sexta-feira, 11 de maio de 2018

TODOS OS PAULOS DO MUNDO



Antonio Carlos Egypto





TODOS OS PAULOS DO MUNDO.  Brasil, 2017.  Direção: Gustavo Ribeiro e Rodrigo de Oliveira.  Documentário.  80 min.


Paulo José é um dos maiores atores da história do cinema brasileiro.  Sua força interpretativa, aliada a uma voz marcante e a uma versatilidade impressionante, povoam o nosso cinema de grandes personagens e alguns filmes históricos.  É só lembrar de “Macunaíma”, “O Padre e a Moça”, “Todas as Mulheres do Mundo”, “Edu, Coração de Ouro”, “O Homem Nu”, “Os Deus e os Mortos”, “O Rei da Noite”, “Ilha das Flores”.  São incontáveis os trabalhos de Paulo José que marcaram o cinema nacional desde os anos 1960.  São seis décadas de atuação desse nosso carismático ícone.

Não se pode deixar de lado, também, a contribuição de Paulo José para o teatro.  Seu papel como integrante do renovador Teatro de Arena, nos anos 1960, 1970.  E a sua participação ativa na TV, especialmente depois que o Ato Institucional no. 5 aprofundou a opressão da ditadura militar sobre as artes, fechando as portas que tinham sido abertas pelo Cinema Novo e o teatro de resistência do período.  Na TV, pôde fazer alguns trabalhos importantes, que serão sempre lembrados, por terem reunido naqueles tempos artistas de muito gabarito, que não conseguiam se expressar melhor por outros meios.

Pois bem, Paulo José chega aos 80 anos e é muito justo e oportuno que seja homenageado pelo cinema, para quem tanto contribuiu e ainda contribui, mesmo enfrentando há vinte e cinco anos o mal de Parkinson, que acabou por produzir uma perda de voz, ou melhor, uma voz mais fraca e tímida, que se pode ouvir no documentário “Todos os Paulos do Mundo”, de Gustavo Ribeiro e Rodrigo de Oliveira.



Com Fernanda Montenegro (foto de Wallace Barbosa)


O filme costura um vasto material de arquivo de imagens desse trabalho magnífico do ator no cinema e também na TV, com momentos atuais de Paulo José.  E o faz de uma forma poética, estabelecendo um vínculo entre esse legado e o autorretrato verbal do próprio ator.  Paulo José escreve sobre aspectos importantes de sua vida e de sua arte, além de suas reflexões sobre a cultura brasileira e esses textos são interpretados por ele e por seus amigos e parceiros artísticos, como Fernanda Montenegro, Milton Gonçalves, Selton Mello, Helena Ignez, Marieta Severo, Mariana Ximenes, Matheus Nachtergaele, entre outros.  Também vemos em cena suas parcerias com Dina Sfat, Marília Pêra, Joana Fomm, Flávio Migliaccio, José Lewgoy e tanta gente mais.  É uma profusão de talentos que preenche a tela.

Esse formato que acopla textos do próprio ator às suas performances, sem entrevistas de outros, nem avaliações críticas de quem quer que seja, mostra que a arte de Paulo José e seu pensamento falam por si.  A importância do sua obra salta aos olhos, até para aqueles mais jovens que só conhecem seus trabalhos mais recentes, como o de “O Palhaço”, dirigido por Selton Mello, em 2011, ou suas participações na TV.  Quem viveu e acompanhou a trajetória de Paulo José tem no filme um mergulho na história cultural do país, na realidade brasileira com suas mazelas, utopias, tragédias e alegrias.

 Inevitavelmente, uma saudade e um sentido nostálgico aparecerão.  Não porque ontem tenha sido necessariamente melhor do que hoje, mas porque o vivido foi bonito e envolveu muita luta.  Paulo José é uma testemunha de tudo isso, numa trajetória que ele diz que foi mais marcada por fracassos do que por sucessos.  É possível.  Mas o que fica do seu trabalho é tão denso que o que se vê é o dinamismo e a beleza de sua arte.  O resto já se perdeu, ganhou novo significado ou não importa.


PAUSA CINEMATOGRÁFICA
Nas próximas semanas, estarei realizando uma viagem turística que muito me interessa e, por isso, estarei ausente do cinema com recheio.  Volto em meados de junho.  Até lá.



quarta-feira, 9 de maio de 2018

HAFIS & MARA


Antonio Carlos Egypto


HAFIS & MARA (Hafis & Mara).  Suíça, 2017.  Direção: Mano Khalil. Documentário.  88 min.

O documentário “Hafis & Mara” foi o escolhido para a abertura do 7º. Panorama do Cinema Suíço Contemporâneo, que ocorre de 09 a 16 de maio, em São Paulo, no Cinesesc e Centro Cultural do Banco do Brasil, a preços populares.  É uma oportunidade para conferir a produção recente da Suíça em cinema, como já vem acontecendo nos últimos anos, uma iniciativa importante para a difusão e intercâmbio cultural entre a Suíça e o Brasil.

“Hafis & Mara” nos leva a conhecer Hafis Bertschinger, um artista plástico suíço-libanês, de arte abstrata, que não alcançou nem o sucesso nem o reconhecimento que tanto esperava.  Apesar de uma produção copiosa e constante e muitas viagens pelo mundo, trata-se de um tipo de expressão artística que não entusiasmou o público, ao longo dos anos.  E que, no ocaso da vida, deixa um sabor amargo na boca e uma sensação de frustração que abala o criador.




No entanto, Hafis encontrou uma mecenas, na figura de Mara, esposa fiel, incentivadora e compradora das suas obras.  Uma pessoa introvertida, pouco expansiva, cuidadosa com as palavras e que teve condições de bancar uma vida em comum com Hafis, permitindo a ele dedicar-se a essa arte não comercial e lhe dando as condições para viver uma vida nômade, impulsiva e livre, que muitas vezes a magoou ou a atingiu dolorosamente.  Ao cabo de muitos anos, ela relembra nostalgicamente esse caminho e se pergunta se foi feliz.  E conclui que sim, apesar de tudo.

Os conflitos do casal, expressos ou latentes, vão aparecendo nas falas e ações de um e de outro e dos dois juntos.  A velhice, a proximidade da morte (que já aconteceu para ela em 2017) trazem questões filosófico-existenciais inevitáveis.  A vida valeu a pena ser vivida?  E quando parece que basta, como acabar com ela?  Como ressignificar as experiências vividas?  O que fazer com uma vasta produção artística encalhada, a essa altura inútil, que ocupa enormes espaços? 
O filme possibilita um mergulho em duas vidas que se complementaram, imperfeitamente, é verdade, mas que se revelam com muita honestidade diante das câmeras.  Não sem medos, hesitações, e com reduções de dissonância visíveis.  Gente que se pode conhecer por meio de câmeras capazes de ouvir e registrar vivências, sentimentos, sensações.  Ou seja, uma investigação psicológica de pessoas que envelhecem com muitas questões a desvendar, ainda.

Os personagens não são figuras de destaque na sociedade, no mundo da arte, ou que tenham se evidenciado de uma forma clara.  Ao contrário, estiveram à sombra, apesar da batalha pela luz ou por uma escolha circunstancial.  Por amor?

Um documentário que ressalta as personalidades e o relacionamento entre pessoas.   Apenas gente.  É o bastante.



terça-feira, 1 de maio de 2018

O QUE É A SESSÃO VITRINE


Antonio Carlos Egypto




O cinema brasileiro conta, atualmente, com uma grande produção de filmes, de variados estilos e gêneros.  As comédias, que partem de figuras televisivas bem conhecidas do público e contam com o apoio e divulgação dos veículos da Globo, geralmente alcançam números expressivos de espectadores.  Alguns filmes religiosos, também.  A regra, no entanto, não é essa, para a maioria da produção cinematográfica nacional.  Em especial, para o chamado cinema de autor, que exige reflexão e costuma tirar o espectador da zona de conforto.  Ou para produções inovadoras e calcadas em aspectos relevantes da nossa cultura, muitas vezes realizadas com poucos recursos.

Para esse tipo de cinema, que não toma como base o entretenimento puro e simples, não é fácil encontrar distribuição adequada que lhe permita atingir seu público.  Sabemos como filmes importantes, ou que mereciam ser conhecidos, passam meteoricamente pelos cinemas, sem tempo para serem descobertos pelo público a que se destinam ou pelo público em geral.  Uma semana em cartaz, com poucas cópias, em poucas salas, em poucos horários, com divulgação precária, e o produto se perde no esquecimento.  Acresça-se a tudo isso o preço alto do ingresso nos cinemas e as coisas se complicam ainda mais.

Há uma luz no fim desse túnel e que tem iluminado essa produção cinematográfica nacional com sucesso, aproximando realizadores e plateia do cinema brasileiro.  É a sessão Vitrine, com apoio da Petrobrás. A sessão Vitrine está pondo em cartaz, atualmente, em mais de vinte cidades brasileiras, todos os meses, um novo filme nacional independente, que permanece nas salas do projeto Vitrine por duas semanas, com ingressos a R$12,00 (doze reais) a inteira, incluindo sessões com debate e a presença dos realizadores: diretores, atores, atrizes, etc..

Na cidade de São Paulo, o cine Belas Artes, o Itaú Augusta, o Cinearte, do Conjunto Nacional, e o Cinesystem Morumbi já participavam do projeto.  Agora, as salas do PlayArte Marabá, no centro de São Paulo, e PlayArte Metrópole, em São Bernardo do Campo, também se associaram.




Em 2018, a sessão Vitrine estará em Aracaju, Belém, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, João Pessoa, Londrina, Maceió, Manaus, Niterói, Palmas, Porto Alegre, Recife, Rio Branco, Rio de Janeiro, Salvador, Santos, São Paulo, Teresina e Vitória. 

Desde 2011, a sessão Vitrine já teve mais de 100 mil espectadores, nos 17 filmes lançados em aproximadamente 28 cidades e 32 cinemas do Brasil, com títulos como “O Som ao Redor”, “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, “As Duas Irenes”, “Pela Janela”, “Divinas Divas”, “Jonas e o Circo sem Lona”, “Torquato Neto: Todas as Horas do Fim”, “Martírio”, “Severina”, entre muitos outros.  Em maio, será lançado o documentário “Todos os Paulos do Mundo”, sobre Paulo José, um dos maiores atores do nosso cinema, que completa 80 anos de vida.  O filme é dirigido por Rodrigo de Oliveira e Gustavo Ribeiro.

O projeto Vitrine tem garantido uma boa divulgação dos filmes lançados, e o faz em escala nacional, atingindo praticamente todas as capitais e algumas cidades grandes, Brasil afora.  Vale a pena ficar atento a esse projeto, que já há bons anos tem contribuído para que o melhor do cinema brasileiro chegue ao público, que merece conhecê-lo mais, pagando pouco por isso.  E estimulando a frequência às salas de cinema, o lugar mágico em que as pessoas riem e choram juntas, se encontram, trocam ideias, dão dicas umas às outras e revitalizam a sétima arte.