quarta-feira, 31 de agosto de 2016

A COMUNIDADE


Antonio Carlos Egypto




A COMUNIDADE (Kollektivet).  Dinamarca, 2015.  Direção e roteiro: Thomas Vinterberg.  Com Ulrich Thomsen, Trine Dyrholm, Lars Ranthe, Fares Fares, Lise Koefoed.  111 min.



Uma casa linda e enorme, em lugar privilegiado de Copenhague, chega de herança para Erik (Ulrich Thomsen), casado com Anna (Trine Dyrholm).  O desejo de viver numa casa assim só se viabiliza envolvendo outras pessoas e isso parece encantar Anna, que acaba por convencer o marido a montar uma comunidade com pessoas amigas e conhecidas.  Estamos em 1975 e a ideologia do movimento hippie, de paz, amor e vida coletiva, de preferência na natureza, estava em alta.

Ao contar essa história, o filme de Thomas Vinterberg, “A Comunidade”, procura fazer uma radiografia do que está em jogo nas relações humanas, em uma proposta como essa.  Para começar, conviver com todo tipo de diferenças: de classes sociais, crenças, religiões, características de personalidade, aspectos geracionais, sentimentos que afloram uns em relação aos outros, medos, ansiedades, excessos, excentricidades.  É preciso estabelecer regras claras de funcionamento e de como punir quem não as cumprir.  As decisões têm de ser tomadas de forma coletiva e democrática.




Há ainda a questão da posse do imóvel e do aluguel.  Por exemplo, em uma das reuniões da casa, decidiu-se que o aluguel a ser pago por cada um deveria ser proporcional à sua renda, o que acabou produzindo um aumento brutal no aluguel do membro mais rico.

Viver em comunidade supõe uma dedicação ao coletivo muito rara de se encontrar em quem foi educado nos cânones individualistas de um capitalismo altamente competitivo.  É bonito, sobretudo para as crianças, conviver numa família maior, enorme e calorosa.  Mas o desapego dos pais precisa ser muito grande, também.  Alguns não resistirão por muito tempo e cairão fora.  Parece inevitável.




Mudanças como essas, para serem possíveis e duradouras, exigem um teste de realidade que, mais cedo ou mais tarde, se imporá. Se o principal atingido for o casal de intelectuais que concebeu o experimento, a coisa se complica muito.

Experiências de vida coletiva, de inspiração socialista, parecem produzir um tipo de felicidade que tem hora para acabar.  Pelo menos, no nosso contexto socioeconômico capitalista.  Em que pese o êxito do Estado de Bem-Estar Social construído na Escandinávia, que resiste lá até hoje.  As questões econômicas podem pesar menos para cada um, nos países ricos, mas a realização do sonho coletivo ainda não encontrou registro histórico palpável.




Estou, naturalmente, pensando em cima da provocação que o filme “A Comunidade” me fez.  É que esse novo trabalho do diretor dinamarquês Thomas Vinterberg lida com a complexidade do tema de forma competente e com profundidade.  O realizador de “Festa de Família”, de 1988, “Submarino”, de 2010, e “A Caça”, de 2012, enfrenta questões sérias com coragem e não teme a polêmica.  É um grande cineasta.


O elenco é igualmente muito bom.  Rende bem.  O casal de protagonistas, que enfrenta questões emocionais mais intensas, mostra do que é capaz, em papéis difíceis.  Ulrich Thomsen é um talento reconhecido, tem uma larga carreira no cinema e TV escandinavos.  Trine Dyrholm, também, e recebeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Berlim deste ano, por este filme.



quarta-feira, 24 de agosto de 2016

CINEMA ITALIANO


Antonio Carlos Egypto


O cinema italiano tem uma tradição histórica de criatividade, talento, inovação e comunicação com o público invejáveis.  Desde o pós-Segunda Guerra Mundial, com a eclosão do movimento cinematográfico do neorrealismo até, pelo menos, o final dos anos 1980, a Itália esteve no topo da qualidade do cinema mundial.  Grandes cineastas que marcaram forte contribuição para a história do cinema, como Fellini, Antonioni, Pasolini, Visconti, Roberto Rossellini, Ettore Scola, Vittorio De Sica, Valerio Zurlini, Mario Monicelli, faziam parte desse time. 

Atores icônicos, como Marcello Mastroianni e Vitorio Gassman, e atrizes, como Sophia Loren, Gina Lollobrigida e Silvana Mangano, são exemplos de grandes intérpretes do cinema italiano.   E que dizer dos roteiristas, dos grandes diretores de fotografia, de músicos da dimensão de um Nino Rota?  O cinema italiano é reverenciado pelos cinéfilos e pelo público em geral, que viveu e acompanhou essa história toda.




Hoje, como está o cinema italiano?  Tentando corresponder ao passado glorioso que lhe foi legado, mas não dá para encarar.  E é até injusto esperar algo semelhante.  Não tem como comparar.  É como esperar que a atual seleção brasileira de futebol se equiparasse à de Pelé, Tostão, Gerson e Rivelino, de 1970.  Tem Neymar e a medalha olímpica, assim como a Itália tem um Nanni Moretti, mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

Quem quiser conferir de perto a produção italiana atual tem a chance de acompanhar a 8 1/2 Festa do Cinema Italiano, de 25 a 31 de agosto, em 7 capitais brasileiras: São Paulo, Rio, Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre.  Serão exibidos 7 filmes inéditos bem recentes, sendo um também inédito, de 2004.  Além disso, está em cartaz regular nos cinemas a comédia “Funcionário do Mês”, grande sucesso de bilheteria na Itália.  Vou fazer um rápido comentário sobre os filmes que eu vi.

LOUCAS DE ALEGRIA (La Pazza Gioia), 2016.  Direção de Paolo Virzì.  Com Valeria Bruni Tedeschi, Micaela Ramazzotti, Anna Galiena, Valentina Carnelutti.  118 min.

Comédia maluca, sobre mulheres com distúrbios mentais, consideradas socialmente perigosas, vivendo numa clínica psiquiátrica.  Quando duas delas saem para o mundo exterior, tudo pode acontecer.  O problema é a visão de loucura que o filme passa, reforçando preconceitos e a ideia de encarceramento e controle como indispensáveis.  Tem até uma cena em que uma delas pede um eletrochoque.  Aí não dá.  Tem um toque libertário, do tipo “Thelma e Louise”, mas é ideologicamente questionável a abordagem do filme.  De resto, a produção é boa e o elenco, forte.


Loucas de Alegria


AMOR ETERNO (La Corrispondenza), 2016.  Direção: Giuseppe Tornatore.  Com Jeremy Irons, Olga Kurylenko.  116 min.

Filme falado em inglês, do diretor de “Cinema Paradiso”, de 1988, com o inglês Jeremy Irons e a ucraniana Olga Kurylenko em ótimos desempenhos.  Se os cientistas conseguem se comunicar com estrelas que já morreram, por que os seres humanos não poderiam também se relacionar amorosamente, após a morte de um deles, pelo menos por alguns meses?  Para isso, é possível se valer não só da capacidade de planejamento como dos mais modernos recursos tecnológicos disponíveis.  Romance que exagera na dose, no apelo emocional, apesar da engenhosidade da proposta.  Não corresponde ao que os nomes envolvidos criam de expectativas positivas.  Os muito românticos devem curtir.


Amor Eterno


AS CONFISSÕES (Le Confessioni), 2016.  Direção de Roberto Andò.  Com Toni Servillo, Daniel Auteuil, Connie Nielsen, Pierfrancesco Favino.  100 min.

Uma reunião de ministros de economia dos países mais fortes do mundo, o G8, inclui, por razões algo misteriosas, mas pessoais, do líder do encontro, um monge católico, papel de Toni Servillo, o grande ator italiano do momento.  Em discussão, a manipulação dos destinos das nações e as consequências que decisões que estão para serem tomadas podem causar às pessoas.  O capitalismo, tecendo seus fios globais, com suas dúvidas e seus remorsos.  Um outro mundo é possível.  Legal.  O problema é que nesse filme a única alternativa que se apresenta são os valores religiosos.  Não há nada no meio, entre a crueldade dos mercados e a concepção cristã do mundo, externada por um padre.  E que padre: o ator Toni Servillo.


As Confissões


AS CONSEQUÊNCIAS DO AMOR (Le Conseguenze dell’ Amore), 2004.  Direção: Paolo Sorrentino.  Com Toni Servillo, Olivia Magnanio.  100 min.

Uma história que envolve assassinatos e máfia, contada em tom baixo e completamente misterioso.  Absolutamente nada é explicado ao espectador da vida de um estranho senhor depressivo, solitário, calado a ponto de nem responder cumprimentos e que esconde um grande segredo.  Ao contrário do que pregava Hitchcock, como tudo fica escondido, não há sintonia ou cumplicidade com o espectador.  Mais para o final do filme, em vez de mostrar a vida do referido personagem, é ele quem fala tudo para a moça com quem se envolveu.  Tanto mistério para ser contado de uma vez só, quando já perdemos o interesse pela história.  Erro tático do diretor Paolo Sorrentino, de “A Grande Beleza”, de 2013 e “Juventude”,de 2015, em seu primeiro longa ficcional.  Dá para entender por que o filme permaneceu inédito no circuito, apesar de contar também com Toni Servillo como protagonista, num desempenho contido, perfeito.


Funcionário do Mês


FUNCIONÁRIO DO MÊS (Quo Vado), 2016.  Direção: Gennaro Nunzianto.  Com Checco Zalone, Eleonora Giovanardi, Sonia Bergamasco, Maurizio Micheli.  86 min.

Ótima comédia sobre a luta pela preservação de direitos, hoje tão ameaçados pelas políticas de austeridade na Europa, aqui e mundo afora.  Funcionário público com um emprego fixo garantido, solteiro e sem filhos, vive no melhor dos mundos numa pacata cidade italiana.  Até que o governo decide remanejar os postos de trabalho, tentando estimular demissões voluntárias, mediante gratificações.  Mas não para ele, que desde a escola primária desejava um posto fixo.  A luta para manter esse posto vai  levá-lo até a aceitar a incumbência de atuar junto a pesquisadores italianos, em um centro norueguês, no Polo Norte.  A ideia da comédia não é nova, mas a discussão do momento, envolvendo o Estado de Bem-Estar Social em declínio, a torna muito atual e as situações são engraçadas.  Megasucesso com o comediante Checco Zalone.



sexta-feira, 19 de agosto de 2016

FRANCOFONIA - O LOUVRE SOB OCUPAÇÃO


Antonio Carlos Egypto




FRANCOFONIA – O LOUVRE SOB OCUPAÇÃO (Francofonia – Le Louvre Sous L’Ocupation).  Produção europeia, 2015.  Direção: Alexandr Sokurov.  Com Louis-Do de Lencquesaing,  Benjamin Utzerath, Vincent Nemeth.  84 min.



História e Arte são elementos centrais do trabalho do cineasta russo Alexandr Sokurov.  Em 2002, em “A Arca Russa”, ele percorreu o museu Hermitage, em São Petersburgo, num único plano-sequência, mostrando as obras de arte associadas a elementos da história russa, sendo encenados à medida em que a visita acontecia.

Agora, o foco de seu interesse é o Museu do Louvre, em Paris, num momento delicado de sua história: o da ocupação nazista.  “Francofonia – O Louvre sob Ocupação” nos oferece a oportunidade de conhecer um pouco da história desse museu emblemático, que reflete a própria história da França, exibe algumas de suas obras pictóricas e esculturas, abordando as relações entre poder e arte e os significados associados aos acervos culturais.

Os museus representam a própria civilização em seu momento mais glorioso: o da criação artística.  Para Sokurov, não há nada mais importante do que eles.  O que significaria a França sem o Louvre, ou a Rússia, sem o Hermitage?  É isso o que talvez explique a luta pela preservação de obras de arte em meio às guerras. 




Esta, porém, não é uma questão a ser entendida linearmente.  “Francofonia” mostra que o poder nazista pretendia incorporar a cultura e a arte francesas a um suposto Estado francogermânico, que se sucederia aos conflitos da Segunda Guerra Mundial. Daí a reverência, o respeito e o desejo de preservar o patrimônio artístico-cultural francês.  Já quanto ao acervo cultural soviético, não havia qualquer preocupação de preservação.  Esse era o inimigo a ser eliminado, varrido do mapa civilizatório.  A justificativa para o combate à arte degenerada, tal como mostra muito bem o documentário “Arquitetura da Destruição”, de Peter Cohen, de 1992, é puramente ideológica.  O combate ao comunismo soviético levaria tudo para essa categoria de avaliação. Considere-se, ainda, que preservar, aqui, significa também roubar, saquear, como resultado das guerras.  A própria figura de Napoleão Bonaparte é chamada em encenação do filme para, não só apreciar a arte em que ele figurava, mas para jactar-se de ter amealhado todo aquele acervo maravilhoso para a França.

Obras de grande valor artístico também têm de ser transportadas e estão sujeitas a todo tipo de risco, como o representado pelos temporais que atingem os navios.  De qualquer modo, os bombardeios são fatais.  E foi preciso deslocar a maior parte das peças do Louvre, durante a Segunda Guerra, para evitar um possível desastre.




Se alguém se preocupa seriamente com essas coisas, tanto estando do lado dos invasores quanto dos invadidos, é sinal de que há esperança e civilização possíveis.  Em “Francofonia”, isso é mostrado pela relação entre o diretor do Louvre do período, Jacques Jaujard (1895-1967) (Louis-Do de Lencquesaing), que continuou seu trabalho junto ao governo colaboracionista de Vichy, e o conde Wolff Metternich (1893-1978) (Benjamin Utzerath), o interventor que, em nome do governo alemão, tinha a tarefa de controlar o acervo artístico e, quando solicitado, enviá-lo para a Alemanha.  O que ele evitou de forma consciente que, de fato, se concretizasse.

A parceria de Jaujard e Metternich em nome da arte, em plena guerra, transforma até o sentido de palavras como colaboracionismo, obediência e patriotismo, tão comuns em referências bélicas, porque surge uma ética que se superpõe a essas questões, em nome da humanidade e da cultura universal.




“Francofonia” é um filme rico, que dá margem a muitas reflexões de toda ordem e é criativo, do ponto de vista cinematográfico, além de visualmente muito bonito.  Cenas documentais filmadas na época se acoplam a encenações atuais, por meio das tonalidades fotográficas.  Passado e presente se integram em panorâmicas da cidade de Paris e do Louvre, os personagens dialogam com as obras de arte dentro do museu e o próprio filme se faz à nossa frente, contando com as explicações narradas pelo próprio Sokurov. 

É um filme sofisticado, que não tem a pretensão de atingir grandes bilheterias.  É daquelas coisas pelas quais os cinéfilos babam, mas muito gente acha simplesmente tedioso.  Fazer o quê?  Não é todo mundo que consegue apreciar um biscoito fino.



quinta-feira, 18 de agosto de 2016

BEN-HUR


Antonio Carlos Egypto





BEN-HUR (Ben-Hur)Estados Unidos, 2015.  Direção: Timur Bekmambetov.  Com Jack Huston, Toby Kebbel, Rodrigo Santoro, Morgan Freeman, Sofia Black, Ayelet Zurer, Pilou Asbaek.  119 min.



Lew Wallace (1827-1905), escritor e militar norte-americano, além de advogado, diplomata e estudioso da Bíblia, publicou em 1880 um romance que faria história: “Ben-Hur, a Tale of the Christ”.  O personagem fictício Judah Ben-Hur, um príncipe judeu, traído por seu amigo de infância (irmão de criação?), o romano Messala, acaba nas galés, escravizado.  Foge, recupera sua liberdade, se prepara e acaba voltando para se vingar de Messala, numa violenta corrida de bigas, dessas que envolvem vida e morte.  Contemporâneo de Jesus Cristo, acaba aderindo aos ensinamentos do Mestre, aquele que o acolheu num momento de desespero, oferecendo-lhe água, a despeito da proibição dos soldados romanos.




O cinema sempre flertou com esse romance, desde os seus primórdios.  A primeira adaptação foi um curta-metragem de 15 minutos, dirigido pelo canadense Sidney Olcott, em 1907, quando o cinema ainda engatinhava.  Em 1925, o cinema silencioso dos Estados Unidos produziu o primeiro longa baseado no romance, “Ben-Hur: Uma narrativa de Cristo”, dirigido por Fred Niblo, com um grande astro do cinema da época: Ramón Novarro.  É uma produção caríssima e avançada, para o período.

Foi em 1959 que William Wyler (1902-1981) dirigiu a superprodução “Ben-Hur” como um grande épico e super espetáculo, que abocanhou 11 Oscars e teve Charlton Heston no papel principal.  Aquela produção envolveu cerca de 300 sets de filmagem, 100 mil figurinos e 8 mil figurantes, segundo informações do DVD que a Warner lançou do filme no mercado brasileiro.  Ou seja, uma coisa grandiosa.  E muito bem-feita.




No entanto, o cinema de Hollywood volta à carga e produz uma nova versão do mesmo romance, só que agora adaptado pela trineta do autor, Carol Wallace, que pretendeu reescrever a história de forma atualizada e mais acessível.  Precisava?  Tenho minhas dúvidas.

Do ponto de vista cinematográfico, o que sempre interessou, e continua interessando nessa narrativa, foi a corrida de bigas.  Ela praticamente domina o filme de 1907, é o principal destaque em 1925 e se tornou uma cena antológica do cinema, no filme de William Wyler.  No atual remake, não é diferente.  Os efeitos especiais mais modernos, a tela IMAX e o 3D dão pleno destaque ao que interessa ao público ver: a famosa corrida de bigas, agora em 2016.  É inegável o impacto que causa, sempre causou, a tal corrida, nos filmes Ben-Hur.  Na atual adaptação, não só a corrida, mas praticamente todo o filme, aposta em cenas impactantes.  A pretensão é ser superlativo, espetáculo em todos os sentidos.  Que procura reforçar a visão judaico-cristã do mundo.




O elenco, capitaneado por Jack Huston, no papel título, e Toby Kebbel, no de Messala, ainda tem o brasileiro Rodrigo Santoro como Jesus Cristo.  Uma curiosidade: no filme de 1959, Cristo era citado e aparecia apenas de costas.  Aqui, ele entra na história de forma mais clara.  Morgan Freeman, o mais famoso e conhecido do elenco, está no papel do sheik Ilderim.  Sofia Black e Ayelet Zurer são as estrelas femininas do filme.  Portanto, essa superprodução não é um filme de grandes astros.  Mas deve corresponder às expectativas de entretenimento das plateias.  Afinal, é um blockbuster, que, como de costume, vai invadir um grande número de telas de cinema e contará com uma grande promoção midiática.  Deve ajudar o Rodrigo Santoro a alavancar ainda mais sua carreira internacional.  Merecidamente.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

ESPERANDO ACORDADA


Antonio Carlos Egypto




ESPERANDO ACORDADA (Les Chaises Musicales).  França, 2015.  Direção e roteiro: Marie Belhome.  Com Isabelle Carré, Carmen Maura, Philippe Rebbot, Nina Meurisse.  83 min.


Um susto produz uma queda.  Homem desconhecido, não deu nem para ver o rosto. E  se ele tiver morrido?   Não dá nem para imaginar tal coisa.  É preciso socorrê-lo.  Mas a garota atrapalhada, vestida de morte para animar festas infantis, se perdeu e já está muito atrasada.  Um telefonema para a polícia resolve isso.  É só usar o celular e se mandar...

E agora?  Fazer de conta de que nada aconteceu?  Impossível.  A culpa não deixaria. Será que ele morreu? É preciso saber.  Parece que está em coma.  Ufa!  Ainda há reparação possível.  É preciso descobrir quem ele é, como vive, onde mora.  Entrar na sua vida, cuidar das suas necessidades.  E até de seu filho.  Quem sabe, amá-lo.




A trama de “Esperando Acordada” explora as circunstâncias fortuitas da vida que podem mudar tudo de uma hora para outra.  E as adaptações e acomodações que temos de fazer para dar conta da nova situação.

A insatisfação, a infelicidade, a mediocridade são componentes rotineiros da vida das pessoas.  Se algo extraordinário acontece, o sentido dessas vidas pode até se iluminar, descobrir algo onde quase não havia nada.




O filme de Marie Belhome, “Les Chaises Musicales”, aqui lançado como “Esperando Acordada”, traz essa história curiosa e transformadora, apresentando um caso de amor e dedicação, ancorado na expiação da culpa e no fascínio pela vida do outro.  Como estreia em longas da diretora, é um bom começo.

Isabelle Carré faz a jovem Perrine, com todas as nuances que o personagem pede, e carrega o filme.  Apesar de haver no elenco ninguém menos do que Carmen Maura, que sempre será lembrada pelos incríveis papéis que fez nos filmes de Pedro Almodóvar.  Aqui, ela parece um tanto deslocada, numa função coadjuvante, sem maior brilho.  Philippe Rebbot e Nina Meurisse completam o elenco com eficiência.  “Esperando Acordada” não é nenhuma grande obra do cinema, mas  é uma graça de filme.


11ª MOSTRA MUNDO ÁRABE DE CINEMA



Para quem quer diversidade, nada melhor do que conhecer alguns dos filmes da Mostra de Cinema Árabe, que está acontecendo em São Paulo.  Vai até 28 de agosto, no Centro Cultural Banco do Brasil, Centro Cultural São Paulo e Cinesesc.

Filmes da Palestina, do Marrocos, do Egito, do Líbano, da Tunísia, da Argélia, dos Emirados Árabes, do Qatar e Iêmen, podem ser vistos por lá.  É preciso arriscar, porque você pode encontrar ótimos filmes e produções mais precárias, também.  Mas, nesse tipo de Mostra, sempre vale o risco.




Eu já vi, por exemplo, “Memória Fértil”, um  docudrama, filmado dentro do território palestino chamado linha verde, na fronteira com Egito, Jordânia, Líbano e Síria.  Vi, ainda, dois outros filmes palestinos, “Amores, Roubos e Outras Complicações”, que brinca com os conflitos e busca a paz, e um curta notável, “Ave Maria”, que trata com humor das limitações que se impõem a freiras católicas no meio do deserto e a judeus, em pleno sabbath.  “Orquestra Cega” e “Homens de Argila”, filmes de Marrocos, são boas produções que também gostei de conhecer.  Vale a pena conferir essa Mostra. 

  

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Café Society

Tatiana Babadobulos


CAFÉ SOCIETY. EUA, 2016. Direção e roteiro: Woody Allen. Com: Jesse Eisenberg, Kristen Stewart, Steve Carell, Jeannie Berlin, Ken Stott. 96 min.

É na crítica ao oba-oba de Hollywood que Woody Allen enfoca seu mais recente longa-metragem. “Café Society” se passa nos áureos anos 1930, na costa oeste dos Estados Unidos, quando o cinema sonoro estava começando.
É tempo dos musicais e de muito dinheiro na América, haja vista que a Europa ainda se recuperava da Primeira Guerra Mundial.
O personagem central é Bobby (Jesse Eisenberg) que, em busca de um novo trabalho, se muda de Nova York para Los Angeles. Ele vive com a família, no Bronx, em Nova York, um bairro típico da periferia, longe do glamour de Manhattan.
Seu pai, Marty (Ken Stott), é do tipo brutamontes, e sua mãe, Rose (Jeannie Berlin), está sempre pronta a fazer comentários maldosos do marido. Seu irmão mais velho, Ben (Corey Stoll), é um gângster –e daí saem histórias ótimas que lembram os filmes de máfia.
Em busca de uma oportunidade, Bobby larga a joalheria do pai na costa leste e vai atrás do tio Phil (Steve Carell).
Phil é daqueles descolados que trabalham na indústria do cinema, vive com a casa cheia de artistas e não tem tempo para a família. De qualquer maneira, se prontifica a ajudar o sobrinho e, para isso, pede auxílio de sua assistente, Vonnie (Kristen Stewart), para que ela lhe mostre a cidade e arrume coisas para ele fazer no escritório.

Woody Allen participa do longa não apenas como diretor e roteirista, mas também como narrador. É ele quem conta a história que vai se desenrolando na tela. Uma forma sutil de mostrar as idas e vindas dos personagens.
“Eu mesmo quis fazer isso, porque eu sabia exatamente como queria que as palavras fossem ditas”, diz o diretor no material de divulgação para a imprensa. “Pensei que como eu mesmo havia escrito o livro, seria como se eu estivesse lendo o meu próprio romance.”
Eisenberg e Carell têm uma veia cômica que é respeita por Allen. O primeiro, aliás, já tinha trabalhado com o realizador em “Para Roma Com Amor” e, de certo modo, é como um alter ego de Woody Allen, que muito já interpretou tipos assim em filmes seus.
A atriz Kristen Stewart, que ficou conhecida no cinema por sua atuação na saga “Crepúsculo” (todo mundo tem um passado que lhe condena), atua de forma austera, tal como o fez em “Acima das Nuvens”, ao lado de Juliette Binoche.
E é nesse clima de socialites, aristocratas, artistas e celebridades que se desenrola o longa. Quando o personagem volta para Nova York em busca de suas raízes, é como uma metáfora comparando a vida do diretor, que prefere filmar na cidade onde mora, mas que ultimamente tem realizado filmes em outros lugares do mundo como uma maneira de viabilizar seus projetos, dizendo de maneira prática.
Ele mesmo já afirmou isso, quando fora convidado para filmes no Reino Unido. Fora três filmes seguidos: “Match Point”, “Scoop” e “O Sonho de Cassandra”. Sem contar nas homenagens feitas a outras cidades, como “Vicky Cristina Barcelona”, “Meia-Noite em Paris” e “Para Roma com Amor”.

Assim como em Match Point, que aparecem os pontos turísticos de Londres como coadjuvantes, aqui Hollywood se destaca como cenário, pano de fundo para o desenrolar da história, mesmo que haja momentos de contemplação e turístico com os passeios ao redor das casas dos artistas, um passeio muito comum a todos que visitam Los Angeles pela primeira vez.
“Café Society” tem bons personagens e roteiro encantador, além de fazer homenagem ao cinema. A trilha sonora é o ponto alto que não vai deixar você sair do cinema antes de terminarem os créditos.
Cumprindo à risca de ter um lançamento no cinema por ano, Woody Allen apresentou sua obra durante o Festival de Cannes, em maio. No Brasil, poderá ser visto a partir de 25 de agosto.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

FILMES EM CARTAZ NOS CINEMAS EM TEMPO DE OLIMPÍADA


Antonio Carlos Egypto


Star Trek: Sem Fronteiras

STAR TREK: SEM FRONTEIRAS
Quem é fã da série “Jornada nas Estrelas” não vai perder este Star Trek, de 2016, direção de Justin Lin.  Se o que se busca é espetáculo, além de personagens conhecidos e muito curtidos, é uma pedida óbvia.  Ainda mais em tela IMAX e em 3D.  Ficção científica, fantasia e aventura, com muita ação, efeitos especiais sofisticados e o de sempre.  Ou seja, nada de novo.  Mas muita diversão.

VIDAS PARTIDAS
O filme brasileiro de Marcos Schechtman, protagonizado por Domingos Montagner e Naura Schneider, trata da séria questão da violência doméstica que atinge as mulheres.  Baseia-se nas alarmantes estatísticas que revelam a extensão desse tipo de crime, no Brasil e no mundo.  Busca contar uma história de ficção que inclua os aspectos relevantes do problema, com preocupação em ser didático.  Comemora os dez anos de existência da Lei Maria da Penha e nos lembra do muito que ainda há para fazer.  Ótima intenção, assunto importantíssimo.  Realização mediana.


Negócio das Arábias

NEGÓCIO DAS ARÁBIAS
Inicialmente chamado de “Um Holograma para o Rei”, como é o título original, o filme de Tom Tykwer, de “Corra, Lola, Corra”, de 1998, tem como protagonista Tom Hanks, no papel de um empresário americano em apuros financeiros, que vai fazer negócios na Arábia Saudita.  E se depara com diferenças culturais que infernizam sua vida.  Faz graça com os costumes locais, as dificuldades de entender e conviver com essas diferenças.  Flerta com a ideia do choque de culturas, mas se redime quando faz com que o empresário encontre o amor onde ele menos esperava, ao conhecer uma médica fascinante daquela região.  Apesar das credenciais do diretor e do badalado ator Tom Hanks, nada muito empolgante.

AMOR E AMIZADE
Filme inglês, baseado no romance Lady Susan, de Jane Austen, com os ingredientes tradicionais da escritora: as relações incestuosas entre amor e dinheiro.  A busca de pretendentes que garantam uma vida estável e status social, em meio a amantes e aos casos amorosos mais diversos.  Dirigido por Whit Stillman, de forma convencional, tem ambientes e vestuário atraentes e um bom elenco capitaneado por Kate Beckinsale.  Novelão de época.

Amor e Amizade

CAVALEIROS BRANCOS
Filme-denúncia, de Joachim Lafosse, que conta o escândalo do caso Arca de Zoé, um grupo humanitário francês, preso no Chade, centro da África, acusado de sequestro e comércio de crianças de até 5 anos de idade, no ano de 2007.  Sua missão seria a de ajudar órfãos sudaneses a encontrar família na França, oferecendo vida e educação melhores a essas crianças.  Protagonizado pelo ótimo ator Vincent Lindon, o filme levou prêmio de direção, no Festival de San Sebastian.  Boa realização.


Cavaleiros Brancos

CONEXÃO ESCOBAR
Filme policial, dirigido por Brad Furman, com Bryan Cranston no papel do agente federal que conseguiu se infiltrar no cartel de drogas comandado por Pablo Escobar, a partir de Medellín, e aplicou plano fatal contra a organização criminosa.  “The Infiltrator”, o título original, já indica que a história é contada do ponto de vista da polícia, daí eu ter usado a expressão filme policial em lugar de suspense. Ele segue o modelo dos antigos filmes do gênero.  Não entusiasma.




terça-feira, 9 de agosto de 2016

A VIAGEM DE MEU PAI


Antonio Carlos Egypto




A VIAGEM DE MEU PAI (Floride).  França, 2015.  Direção: Philippe Le Guay.  Com Jean Rochefort, Sandrine Kiberlain, Laurent Lucas, Anamaria Marinca.  110 min.



Akira Kurosawa (1910-1998) considerava que uma condição essencial para se ter um bom filme é se ter um bom personagem.  De fato, um personagem bem estruturado, psicologicamente consistente, inserido em seu contexto sociocultural e histórico, é capaz de envolver o público, cativá-lo, provocá-lo ou assustá-lo.  É meio caminho andado para que um filme funcione e atinja o espectador, razão de ser da produção cinematográfica, algumas vezes ignorada pelos realizadores.

O personagem Claude (Jean Rochefort), de “A Viagem de Meu Pai”, é uma dessas figuras que marcam presença com força e prendem a nossa atenção o tempo todo.  Impossível ficar indiferente a ele.



E quem é Claude?  Um homem na faixa dos 80 anos, que tem força, presença marcante, alta autoestima e, consequentemente, uma boa imagem de si mesmo e de suas capacidades e recursos.  Só que ele já está sofrendo do mal de Alzheimer, mas não se dá conta disso.  Ou prefere não ver que seus esquecimentos, as confusões que ele acaba provocando, as dificuldades que surgem no convívio com as pessoas, são consequência de um problema sério, de uma doença que atinge a mente, embora possa mantê-lo ativo e serelepe. 

O desgaste que sua filha sofre e demonstra, inclusive com a troca de cuidadoras que ele, de um lado, rejeita, de outro, se relaciona de um modo totalmente inconveniente, não é percebido como algo relacionado ao que ele faz.  Assim como as malandragens que o divertem são da ordem de um comportamento infantil, que ele não percebe como fora de lugar.




Enfim, o roteiro do diretor Philippe Le Guay e de Jérôme Tonnerre, com base em história de Florian Zeller, explora muito bem as características da doença de Alzheimer, se manifestando numa pessoa dinâmica, forte e divertida, muito difícil de abordar, controlar e restringir.  Tanto que, quando ele resolve fazer uma grande viagem, o fará, de um modo ou de outro.  No caso, o destino é a Flórida, onde supostamente vive sua outra filha, e que produz um suco de laranja inigualável.  Claude não aceita nenhum outro suco em seu lugar.

Para que o filme se complete, surpreenda ao final e faça valer a boa trama que construiu, aplica-se uma pegadinha na plateia.  Sem ela, não seria possível.  Não gosto desse recurso, apesar de reconhecer que funciona, no filme.  É, digamos, um mal menor que se pode tolerar.




A direção, numa abordagem clássica, consegue passar um clima de leveza e informação séria, que faz a gente refletir, se divertindo.  À semelhança de um outro trabalho anterior de Philippe Le Guay, “Pedalando com Moliére”, de 2013, o humor é o seu ponto forte.  Um humor inteligente, sofisticado.


Em “A Viagem de Meu Pai”, nada supera a construção do personagem.  É seu grande trunfo.  Claude é muito especial e vivido com enorme talento pelo ator Jean Rochefort.  Ele é brilhante, consegue uma atuação impecável, luminosa, que encanta.  A gente ri, se diverte, sofre com ele, torce por ele, admira sua determinação.  Rochefort constrói um personagem inesquecível, que vale o filme.


terça-feira, 2 de agosto de 2016

DE LONGE TE OBSERVO


Antonio Carlos Egypto




DE LONGE TE OBSERVO (Desde Allá).  Venezuela, 2015.  Direção e roteiro: Lorenzo Vigas.  Com Alfredo Castro, Luís Silva, Jericó Montilla, Catherina Cardozo.  93 min.



“De Longe Te Observo”, da Venezuela, primeiro longa de Lorenzo Vigas, foi o vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza e foi exibido na 39ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo com seu título original, “Desde Allá”.

O filme navega num universo em que a homossexualidade como desejo traz à tona uma série de questões e constrói uma narrativa complexa, muito forte, que surpreende.  Tem uma estrutura consistente, que inclui a realidade social dos meninos de rua, mexe e brinca com preconceitos estabelecidos.  E envereda por uma trama que tem elementos policiais e suspense.  Faz tudo isso de forma bem concatenada.





A narrativa se centra no relacionamento entre Armando (Alfredo Castro), um homem que paga para que jovens fiquem nus para ele se masturbar sem tocá-los, e Elder (Luís Silva), adolescente em situação de rua, que lidera uma gangue juvenil.  A relação se dá por meio do dinheiro, mas se estabelece de forma complicada, trazendo muitos elementos.  O dinheiro aparece como roubo, meio de agressão, chantagem, afeto ou solidariedade.  Traz mistérios que envolvem o passado de Armando e o pai dele, que entrarão nessa relação, vinculando dois personagens que, a rigor, só estariam em contato em função de interesses imediatos e fugazes.

Assim como o personagem Armando, a câmera observa as situações, passeia pela vida deles e de seus encontros, dá tempo para que entendamos o contexto e as variáveis que os envolvem, mantendo um clima seco, duro e algo misterioso.




O que está para ser revelado nunca sabemos muito bem o que é, do que se trata realmente.  A trama conta especialmente com os dois protagonistas em ótima atuação, sutil e contida, que ajudam a prender a nossa atenção para o que vai se desenrolar em camadas sucessivas.

A história original que serviu de base para o roteiro do diretor é do escritor  e roteirista mexicano Guillermo Arriaga, de trabalhos como “Babel” e “Amores Brutos”.  O filme é coproduzido pelo México.  Um belo trabalho do cinema venezuelano, que confirma a observação de um grande momento criativo para a sétima arte na América Latina.