narrativa prevaleça.

 

“Pacto de Redenção” conta com bom elenco e um atrativo a mais, um papel desempenhado por Al Pacino.  Segundo consta, é a primeira vez que Pacino e Keaton atuam juntos.  Para quem curte o gênero policial/suspense, é um bom programa.




quarta-feira, 25 de setembro de 2024

PINOCHET 2

Antonio Carlos Egypto

 

Dois filmes em cartaz nos cinemas refletem o que foi a sangrenta ditadura militar chilena, comandada pelo general Augusto Pinochet, de 1973 a 1990, enquanto o Brasil enfrentava sua longa, e também sangrenta, ditadura militar, de 1964 até 1985.

 


Em PRISÃO NOS ANDES (Penal Cordillera), produção chilena de 2023, o diretor Felipe Carmona mostra uma prisão especial a céu aberto, na Cordilheira dos Andes, que abrigava cinco oficiais militares julgados e condenados por crimes de lesa humanidade como cruéis torturadores do regime de Pinochet, que censurou, perseguiu, torturou e matou militantes de esquerda, participantes e simpatizantes do governo de Salvador Allende, artistas e outros.  Lá eles estão “vigiados” por guardas que, na prática, estão tão presos quanto eles e que acabam funcionando até como empregados deles.  Porque os antigos chefões continuam se sentindo e agindo como se pudessem contar com o mesmo poder de que dispunham até a queda do regime e esperando voltar a qualquer momento.  Ou seja, na base do quem foi rei nunca perde a majestade.  Ou, melhor dizendo, opressores cruéis serão sempre opressores cruéis, se assim puderem agir, mesmo na cadeia.  O mérito de Felipe Carmona é mostrar o cotidiano dessa prisão “especial” injustificada, depois de tudo o que o Chile viveu com essas figuras.  Além de privilégios e benesses inaceitáveis da tal prisão.  No entanto, a exploração dessa questão não é aprofundada no filme, os personagens militares não são bem desenvolvidos, algumas situações soam artificiais, gratuitas ou sem relação direta com o tema.  Faltou amarrar as pontas, integrar a narrativa.  No elenco: Andrew Bargsted, Hugo Medina, Bastián Bodenhöfer.  104 min.

 



Em AINDA SOMOS OS MESMOS, produção brasileira de 2024, dirigida por Paulo Nascimento, rodada no Chile e no Brasil, utilizam-se relatos reais como o de um militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), que ficou 42 dias abrigado na Embaixada da Argentina, em Santiago, para poder sobreviver naquele momento em que, em qualquer lugar do país, no ano de 1973, quando se passa a ação, o perigo era total e a morte política estava à espreita.  O jovem Gabriel (Lucas Zaffari) vai ao Chile, como muitos brasileiros na época, incluindo exilados, buscar a democracia e a liberdade do governo popular de Allende e encontrará lá, um pouco depois, uma repressão monstruosa.  O pai Fernando (Edson Celulari) empresário figurão e colaborador do regime brasileiro até ajuda o filho, a contragosto, a sair do país, mas sobrará para ele a missão de resgatar Gabriel em plena Embaixada Argentina em Santiago, negociando com os militares daqui e de lá.  A situação é toda tensa e dramática, mas o filme não consegue atingir tal nível emocional, exceto em alguns poucos momentos.  A centralidade do papel do empresário, numa história vivida e manejada pelo jovem filho militante da esquerda, não contribuiu para isso.  Se a intenção era destacar, explicar, o papel da sociedade civil na ditadura militar, não funcionou.  O papel de Fernando, embora bem interpretado por Edson Celulari, não dá conta disso.  Deixa, inclusive, confuso esse papel e as relações que sustentam esses vínculos, tanto internos quanto externos. 90 min.

 

É importante resgatar essas histórias do período das ditaduras latino-americanas.  Um pouco depois, essa Argentina acolhedora da Embaixada viveria drama idêntico e maior, até, com seus militares, as Madres de Mayo  em busca de desaparecidos e tudo o que sabemos.  A guerra fria mostrou-se bem quente e coordenada por aqui. Muito já se falou e ainda há muito a dizer, compreender e reparar, sobre esse período histórico.  Mas isso não basta, precisamos de filmes intensos, emocionantes, bem elaborados, criativos, para contribuir para que essa história, de fato, nunca mais se repita.  




segunda-feira, 23 de setembro de 2024

CINEMA FANTÁSTICO

 

Nós, da Abraccine, estamos lançando em São Paulo nesta semana um novo livro da série100 filmes essenciais. Desta vez o foco é o Cinema Fantástico Brasileiro. Confira a matéria a seguir.

 


 

Cinema fantástico brasileiro: 100 filmes essenciais será lançado na mostra 1974 – 50 anos depois, na Cinemateca.

Novo livro da Abraccine destaca filmes brasileiros de horror, fantasia e ficção científica

 


Cinema fantástico brasileiro: 100 filmes essenciais será lançado pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) em parceria com o Grupo Editorial Letramento no dia 27 de setembro, a partir das 17h30, na Cinemateca Brasileira, na mostra 1974 – 50 anos depois, na capital paulista. O lançamento precede as sessões de Exorcismo negro, de José Mojica Marins, em cópia restaurada em 4K, e Enigma para demônios, de Carlos Hugo Christensen, em 35mm, ambos contemplados pela publicação. Cinema fantástico brasileiro: 100 filmes essenciais nasce de um desejo de ampliar os estudos acerca desse gênero narrativo, com um recorte abrangente e introdutório, artigos de cunho histórico e abordagens críticas sobre esse universo. No livro, são apresentados cem filmes que questionam e expandem o limite do que se entende por realidade.

Por muito tempo se questionou se haveria um cinema fantástico no Brasil para além do mítico personagem Zé do Caixão, criação de José Mojica Marins. Um olhar atento, no entanto, revela uma filmografia extensa – e cada vez mais numerosa – e de qualidade que brinca com as possibilidades do estranho e do maravilhoso. Filmes de horror, fantasia ou ficção científica foram realizados na Vera Cruz, no Cinema Marginal, na Boca do Lixo e na Retomada; balizaram chanchadas, obras experimentais, infanto-juvenis e animações.

Para Gabriel Carneiro,  que organizou o livro ao lado de Paulo Henrique Silva, “Cinema fantástico brasileiro: 100 filmes essenciais é um marco na relação da crítica de cinema, especialmente a brasileira, com o cinema fantástico. O livro estabelece um diálogo com esse gênero tão popular, mas que historicamente foi - e ainda é - tão menosprezado e diminuído frente a outras formas de representação. Injustamente, vale dizer. Hoje já se vê, com menos preconceitos, o valor e a grandeza de muitas obras filiadas ao horror, à fantasia e à ficção científica. O que é um ganho substancial”.

"O livro nos permite acessar, de forma mais nítida e coesa, a construção de uma linguagem própria dentro de um gênero até então muito atrelado ao cinema norte-americano, além de lançar luz sobre obras subestimadas como as produções eróticas e dos Trapalhões, que não só marcaram uma época como também dizem muito sobre a maneira de ver um país. A fantasia, a ficção científica e o horror tornam possível tratar de questões urgentes e delicadas com uma abordagem criativa, que pode ser divertida ou amedrontadora e, ao mesmo tempo, bastante crítica e reflexiva", observa Paulo Henrique Silva.

Produção que inaugurou o gênero de horror no Brasil e trouxe ao mundo o personagem Zé do Caixão, À Meia Noite Levarei sua Alma (1964) foi escolhido como o melhor filme do cinema fantástico brasileiro, de acordo com levantamento inédito feito pela Abraccine e que serviu de baliza para o livro em questão.

O livro Cinema fantástico brasileiro: 100 filmes essenciais integra a série 100 Filmes Essenciais, antecedido por 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016), Documentário Brasileiro: 100 filmes essenciais (2017), Animação Brasileira: 100 filmes essenciais (2018) e Curta Brasileiro: 100 filmes essenciais (2019).

Confira a lista completa de 100 melhores produções no gênero fantástico: https://abraccine.org/2021/04/19/em-pesquisa-inedita-associacao-de-criticos-elege-os-100-melhores-filmes-do-cinema-fantastico-brasileiro-de-todos-os-tempos/

O livro também pode ser adquirido no site da editora: https://www.editoraletramento.com.br/cinema-fantastico-brasileiro-100-filmes-essenciais

Durante a mostra 1974 – 50 anos depois também serão apresentados os filmes O anjo da noite, de Walter Hugo Khouri, e Zezero, de Ozualdo Candeias, presentes no livro.

Serviço:

Lançamento e sessão de autógrafos de Cinema fantástico brasileiro: 100 filmes essenciais

27 de setembro, sexta-feira, às 17h30

Cinemateca Brasileira (Largo Sen. Raul Cardoso, 207 - São Paulo/SP)

1974 – 50 anos depois

Programação da mostra: https://cinemateca.org.br/series/1974-50-anos-depois/

Cinema fantástico brasileiro: 100 filmes essenciais

Organização: Gabriel Carneiro e Paulo Henrique Silva

Grupo Editorial Letramento

Coleção Lumiére

376 páginas, 16x23

Preço de capa: R$ 90,00

ABRACCINE

Criada em 2011 e filiada à Federação Internacional de Críticos de Cinema (Fipresci), a Associação Brasileira de Críticos de Cinema reúne profissionais de 16 estados. Além da publicação de livros sobre o cinema nacional (num total de dez lançados desde 2016), a entidade realiza traduções de textos estrangeiros sobre cinema e cursos com concessão de bolsas para a diversidade e participa de júris de festivais de cinema no Brasil e no exterior. Site: https://abraccine.org/

Contato:

Gabriel Carneiro - ghpcarneiro@gmail.com

Paulo Henrique Silva - phenriquesilva40@gmail.com

 

 

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

FERNANDA YOUNG

Antonio Carlos Egypto

 


FERNANDA YOUNG – FOGE-ME AO CONTROLE, documentário brasileiro de Susanna Lira, de 2024, é um belo ensaio poético sobre o trabalho e a personalidade da escritora, roteirista e apresentadora de TV, Fernanda Young (1970 – 2019).  O filme realiza um vínculo muito bonito entre as muitas frases dos livros que ela escreveu, com as imagens de arquivo ou selecionadas para o caso: entrevistas, depoimentos, fotografias, filmagens em vídeo, muito material, revelando a extensa pesquisa que foi feita.  A costura poética que o filme faz de tudo isso é fascinante, mesmo para quem não acompanhou ou conheceu bem a obra da escritora, para além do seriado de sucesso “Os Normais” e alguma coisa mais, como é o meu caso.  Um trabalho de montagem primoroso, a cargo de Ítalo Rocha, produziu muita beleza, para ninguém botar defeito.  87 minutos.



 

terça-feira, 10 de setembro de 2024

BLACK TEA

Antonio Carlos Egypto

 



BLACK TEA: O AROMA DO AMOR (Black Tea).  Mauritânia, 2024.  Direção: Abderrahmane Sissako.  Elenco: Nina Mélo, Chang Han, Michael Chang, Wu Ke-Xi.  110 min.

 

Abderrahmane Sissako é o nome, quase impronunciável para nós, de um grande cineasta da Mauritânia.  Quem viu “Timbuktu”, um belíssimo filme que ele realizou em 2015, sabe do que eu estou falando.

 

Desta vez, ele nos traz uma narrativa amorosa, de encontros e desencontros, presente e passado em conflito, mas tudo com muita sutileza e suavidade, envolvendo africanos em diáspora e chineses.

 

A jovem Aya, da Costa do Marfim, decide mudar de vida após rejeitar no altar um casamento que não a faria feliz e vai viver na China, cuidando de uma loja de exportação de chá.  É lá que ela conhece e passa a admirar Cai, um chinês mais velho, que a conduz pelos meandros das famosas cerimônias do chá.  Aprendemos com ele que o chá se degusta em três goles, após sentir o aroma, no primeiro, sorvendo a atmosfera, depois, a fragrância e, por último, os sentimentos.

 

O envolvimento amoroso entre Aya e Cai vai encontrar barreiras nos preconceitos, são duas culturas distintas que precisam se conhecer bem para conviver em paz.  Isso acontece no cotidiano do trabalho no bairro africano da cidade chinesa Guangzhou, nas lojas de comércio, nos espaços públicos, nos cantos e danças mostrados com fartura no filme.  Destaque para as belas mornas de Cabo Verde.

 

Quando se está perto, convivendo lado a lado, as distâncias tendem a se dissolver e o conhecimento do outro, a alteridade, nos enriquece.  Os diferentes personagens que circulam nesse ambiente comum nos mostram que tudo pode fluir muito bem nessa diversidade, em que o respeito e o afeto se sobressaem.  Ainda assim, cada qual tem sua história, seus desejos, expectativas, frustrações e um passado que reverbera no presente.

 

É o caso de Aya, mas também de Cai, que tem uma história passada que o liga à África e a uma filha abandonada por lá.  As influências se misturam dos dois lados.  Acima das diferenças, paira a humanidade, comum a todos.  E os problemas, dos quais ninguém escapa.

 


Ao longo dessa trama, “Black Tea” nos faz conviver com os elementos constitutivos das culturas africanas e chinesas e das distinções dentro delas, também.  E, claro, das limitações que elas apresentam.  Em especial, exigindo a coragem do enfrentamento para as mulheres que quiserem conquistar seus espaços de felicidade.  A sororidade pode aparecer diante de conflitos amorosos ou familiares.

 

Tudo isso se dá num clima em que, mesmo as grandes tensões, não gerarão gritos, pancadaria, violência ou histeria.  O que os personagens vivem está mais dentro deles, expresso por poucas palavras e gestos.  Silêncios, inclusive.  O ambiente permanece, pelo menos aparentemente, calmo.

 

Destaques no elenco são os dois principais protagonistas.  Nina Mélo , que faz Aya, é uma jovem negra belíssima e de grande talento.  O seu partner chinês, Chang Han, é igualmente muito bom, no seu ritmo.  E todos os demais atores e atrizes os acompanham muito bem.

 

Há sequências muito atraentes e bem montadas, com belos enquadramentos.  A direção de arte compôs muito bem os cenários, e os figurinos, com destaque para os vestidos vermelhos, também merecem menção.  Os ambientes ajudam a criar o clima da história.  A música e a dança dão o toque necessário para essa trama que celebra a diversidade sem alarde, com discrição e sutileza.  Tal como o ritual do chá.

 


“Black Tea” é o filme inaugural da Mostra de Cinemas Africanos 2024, que ocorre no Cinesesc, em São Paulo, de 11 a 18 de setembro, apresentando 16 longa-metragens e 4 curtas da produção atual de 14 países africanos.  Em seguida, a Mostra acontecerá de 18 a 25 de setembro, em Salvador, na Bahia.



terça-feira, 3 de setembro de 2024

VALERIO ZURLINI

                            

 Antonio Carlos Egypto 




Valerio Zurlini (1926-1982) é um dos grandes cineastas do chamado período clássico do cinema italiano, as décadas de 1950-1960 e 1970, em que se destacaram nomes como Fellini, Antonioni, Visconti, Pasolini, De Sica, Rossellini.  Zurlini faz parte desse timaço de realizadores com todos os méritos.  Mas seu cinema ainda é menos conhecido do que o dos chamados grandes mestres italianos.  Por isso ganha relevância uma mostra de seus filmes, que está acontecendo de 03 a 08 de setembro de 2024, no
Centro Cultural São Paulo, sala Lima Barreto, na rua Vergueiro, 1000.

 

Valerio Zurlini fez muitos curta-metragens e apenas oito longas em sua carreira.  Seis desses oito longas estão sendo exibidos nessa mostra.  Todos grandes obras do cineasta de Bolonha, que interagia com a literatura e a pintura, em busca de compreender, de forma esteticamente elaborada, as ações e sentimentos humanos em sua desafiadora complexidade.  Contextualizando os conflitos e relacionamentos com o seu tempo e os vínculos com as batalhas, tanto da vida amorosa e familiar quanto das guerras e disputas políticas na sociedade.

 

Comecemos por VERÃO VIOLENTO (Estate Violenta), de 1959, que aborda a política fascista de Mussolini, com um elenco que inclui Eleonora Rossi Drago, Jean-Louis Trintignant, Jaqueline Sassard, Enrico Maria Salerno. 

 




A MOÇA COM A VALISE (La Ragazza con la Valigia), de 1960, um dos meus favoritos, conta com Claudia Cardinale, esplendidamente bela, Jacques Perrin e Gian Maria Volonté no elenco.  DOIS DESTINOS (Cronaca Familiare), de 1962, destaca Marcelo Mastroianni e Jacques Perrin, nos papéis de irmãos distantes com diferentes visões de mundo, em grandes desempenhos.

 

Em 1965, MULHERES NO FRONT (Le Soldatesse) fala de prostitutas convocadas para a guerra para animar os soldados e traz atrizes como Ana Karina, Marie Laforet, Lea Massari e Valeria Moriconi.

 

A PRIMEIRA NOITE DE TRANQUILIDADE (La Prima Notte di Quiete), de 1972, traz o grande Alain Delon, recém falecido, como um atrativo a mais, ao lado de Giancarlo Giannini, Lea Massari e Alida Vali.  E O DESERTO DOS TÁRTAROS (Il Deserto dei Tartari), de 1976, traz um elenco nada menos que espetacular.  Vejam só: Jacques Perrin, Vittorio Gasman, Max Von Sydow, Francisco Rabal, Giuliano Gemma, Philippe Noiret e Fernando Rey, aquartelados à espera de um ataque tártaro, que parece nunca chegar.

 

Todos esses filmes também foram lançados em DVD, há algum tempo, pela Versátil Home Video, em versões remasterizadas, muito boas, que acredito ainda se encontrem no mercado.

 

Quem não conhece bem o diretor e gosta do cinema italiano, que foi um dos melhores do mundo nessa época, não deve perder essa mostra.  Com mais uma vantagem: todas as sessões são gratuitas.

 

  

terça-feira, 27 de agosto de 2024

O BASTARDO + OTHELO

Antonio Carlos Egypto

 


O BASTARDO (Bastarden).  Dinamarca, 2023.  Direção: Nikolaj Arcel.  Elenco: Mads Mikkelsen, Simon Bennebjerg, Amanda Collin, Kristine Kujath Thorp, Melina Hagberg.  127 min.

 

O ditado “Fazemos planos e Deus ri” é uma ótima síntese para “O Bastardo”, drama histórico, épico, que representa a Dinamarca na disputa pelo Oscar de filme internacional.  Dirigido por Nikolaj Arcel, com passagens por Hollywood, mas de volta a seu país, roteirizado por ele e por Anders Thomas Jensen, com base no romance de Ida Jessen, nos remete à Dinamarca do século XVIII, mais especificamente, a uma região considerada inóspita e infértil, na Jutlândia. 

 

O filme conta a saga do capitão Ludvig Kahlen, brilhantemente interpretado pelo grande ator Mads Mikkelsen, em busca de colonizar e cultivar uma terra renegada, que pertence ao rei, mas é dominada pelo nobre Federik De Schinkel (Simon Bennebjerg), com quem travará uma verdadeira guerra.

 

Apoiado pelo rei, quando conquista avanços inesperados, e por Ann Barbara (Amanda Collin), e cuidando de uma menina cigana, rejeitada e preconceituosamente tratada como amaldiçoada, Anmai Mus (Melina Hagberg), ele enfrenta todo tipo de problemas e questões que, inevitavelmente, não será capaz de controlar, apesar de sua determinação e capacidade de resistir.

 


A terra prometida ou a terra do rei foram usadas também como título para esse filme, já que é igualmente dela que se trata em toda a trama.

 

Por que, apesar de fazermos grandes planos e sermos capazes de lutar bravamente por eles, Deus ri?  Desejos e ambições são importantes, mas falham, porque a vida é um caos, dolorida, feia e bela, ao mesmo tempo, extraordinária, como se explicita ao longo do filme.  Ou seja, somos impotentes para controlar a vida, ela nos escapa.  Os sucessos podem chegar quando menos se espera e fora de hora.  Os esforços serão recompensados, algumas vezes, mas em momentos decisivos, não.  Há interesses por todos os lados, maldades, violência, intempéries.  As agruras exigem decisões que podem se revelar ingênuas ou equivocadas, em alguns casos.  Perigosas ou inadequadas, em outros.  Felizes, também.

 

Enfim, “O Bastardo” nos leva a um drama histórico, uma aventura épica, plasticamente bonita, que tem tudo a ver com a nossa existência humana, em qualquer canto e em qualquer época.  Um filme que estimula os sentidos e dá o que pensar.  Vale a pena conferir.

 

 


Também está entrando em cartaz nos cinemas o ótimo documentário “Othelo, o Grande”, de Lucas H. Rossi, sobre um dos maiores atores e comediantes do Brasil de todos os tempos: Grande Othelo (1915-1993).  O filme se vale de um vasto material de arquivo para compor a figura artística de Sebastião Bernardes de Souza Prata, que rompeu todas as barreiras do racismo estrutural para vir a ser o nosso ícone do cinema e de outras mídias.

 

O documentário utiliza o recurso de contar a vida e a história de Grande Othelo somente a partir dele mesmo, de suas falas, reflexões, entrevistas e de seu desempenho artístico inesquecível, no cinema, no palco do teatro ou na TV.  O que emerge daí é uma figura pequena em estatura, mas muito grande na vida e na arte.  83 min.




 

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

MOTEL DESTINO

Antonio Carlos Egypto

 


MOTEL DESTINO.  Brasil, 2024.  Direção: Karim Aïnouz.  Elenco: Iago Xavier, Nataly Rocha, Fábio Assunção.  115 min.

 

O diretor Karim Aïnouz, brasileiro, cearense, é um dos nossos mais importantes cineastas, com reconhecimento internacional e uma obra sólida e farta.  Basta citar alguns de seus filmes para evidenciar isso: “Madame Satã”, 2000; “Praia do Futuro, 2016; “A Vida Invisível”, 2019; “Marinheiro das Montanhas”, 2023.  Outro de seus filmes é “O Céu de Suely”, de 2006, realizado inteiramente no Ceará.  Pois, após 16 anos de carreira internacional, Karim volta a filmar no seu Ceará natal “Motel Destino”.  E se diz feliz com isso.

 

Segundo suas palavras: “Depois de tantos anos longe do Brasil, ainda mais tempo longe do Ceará, colocar esse filme no mundo é, para mim, uma felicidade imensa.  Os últimos anos foram muito difíceis, em que sobrevivemos a uma pandemia e a um governo fascita.  ‘Motel Destino’ é uma ode ao desejo como motor da vida”.  Colocar o filme no mundo, como ele diz, não é exagero.  O filme concorreu em Cannes e conta com coprodução da Alemanha, da França e do Reino Unido.

 


O curioso é que a volta à terra natal, embora explore também a beleza praiana e os espaços abertos, concentra-se num espaço fechado: o do motel de beira de estrada do litoral cearense.  Aqui se desenvolvem os jogos perigosos de desejo, poder e violência, que incluem o casal de proprietários/administradores do local.  Ele, Elias (Fábio Assunção), ela, Dyana (Nataly Rocha).  Nesse universo fechado eles vivem um casamento tóxico, em que Dyana está presa numa situação abusiva.


Tudo começa a mudar quando um jovem da periferia, perseguido pela polícia, aparece e se esconde, trabalhando por lá.  Heraldo (Iago Xavier), como uma espécie de sedutor/desagregador, similar ao de “Teorema”, de Pier Paolo Pasolini.  E toda uma trama policial e de suspense se estabelece.  O filme é, na realidade, um thriller erótico. Se as cenas eróticas se sobressaem, o confinamento no motel nos remete ao lockdown dos tempos recentes da pandemia de Covid19. 

 


A concentração das ações no espaço fechado do motel potencializa o drama e as reações dos personagens da trama.  É um filme que tem ritmo, ação, e que flui muito bem nesse contexto claustrofóbico e de prazer.  O que é um grande mérito do diretor e também do elenco.  A concentração do espaço parece tê-los ajudado a se aprofundar em seus personagens e no convívio entre eles. 

 

Destaque para o jovem cearense Iago Xavier, que atua como veterano, com muita força em cena.  Do mesmo modo, a atriz, cearense também, Nataly Rocha tem grande presença e força dramática na narrativa.  Quem aparentemente encontraria mais dificuldade nessa história cearense seria Fábio Assunção, ator muito conhecido no Sudeste. Ele se complicou mesmo com algumas expressões do linguajar local, segundo seu próprio depoimento, mas está perfeitamente integrado em seu papel e no relacionamento com seus parceiros de cena, também com ótima atuação.

 

As vantagens de uma filmagem restrita a um local assim determinado são a otimização do tempo, a redução do custo e a abertura de muitas possibilidades de situações.  Um filme coral num motel pode ser uma boa ideia ou, possivelmente, uma ampliação ou continuidade dessa história.  Não estou propondo nenhum Motel Destino 2, até porque não sou entusiasta dessas ondas comerciais de continuação.  Mas nas mãos de Karim Aïnouz, quem sabe, pudesse sair muita coisa boa. Estou-me referindo a isso porque o próprio diretor expressou a satisfação que sentiu e a vontade de, talvez, fazer mais, já que encontrou um caminho muito favorável.  Veremos, então.

 

 

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

O ÚLTIMO PUB

Antonio Carlos Egypto

 


O ÚLTIMO PUB (The Old Oak). Reino Unido, 2023.  Direção: Ken Loach.  Elenco: Dave Turner, Ebla Mari, Claire Rodgerson, Col Tait.  113 min.

 

A obra cinematográfica do diretor britânico Ken Loach é de uma consistência e coerência absolutas.  Seu talvez último filme, realizado no ano passado aos 87 anos de idade, é “O Último Pub”.  Baseado em roteiro de Paul Laverty, colaborador de Loach pelos últimos trinta anos, uma vez mais joga luzes na vida dos trabalhadores, dos excluídos, dos que são vítimas dos preconceitos.  Procurando sempre entender as razões econômicas e coletivas dos fatos.  Fazendo da forma mais simples possível um cinema complexo, porque a vida é complexa.  E ele não quer trapacear.  Muito menos a essa altura da sua existência.

 

“O Último Pub” vai a uma pequena cidade, que já foi muito próspera no passado, mas, com o fechamento das minas e das indústrias locais, produziu um êxodo e quem restou amarga uma decadência, falta de emprego e de perspectivas.  

 

Para cidades como essa, são levados os imigrantes, que fogem de condições de vida insuportáveis em seus países.  No presente caso, imigrantes sírios, fugindo da guerra que destruiu suas casas, seu trabalho, suas comidas, sua condição de vida.  Esses imigrantes pouco ou nada têm a oferecer, nem sequer dominam o idioma.  São, portanto, rejeitados, discriminados.

 

Ocorre que a população local tende a vê-los como os responsáveis pela sua decadência, esquecendo-se de todo o processo histórico-econômico que esvaziou essas cidades.  O estrangeiro é o culpado.  É simples.  Mas falso, muito falso.

 

É da vida dessas pessoas, as locais e os imigrantes, em convívio e conflito, que se alimenta a história desenvolvida pelo filme.

 


O dono do último pub, que resiste na cidade, no entanto, é capaz de se aproximar e quer ajudar esses sofridos sírios.  E se lembrando de um aforismo materno de que o fundamental é comer junto para viver bem, organiza refeições coletivas, reunindo os recursos dele e de todos, para que todos possam comer e existir de uma forma melhor.  Só que essa solidariedade à base da comida incomoda outros, que não aceitam que o pub tenha esse papel e quer os imigrantes longe dali.  Passando fome, não importa.

 

Ao mostrar todo esse processo e relacionamento, Ken Loach reafirma seu humanismo e sua crença na união dos trabalhadores e de todos que se sentem excluídos.  Mas, ao mesmo tempo, parece um pouco desanimado quanto ao êxito dessas lutas na atualidade. 

 

O momento mundial não é mesmo muito animador, com tanta opressão e tantas guerras.  Com o declínio do Estado de Bem-Estar Social na Europa, isso agudizou todo o problema dos imigrantes, hoje uma grande chaga não só no Reino Unido, mas na Europa toda e por aqui também, em escala menor.

 

Mais uma vez, o cineasta nos dá um belo filme político, dentro de uma narrativa dramática muito bem estruturada e trabalhando também com atores não profissionais, sírios que vivem ou viveram o drama que estão representando.  Algo que só solidifica e adensa a sinceridade e a verdade dos fatos.  Cinema da melhor qualidade. Se for mesmo o último filme dele, será uma pena.  O trabalho de Loach no Reino Unido tem uma grandeza que deixará uma lacuna, fará muita falta.

 

Quem não conhece a obra cinematográfica de Ken Loach e quiser ler minhas críticas a muitos dos filmes que ele fez, aqui no cinema com recheio, basta escrever o nome dele no campo de pesquisa, no formato web do blog, e terá muita coisa para ler.  Entre eles, os ótimos e mais recentes “Você Não Estava Aqui”, de 2019, e “Eu, Daniel Blake”, de 2016.  É uma obra maravilhosa, de um grande mestre do cinema.




 

terça-feira, 13 de agosto de 2024

O DIABO NA RUA NO MEIO DO REDEMUNHO

Antonio Carlos Egypto

 

 



O DIABO NA RUA NO MEIO DO REDEMUNHO.  Brasil, 2023.  Direção e roteiro: Bia Lessa.  Elenco: Caio Blat, Luiza Lemmertz, Luísa Arraes, Leonardo Miggiorin, Clara Lessa, José Maria Rodrigues.  121 min.

 

“O Diabo na Rua no Meio do Redemunho”, adotando esse título, o filme já mostra a que veio: produzir uma imersão na linguagem e no universo de Guimarães Rosa, a partir do seu Grande Sertão Veredas.

 

Uma vez mais, essa obra-prima da literatura brasileira é encarada pelo cinema, por meio do trabalho de Bia Lessa.  Trabalho que se iniciou no teatro, com ela mesma dirigindo esse elenco que está no filme.  E Caio Blat encarna novamente o jagunço Riobaldo, como fez na peça e no filme de Guel Arraes “Grande Sertão”, já comentado aqui no cinema com recheio.

 

A versão cinematográfica de Bia Lessa vale-se do texto de Guimarães Rosa, do seu universo original, destacando toda a dimensão que a profundidade da obra contém, fazendo-nos mergulhar naquela linguagem tão própria e marcante do sertão mineiro que ele recria. 

 

Ela o faz com grande inventividade, como se estivesse no palco, mas num imenso e vazio palco cinza, que será preenchido pelos atores e atrizes em atuações capazes de criar tanto a guerra quanto os pássaros, tanto a vida e o amor quanto a morte.  E contando com adereços cênicos encenar uma batalha de dois grupos em confronto, um rio ou um campo de morte.

 


É teatro da mais alta estirpe, muito bem captado pela técnica cinematográfica.  Bem distante do teatro filmado que, via de regra, resulta em produtos tediosos.  Mas é assumidamente teatro.  Isso nos mostra quanto uma concepção cênica pode se reinventar para se expressar por diferentes meios e linguagens.

 

A narrativa de Riobaldo frente a Deus e ao diabo, confundindo-se no amor a Diadorim e no sentido mutante do bem e do mal, ganha uma força imensa nessa adaptação ao cinema.  Uma força que se multiplica com a música intensa e marcante de Egberto Gismonti.

 

O filme é todo intensidade, emoção e reflexão.  Sua linguagem nos provoca pelas palavras e pelas imagens o tempo todo, do começo ao fim.  Mas é um desafio que nos engrandece, nos modifica para melhor, se nos dispusermos a entrar nesse universo fascinante de Guimarães Rosa, que Bia Lessa explora de forma tão criativa e competente.

 

Após ter sido lançado em mostras e festivais nacionais e internacionais, entra no circuito cinematográfico a partir de São Paulo, agora em 15 de agosto de 2024, e vai em seguida receber lançamentos no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Luís, Salvador, Fortaleza e Porto Alegre, com exposições, debates e oficinas, com a participação da diretora e do elenco, em diferentes eventos pelo país.



sábado, 3 de agosto de 2024

CARTAS OBSCENAS E O MAL

Antonio Carlos Egypto

 


PEQUENAS CARTAS OBSCENAS (Wicked Little Letters).  Reino Unido, 2023.  Direção: Thea Sharrock.  Elenco: Olivia Colman, Jessie Buckley, Anjana Vasan, Timothy Spall.  101 min.

 

“Pequenas Cartas Obscenas” é uma comédia bem característica do humor inglês.  Focaliza uma pequena localidade litorânea nos anos 1920. Uma sociedade tradicional, conservadora, dominada pela visão religiosa do mundo. Ainda assim, há espaço para uma jovem mulher de hábitos mais livres e um linguajar chulo, que inclui palavrões no seu dia-a-dia.  Algo que incomoda a comunidade e que é mal tolerado.  Esse é o papel da jovem e talentosa atriz Jessie Buckley, a personagem Rose.  Já Olivia Colman, excelente e talentosa atriz já experiente, faz o papel central da trama, o de Edith.  Edith recebe cartas obscenas e injuriosas, curtas e incômodas, que abalam a ela e a seus pais.  Eles reclamam na polícia local e estão certos de que tal coisa se deve a Rose.  Mas a policial local Gladys, vivida pela jovem e muito boa atriz Anjana Vasan, não está convencida disso e resolve investigar, mesmo contrariando a orientação de seus superiores, homens.  O mistério será desvendado.  A história, inspirada em fatos reais, é tão estranha que parece uma ficção exagerada.  Reflete, no entanto, o que o ser humano que não está em paz consigo mesmo é capaz de fazer.  Além do belo elenco, que tem também o conhecido e notável ator Timothy Spall, o clima e os diálogos do filme valem a pena. É uma produção bem cuidada, clássica, sem inovações formais.  Acaba sendo um bom entretenimento, que respeita a inteligência do público.

 


O MAL NÃO EXISTE (Aku Wa Sonzai Shinai) é o novo filme de Ryusuke Hamaguchi, do Japão, que esteve na # 47 Mostra. Quem viu “Drive My Car”, um filme espetacular, e também “Roda do Destino”, sabe que se trata de um talento indiscutível de cineasta.  Daí ser imperativo conhecer seu novo filme. Só que “O Mal Não Existe” nos prega uma grande peça.  O filme é hermético, no sentido de incompreensível.  Não está nas imagens, nem nas falas, nem no inexistente nexo causal entre as sequências, o significado da obra. Cabe ao espectador desvendar a esfinge.  Enquanto isso, assiste-se a uma filmagem bonita, com belas locações, bons atores e tudo o mais. E vê-se muita maldade, ou intenções escusas, num filme que se chama “O Mal Não Existe” .  Como assim?  É só uma ironia ou ele seria uma representação, uma performance teatral? Ou ele está lá e a gente faz de conta que não vê? Poderíamos até fazer uma pesquisa sobre o que cada um achou que era, interpretou, complementou, inventou.  Quando algo não está claramente dado, a tendência é preenchermos as faltas com a nossa própria visão do mundo e das coisas.  Ou simplesmente abandonar o desafio e rejeitar o filme.  O problema é que ele é muito bem feito e está muito longe de ser uma bobagem qualquer.  106 minutos.