domingo, 31 de janeiro de 2016

CAROL


Antonio Carlos Egypto




CAROL (Carol). Estados Unidos/Reino Unido, 2015.  Direção: Todd Haynes.  Com Cate Blanchett, Rooney Mara, Sarah Paulson, Kayle Chandler.  118 min.



Uma jovem, na faixa dos 30 anos de idade, trabalhando numa loja de departamentos, setor de brinquedos, na época do Natal.  Uma mulher elegante, de mais de 40 anos, vestida num vistoso casaco de peles, à procura de um brinquedo para dar de presente à filhinha de 4 anos.  Seus olhares se cruzam e vê-se que uma se interessou pela outra, uma compra se efetiva e nasce daí um romance entre as duas.

Esse é o começo do filme “Carol”, de Todd Haynes, diretor de “Não Estou Lá”, em 2007, “Longe do Paraíso”, em 2002, e “Velvet Goldmine”, em 1998.  De modo geral, um cineasta que faz um bom trabalho.




Aqui, o envolvimento homossexual de Carol (Cate Blanchett) e Therese (Rooney Mara) vai sendo contado, de forma linear, mas sutil.  Cuidadosamente, as peças começam a se encaixar e ficamos entendendo a natureza do desejo, seu histórico e os condicionantes que o cercam, no final dos anos 1940.

Se Therese estava à toa na vida, sem se entusiasmar nem pelo seu emprego, nem pelo namorado que planejava com ela uma viagem à Europa, Carol era uma mulher casada, com uma filha pequena, posição que a colocava de modo complicado, tanto perante a família e a sociedade, quanto perante a lei.  O filme mostra isso de um jeito suave nas aparências, o grande drama está por trás.  Tanto que as soluções surpreendem, soam abruptas.  A história adapta o romance “The Price of Salt”, de Patrícia Highsmith, a mesma de “O Talentoso Ripley”, que teve duas adaptações de sucesso para o cinema.




A australiana Cate Blanchett é um grande atriz, seu desempenho está valendo uma indicação para o Oscar 2016, mas faria mais sentido que seu personagem fosse mais jovem, para ser mãe de uma criança de apenas 4 anos. O casaco de peles que marca Carol é hoje um item mais do que incorreto, política e ecologicamente falando, mas era o máximo do charme no Natal de 1948.

A jovem norte-americana Rooney Mara é uma linda mulher, que faz lembrar Audrey Hepburn neste papel, bem diferente da investigadora louquinha, cheia de piercings, que ela representou em “Millennium, Os Homens que Não Amavam as Mulheres”, em 2011.  O que mostra sua versatilidade e seu talento.




Enfim, duas atrizes que seguram magnificamente bem uma narrativa de amor lésbico, com estilo, afetividade e doçura.  Um filme de alma feminina.

A trilha sonora da época permeia o filme, dando um charme especial à história contada, já que traz a marca indelével da etapa que retrata. A caracterização do período, com suas casas, lojas, ruas, carros, roupas, telefones, ambientes, é perfeita e nos transporta àquela situação vivida.  Isso é essencial, no caso, para dar força e credibilidade a essa trama que, a partir desses elementos constitutivos, flui muito bem.



sábado, 23 de janeiro de 2016

TRUMBO - LISTA NEGRA

Antonio Carlos Egypto




TRUMBO – LISTA NEGRA (Trumbo).  Estados Unidos, 2015.  Direção: Jay Roach.  Com Bryan Cranston, Diane Lane, Helen Mirren, John Goodman, Michael Stuhlbarg, Louis C. K..  124 min.



Dalton Trumbo foi um dos mais bem-sucedidos roteiristas da história de Hollywood. Escritor muito talentoso, era capaz de produzir desde histórias banais, com personagens sem sentido, em função de atender às expectativas de lucro fácil dos produtores, a obras elaboradas, sofisticadas, passando por épicos, blockbusters e outros tipos de sucessos populares.  Aliou-se ao Partido Comunista Americano, e filiou-se posteriormente, num período em que, por conta da Segunda Guerra Mundial e suas consequências, buscava-se melhorar, transformar o mundo.




Ocorre que os Estados Unidos, no pós-guerra, passaram a desenvolver a paranoia anticomunista que seria sua marca na Guerra Fria e que atingiu em cheio também a América Latina, nos anos 1960 e 1970, sustentando as ditaduras que por aqui vigoraram.

A partir de 1947, o chamado Comitê de Atividades Antiamericanas do Congresso dos Estados Unidos voltou sua atenção para Hollywood e pretendeu extirpar de seu meio os que eram denunciados como comunistas.  E o fez marcando-os, publicamente, e impedindo-os de trabalhar em seu ofício e, em vários casos, encarcerando-os por algum tempo.  Foi precisamente o caso de Dalton Trumbo, cuja história é narrada no filme “Trumbo – A Lista Negra”, dirigido por Jay Roach.




O filme procura mostrar quem foi esse personagem, suas relações profissionais e familiares, suas crenças e, sobretudo, a luta que travou para poder trabalhar e viver, dando trabalho a outros talentosos escritores banidos, além do permanente combate pelo fim da lista negra.  Por mais de uma década, ele atuou clandestinamente, sem poder assinar seus roteiros e, ironicamente, venceu o Oscar por duas vezes, com os filmes “”A Princesa e o Plebeu” (1953) e “Arenas Sangrentas” (1957), impedido de aparecer para receber o prêmio, que não estava em seu nome.  Só com “Spartacus”, dirigido por Stanley Kubrick, com Kirk Douglas, e “Êxodus”, dirigido por Otto Preminger, ambos de 1960, seu nome pôde voltar a figurar nos créditos e a abominável lista caiu por terra.  Não está no filme, que vai até 1970, mas um dos mais importantes trabalhos de Dalton Trumbo no cinema foi a adaptação de sua obra literária “Johnny Vai À Guerra”, de 1939, que ele mesmo dirigiu em 1971.  É um dos mais importantes filmes sobre guerra já feitos.




“Trumbo – A Lista Negra” funde cenas dos filmes originais a filmagens feitas agora, tanto em preto e branco como a cores, de um modo muito eficiente.  Tem atuações marcantes do trio central de atores: Bryan Cranston, como Trumbo (indicado ao Oscar 2016 como ator), Diane Lane, como sua mulher, Cleo Trumbo, e a vilã da história, representada pela personagem Hedda Hopper, ex-atriz do cinema mudo e colunista de sucesso, que combateu ferozmente os chamados traidores comunistas de Hollywood.  O papel coube à grande Helen Mirren, que faz a vilã em um figurino excêntrico, com um chapéu diferente a cada cena, cada um mais extravagante do que o outro.  E roupas de igual teor.  O figurino e a caracterização de época são outro ponto alto do filme, por sinal.  E seu senso de humor, também.

Trata-se, no entanto, de um filme político, e muito atual.  A paranoia anticomunista continua por aí, travestida de outros nomes, às vezes.  Mas nada mudou, essencialmente.




Em relação ao filme e a seu papel nele, Helen  Mirren declarou que: “Qualquer coisa que cheire a socialismo é um anátema absoluto.  O diálogo político não mudou muito.  Há, ainda, uma batalha entre aqueles que acreditam que temos a obrigação de cuidar das pessoas que são vulneráveis e aqueles que acreditam no individualismo e autodeterminação”.

 Ou seja, esquerda e direita continuam sendo posicionamentos muito claros, em que pese o desejo de embaralhá-los, que se faz com frequência.  As práticas políticas se repetem à exaustão, incluindo o ódio e a intolerância, simplistas e grosseiros, que fizeram parte do legado do período macartista de caça às bruxas, que os Estados Unidos viveram quando Dalton Trumbo realizava seu trabalho, com muito esforço e dedicação, em Hollywood.




terça-feira, 19 de janeiro de 2016

O NOVÍSSIMO TESTAMENTO

 Antonio Carlos Egypto





O NOVÍSSIMO TESTAMENTO (Le Tout Noveau Testament).  Bélgica, 2014.  Direção: Jaco van Dormael.  Com Benoît Poelvoorde, Yolande Moreau, Pili Groyne, Cathérine Deneuve, François Damiens, Serge Larivière.  112 min.


Deus existe e mora em Bruxelas.  Se for assim, é porque a União Europeia é o centro do mundo terrestre?  Nem tanto.  Afinal, Deus é um sujeito de má índole, sacana, mal-humorado, que subjuga a mulher e deixa a filha de 10 anos irritada, querendo sair da prisão em que está metida.  Além disso, ele não é nada sem o seu computador divino, de onde comanda o destino dos humanos. Ea, sua filha, vinga-se dele, enviando a todos os seres humanos do planeta Terra a informação de quando, exatamente, ocorrerá a morte de cada um.




Esse é o mote propulsor do filme “O Novíssimo Testamento”, de Jaco van Dormael, que já havia nos dado, em 1990, uma outra comédia brilhante, “Um Homem com Duas Vidas”.

Aqui estamos, claro, no terreno da fantasia, da farsa e da ironia.  Os tipos humanos que compõem a narrativa são todos atraentes e bizarros.  O diretor põe muitas coisas e situações em cena.  As sequências se sucedem com beleza visual e humor inteligente.

Mas, a uma certa altura do filme, a gente fica se perguntando como ele vai amarrar esses elementos todos.  Afinal, o tempo está passando, está tudo muito interessante.  Mas como isso vai acabar?  Vai dar em algo?  Aí é que o final surpreende.  Sim, o diretor foi capaz de amarrar tudo e construiu um fecho legal, que soa tão bem quanto soou todo o filme.  Um roteiro muito bem trabalhado.




E tudo anda sem pressa, há espaço para cenas curiosas, brincadeiras diversas, explorações visuais, ironias aparentemente dispensáveis, mas no fim tudo de algum modo se encaixa.  Uma narrativa original, algo desconexa e absurda, produz um entretenimento de qualidade em cinema de primeira linha.

O grande achado da narrativa é, sem dúvida, o que acontece aos mais diversos personagens, quando sabem quanto tempo têm exatamente de vida, em anos, meses, dias, horas, minutos e segundos.  Todo o plano de existência humana muda, de modo distinto para cada um.  Mas, quando todos sabem do seu destino, a coletividade toda também muda e as relações passam a ser outras, de todos com todos.  Os desafios se sucedem.  Os negócios se tornam caóticos, o trabalho, comprometido, o ócio, finalmente vivido, e coisas mais radicais podem acontecer.  O menino pode virar menina.  O garotão que sabe que vai viver mais 62 anos desafia a morte.  Uma mulher insatisfeita pode flertar com um gorila.  É uma brincadeira e tanto!  Que também nos leva à reflexão.




Benoît Poelvoorde, como o inusitado Deus, costura uma história que tem na menina Ea (Pili Groyne) o grande destaque, mas que inclui atores como François Damiens, Cathérine Deneuve, em papéis menores, e Yolande Moreau, que faz muito bem a esposa de Deus, aquela que vai do mutismo ao embelezamento do mundo.

Belo filme, escolhido pela Bélgica para representar o país na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro.  Só que foi preterido, não entrou entre os cinco escolhidos para a disputa final, assim como ficou fora o nosso “Que Horas Ela Volta?”.  Os dois merecem muito mais do que, por exemplo, o filme turco-francês “As Cinco Graças” (Mustang), que entrou na lista e já deve estar em exibição nos cinemas. Bem, já sabemos que o Oscar é um prêmio da indústria, não da qualidade artística.




“O Novíssimo Testamento” tem frescor e leveza, num trabalho em que o talento e o humor dão as cartas, com criatividade transbordando.  É isso o que importa, não os prêmios que tenha recebido ou venha a receber.

  

sábado, 16 de janeiro de 2016

SPOTLIGHT _ SEGREDOS REVELADOS


Antonio Carlos Egypto




SPOTLIGHT – SEGREDOS REVELADOS (Spotlight).  Estados Unidos, 2015.  Direção: Tom McCarthy.  Com Michael Keaton, Mark Ruffalo, Rachel McAdams, Liev Schreiber.  129 min. 


Jornalismo investigativo sério é uma das mais importantes armas de sustentação de uma democracia.  Exige fidelidade leonina aos fatos, meses de pesquisa indo atrás de indícios que possam resultar em denúncia relevante, e liberdade para os profissionais designados para a investigação.  Independência, portanto, também dos esquemas e interesses econômicos da publicação.  Se ela estiver direcionada para o leitor e for capaz de contrariar alguns interesses imediatos, isso é teoricamente possível, como parece ter sido o caso relatado no filme “Spotlight – Segredos Revelados”.




Na prática, isso é tão raro nos dias de hoje que soa como uma utopia.  Fundamental e necessária, mas utopia.  No caso da imprensa escrita, mais difícil ainda: os grandes jornais e revistas estão perdendo a relevância, os leitores e seus profissionais mais competentes, enxugando e desaparecendo.

É, sem dúvida, bonito o trabalho jornalístico do Boston Globe e sua equipe investigativa, que levou à denúncia bombástica da pedofilia dos padres, do abuso sexual contra crianças, permanente e recorrente, encoberto pela Igreja Católica durante muitos anos.  Veio, então, a denúncia, nos Estados Unidos, na Irlanda e em muitas outras partes do mundo.  Revelou-se que o problema era, e é ainda, sistêmico.  Reflete um funcionamento antinatural da estrutura da vida religiosa, baseada no celibato.  Mas como sempre acontece a impunidade garante a continuidade dos crimes, suas graves consequências para as pessoas atingidas e suas famílias, geralmente recrutadas onde as maiores carências se manifestam.  E o interesse de manter as coisas como estão, em termos de estrutura religiosa, e econômica, faz com que nada mude até que algo se rompa.




Foram décadas de existência dessas questões, conhecidas da cúpula da Igreja, e de tanta gente importante ao redor do mundo, sem que nada de significativo tivesse sido feito.  Trocam-se os clérigos e seus superiores coniventes de lugar, pressionam-se os governos e a justiça para engavetar denúncias e joga-se a sujeira para baixo do tapete. Agora, não mais, algo mudou. Tanto que vários filmes estão tratando do assunto. O melhor deles, o chileno “O Clube”, tem crítica publicada aqui, no cinema com recheio.

No caso de “Spotlight”, trata-se de um bom filme, didático, com ótimo desempenho do elenco.  A narrativa segue o estilo convencional, muito carregada de diálogos o tempo todo, mas o resultado final convence.  É competente no seu conjunto e a história relatada é importante de ser resgatada.  Embora falte uma referência mais clara ao que já se conhecia sobre o assunto ao redor do mundo, quando os fatos estavam sendo investigados em Boston.




“Spotlight – Segredos Revelados” concorre ao Oscar 2016, nas principais categorias do prêmio: filme, diretor, roteiro, montagem, ator e atriz coadjuvantes.


quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

8 1/2 de FELLINI

  
Antonio Carlos Egypto




 8 ½  (Fellini Otto & Mezzo).  Itália, 1963. Direção: Federico Fellini.  Fotografia: Gianni Di Venanzo.  Música: Nino Rota.  Com Marcello Mastroianni, Claudia Cardinale, Anouk Aimée, Sandra Milo.  145 min.


“8 ½ “ de Fellini foi o primeiro filme de grande envergadura artística a que assisti no cinema, quando de seu lançamento, em 1963 ou 1964. Eu era, então, um adolescente e posso dizer que foi chocante. Tinha entendido muito pouco do filme, mas percebi que se tratava de algo brilhante, muito especial, e que, se eu não tinha tido acesso a ele, o problema era meu e não do filme.



Fui revê-lo na mesma época, buscando que ele fizesse sentido para mim.  Mas não era uma tarefa fácil.  Afinal, “8 ½ “ é um conjunto de cenas, magistralmente concebidas, que valem por elas mesmas.  Reunidas naquele conjunto, elas adquirem um significado muito maior, são lembranças, recordações de vida, desejo e imaginação, no contexto da crise criativa de um artista, que tem de continuar produzindo.  É um filme sobre a gestação do cinema de autor, com todas as suas implicações.  O diretor detém as ideias e o conceito do espetáculo, define cenários, suntuosos até, locações, figurinos, os papéis de cada um e sua ambientação.  Tem de lidar com os produtores e seus investimentos, os roteiristas e sua afetação intelectual, a imprensa e os críticos.  Um verdadeiro peso que ali se transforma em pesadelo.




Parecia muito complicado entender tudo isso, na época.  Pelo menos para mim.  Por isso, voltei ao filme outras vezes e então ele foi fazendo todo o sentido.  Aquelas imagens deslumbrantes e originais já conseguiam falar uma língua que eu era capaz de entender. Marcello Mastroianni, o diretor no filme, alter ego de Fellini, tem um desempenho extraordinário.  Desde então, sempre o considerei o ator número 1 do cinema, até sua morte.  E não mudei de opinião até hoje.  A presença diáfana e inebriante de Claudia Cardinale, no auge de sua beleza, sempre me acompanhou.  Poderia existir uma mulher mais bela, melhor fotografada, em alguma outra película?




A fotografia de “8 ½ “ é primorosa, insuperável.  Como acontecia com grande parte do cinema italiano da época ou na obra de Ingmar Bergman, com o trabalho do fotógrafo Sven Nykvist.  Havia coisas tão boas quanto, não melhores.

A música do genial Nino Rota elevou a filmografia toda de Fellini a um nível artístico que beira a perfeição.  É um compositor excepcional, sua parceria com Fellini é um dos legados artísticos mais importantes do século XX.




“8 ½ “ venceria o Oscar de melhor filme estrangeiro do ano e o de figurino.  Também, pudera, era o melhor filme já feito, não só daquele ano e não só em uma língua que não fosse inglês.

Volto sempre a rever “8 ½ “, numa cópia em DVD, restaurada e remasterizada, lançada pela Versátil, que faz jus ao filme.  É incrível, mas cada vez que o revejo fico mais maravilhado.  São imagens em preto e branco, que jogam notavelmente com a luz e a sombra, as tonalidades de branco são acentuadas pelos figurinos exuberantes, os gestos e sentimentos são expressados pelos tons de claro e escuro e pelos cenários de sonho e fantasia, tudo me encanta. Pois não é que agora o filme está de volta aos cinemas? Fantástico!  Olha, quem nunca viu não pode deixar passar essa oportunidade.




Há coisas para as quais a experiência vivida nos dificulta o exercício da crítica.  É o caso desse filme, a minha maior referência, paradigma daquilo que o cinema pode ser capaz de produzir.  Não consigo ver as falhas que esse filme possa ter.  Dizem que a paixão cega.  Talvez seja isso.  Mas se alguém me perguntasse qual o melhor filme que eu já vi na vida, eu não titubearia: foi o “8 ½ “ de Fellini, projetado numa tela de cinema.




DIPLOMACIA

Antonio Carlos Egypto




DIPLOMACIA (Diplomatie).  Alemanha, França, 2014.  Direção: Volker Schlöndorff.  Com André Dussolier, Niels Arestrup, Robert Stadlober, Charlie Nelson, Jean-Marc Roulot.  88 min.


O novo filme do grande diretor alemão Volker Schlöndorff, chamado “Diplomacia”, é baseado na peça teatral do mesmo nome de Cyril Gely, que fez o roteiro do filme, em parceria com o diretor.

O assunto é o mesmo do filme de René Clément, “Paris Está em Chamas?”, lançado em DVD há pouco tempo. Esse filme é de 1966, mas só o vi recentemente.  É curioso ver o tema da explosão de Paris por Hitler retomado neste “Diplomacia”, de 2014, que chega agora aos cinemas.

Segunda Guerra Mundial.  25 de agosto de 1944.  Na Paris ocupada pelos alemães, a entrada dos Aliados para a retomada da cidade é iminente, assim como o fim da guerra, que está próximo.  Ela está perdida para o Eixo, capitaneado pela Alemanha.  O general Dietrich von Choltitz (Niels Arestrup), que coordena as forças de ocupação alemãs em Paris, é fiel ao Terceiro Reich e recebe ordem expressa, vinda de Hitler, para explodir a capital da França, incluindo suas pontes, monumentos e museus.  A ideia era oferecer aos vencedores terra arrasada.  Sabemos o final da história, mas o filme de Schlöndorff constrói um belo suspense com isso.  O que fará o general?  Está tudo pronto para explodir, fartamente carregado de dinamite, falta só a ordem para a explosão.  Ela virá?



O que acabará determinando tal decisão é o relacionamento do general com o cônsul-geral da Suécia em Paris, Raoul Nordling (André Dussolier).  Do embate intelectual entre ambos far-se-á a luz. 

O filme se centra na relação dos dois personagens, como se ela estivesse ocorrendo toda na noite fatídica da decisão.  As cenas originais de rua servem apenas de elemento ilustrativo.  É do confronto dos dois que se alimenta todo o filme.  Em econômicos 88 minutos, acompanhamos toda a evolução da conversa que colocava em jogo um dos maiores patrimônios culturais da humanidade e vidas humanas em profusão.  Os dois protagonistas, atores brilhantes, que já haviam vivido os mesmos papéis no teatro, em 2011, carregam magistralmente a trama.

André Dussolier, que faz o cônsul-sueco, é um dos atores que mais atuaram com Alain Resnais, que o tinha como um de seus prediletos.  Mas trabalhou também com François Truffaut, Claude Chabrol, Claude Lelouch, Erich Rohmer, Coline Serreau, Bertrand Blier e muitos outros. Niels Arestrup, o general, trabalhou com Chantal Akerman, Claude Lelouch, Marco Ferreri, István Szabó, Jacques Audiard, Steven Spielberg, Bernard Tavernier e, também, Alain Resnais.  Outra bela trajetória. Com atores assim, o resultado é eletrizante.  Mesmo tudo se passando basicamente entre as paredes da sala de trabalho do oficial nazista.




Em comparação com a superprodução francesa “Paris Está em Chamas?”, que reuniu um dos maiores elencos e participações especiais às pencas, a economia de recursos e de tempo de “Diplomacia” é incrível.  René Clément contou com roteiro de Gore Vidal e Francis Ford Coppola.  Teve no elenco Jean-Paul Belmondo, Charles Boyer, Alain Delon, Kirk Douglas, Glenn Ford, Yves Montand, Anthony Perkins, Michel Piccoli e até Orson Welles, no papel do cônsul sueco. Precisou de 165 minutos para registrar o mesmo fato.  Mas escolheu outro caminho: o do minucioso detalhamento das batalhas de rua na Paris em que a Resistência tentava reconquistar pontos estratégicos, à espera do embarque aliado.  Interessante do ponto de vista histórico, com base nos fatos e resgate de imagens originais em grande quantidade, mas longo e cansativo.  “Diplomacia”, ao contrário, foca no embate razão e emoção, no seguir ordens absurdas sem questioná-las, ou do medo de enfrentá-las ou, ainda, da coragem de fazê-lo, dos riscos a correr, da capacidade de avaliar a monstruosidade que estava em jogo.

Volker Schlöndorff, em “O Mar ao Amanhecer”, de 2011, já se debruçava sobre a questão humana que a guerra abala e destrói de forma absurda, sem falar na sua obra-prima, “O Tambor”, de 1979, em que um menino grita e bate um tambor para enfrentar os absurdos da guerra e da vida.  Seu estilo contundente de filmar nos obriga a encarar realidades estranhas e desagradáveis.  E constrói um forte humanismo como resposta.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

OS OITO ODIADOS

Tatiana Babadobulos



OS OITO ODIADOS (The Hateful Eight). EUA, 2015.  Direção e roteiro: Quentin Tarantino. Com Samuel L. Jackson, Walton Goggins, Jennifer Jason Leigh e Kurt Russell.  167 min.

Ao sair de casa para assistir a um filme de Quentin Tarantino, já se sabe que a experiência será intensa. Em sua filmografia, o cineasta mostra que não está para brincadeira quando empunha uma câmera e escreve um roteiro original. Foi assim, por exemplo, com “Kill Bill”, “À Prova de Morte”, “Bastardos Inglórios” e “Django Livre”.


Em “Os Oito Odiados” (“The Hateful Eight”), longa-metragem que chega aos cinemas brasileiros na quinta, 7, até parece não se tratar de um filme seu, tamanha a falta de ação, de diálogos ásperos e irônicos. Mas só parece.


No início do longa, situado após a Guerra Civil americana, a viagem de uma diligência é interrompida quando uma forte nevasca atinge a região e os passageiros são obrigados a parar no meio do caminho. E é ali, dentro do estabelecimento, que oito (ou talvez nove) pessoas se confinam e são colocadas à prova.


Com destino a Red Rock, o caçador de recompensas John Ruth (Kurt Russell) leva sua prisioneira, Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh, ótima!), para entregá-la à Justiça. Os dois oferecem carona ao negro soldado aposentado, major Marquis Warren (Samuel L. Jackson), e um sulista que diz ser o novo xerife da cidade, Chris Mannix (Walton Goggins).


No tal estabelecimento que pertence à Minnie, os quatro são recebidos por Bob (Demian Bichir), Oswaldo Mobray (Tim Roth), Joe Gage (Michael Madsen) e o general Sanford Smithers (Bruce Dern).


Para a filmagem de seu oitavo filme, Tarantino escolheu a câmera Ultra Panavision 70. Essa informação poderia ser desprezada não fosse a influência que o equipamento tem na produção. Isso porque o uso da câmera em formato widescreen aproxima os personagens da tela ao espectador e a sensação de claustrofobia é aumentada, uma vez que a maior parte das mais de três horas de filme se passa dentro de um galpão.

A ambientação pode lembrar um teatro, uma vez que o cenário é sempre o mesmo –com exceção da parte externa, quando aparece a nevasca, no início da fita. Tarantino escolheu para as externas a região do Colorado (EUA), cuja mãe-natureza deu uma boa mão afim obter a neve necessária para a produção. 

A ideia da filmagem em ambiente único, porém, é um pouco diferente da de Lars von Trier, em “Dogville”. Naquela produção, pode-se acompanhar a atriz Nicole Kidman em tom teatral em cima de um palco. Aqui, a intenção é que os personagens possam ser vistos pela plateia mesmo sem estar necessariamente em foco.

Mesmo dentro do galpão é possível ouvir o barulho do vento uivando, de maneira que o espectador sente a claustrofobia do ambiente em que os homens e a mulher estão confinados esperando a nevasca dar uma trégua. A música de Ennio Morriconi sublinha o ambiente de tensão que é necessário.


Lá pelas tantas, é o forasteiro vivido por Samuel L. Jackson que dá as cartas. É ele quem vai rebater a quantidade exagerada de “nigger” pronunciada pelos personagens em tom de preconceito. Mas sua habilidade em conduzir não se resume às armas que mantêm em punho. É na oração que estão as maiores convicções que ele apresenta e que vão garantindo o espetáculo.

Se no início o espectador tinha dúvida sobre o diretor e poderia até achar a trama sonolenta, a quantidade de balas explodidas e de sangue escorrido ao longo do filme garantem a procedência, e a ação desperta qualquer um que tenha piscado no início. É com os olhos grudados na tela que a plateia confere que Tarantino está mais afiado do que nunca.

Tanto Jackson quanto Jennifer Jason Leigh podem ser fortes candidatos ao Oscar, mas, por conta da estreia que acontece este ano nos EUA, vamos ter de esperar 2017.