sexta-feira, 11 de agosto de 2017

COMENTÁRIOS RÁPIDOS SOBRE FILMES EM CARTAZ


Antonio Carlos Egypto


AFTERIMAGE

AFTERIMAGE, último filme do grande diretor polonês Andrej Wajda (1926-2016), relata a ignominiosa perseguição do regime stalinista polonês ao pintor modernista, Wladyslaw Strzeminski (1893-1952), que, além do grande talento que possuía, era um teórico e um professor brilhante, mesmo mutilado.  Não tinha uma perna e um braço.  Seu conceito de imagem residual  é ao que se refere o título do filme, que não tinha por que estar em inglês. Quando uma verdade é instituída pelo Estado ou por uma instituição poderosa, dessas que podem torturar e decidir pela vida ou pela morte de alguém, a arte sucumbe à opressão, até que o regime caia.  Não sem resistência, claro.  Isso vale para o stalinismo soviético, ditaduras de direita, como as de Pinochet e as militares do Brasil e da Argentina, ou a Inquisição católica, por exemplo.  Mais um tiro certeiro do mestre Wajda, esse filme polonês é uma ótima pedida.  Pena que tenha sido o último dele.




ESTEROS

ESTEROS, dirigido pelo cineasta argentino, estreante em longas, Papu Curotto, é coprodução Brasil-Argentina, que trata do desejo e do relacionamento homoeróticos entre dois personagens, Matias (Ignacio Rogers) e Jerônimo (Esteban Masturini), na infância e adolescência, os caminhos separados em que viveram longe um do outro e o reencontro, após dez anos, na mesma pequena cidade argentina de Paso de los Libres.  Agora eles são bem diferentes do que no passado, mas o sentimento renasce e conflitos emergem.  Trabalho sensível, respeitoso e delicado, sobre a temática LGBT. Premiado no Festival de Gramado 2016 pelo júri e pelo público.



FALA COMIGO

FALA COMIGO, filme brasileiro de Felipe Sholl, primeiro longa dele, tem uma ótima pegada, ao tratar do tema do envolvimento amoroso numa diferença de idade abissal.  Diogo (Tom Karabachian), de 17 anos, se apaixona por Ângela (Karine Teles), de 43 anos, paciente de sua mãe psicanalista, Clarice (Denise Fraga), e é correspondido.  Eles vivem uma experiência amorosa genuína, em que pesem as recriminações da sociedade.  Denise Fraga encarna a psicanalista que fica na defensiva em relação à vida do filho e à sua própria, tentando não perder a pose e nem se abalar. Em vão.  O filme ainda está em cartaz, em algumas salas e em poucos horários, em algumas cidades.  Mas também pode ser assistido no sistema vídeo on demand.





quarta-feira, 2 de agosto de 2017

O FILME DA MINHA VIDA


Antonio Carlos Egypto





O FILME DA MINHA VIDA.  Brasil, 2016.  Direção: Selton Mello.  Com Johnny Massaro, Vincent Cassel, Bruna Linzmeyer, Ondina Clais, Bia Arantes, Selton Mello.  113 min.


O escritor chileno Antonio Skármeta já teve um texto adaptado para o cinema, que alcançou grande sucesso, “O Carteiro e o Poeta”, dirigido por Michael Radford, em 1996.  Arrisco afirmar que “O Filme da Minha Vida”, de Selton Mello, adaptando a obra de Skármeta Um Pai de Cinema,  possa repetir o feito.  É um filme que lida com o público de modo terno, afetivo e lírico.  Traz para o cinema o clima poético e nostálgico do texto de Skármeta, acrescentando-lhe novos personagens e situações e fazendo novos elos que tornam a trama mais clara e compreensível, sem resvalar no melodrama ou nas soluções fáceis.  E sem perder o clima de mistério, deixando um caminho para o espectador percorrer, que vai além das imagens e, portanto, também além do texto original.

O que Selton Mello fez foi uma adaptação literária, mas de um modo muito pessoal, colocando-se no protagonista e no seu contexto de época.  Ao transportar a trama das serras chilenas para as serras gaúchas, ele manteve o espírito interiorano da história, com seus limites, mas ressaltou o sonho dos personagens, envolvendo-os com referências brasileiras, mantendo e dando cor local à bela homenagem ao cinema que o texto de Skármeta faz.




Em “O Palhaço”, de 2010, Selton Mello, um dos grandes atores da sua geração, encontrou seu caminho também como cineasta.  Mostrou-se capaz de lidar com emoções de forma intensa, mas equilibrada.  Buscou comunicar-se com um público amplo, usando o humor, homenageando a cultura popular, inclusive televisiva, sem adotar seu modelo simplista e popularesco.  Ele mantém esse espírito em “O Filme da Minha Vida”, onde também dirige e atua simultaneamente, além de ser roteirista, ao lado de Marcelo Vindicatto.  O filme tem a cara de Selton Mello.  Já é reconhecível sua autoria neste terceiro longa.

A fotografia, a cargo de Walter Carvalho, que tantas contribuições tem dado ao cinema brasileiro, é lindíssima, nos seus tons marrons e amarelados ressalta a luminosidade da serra  e que, sob névoa ou luz baixa, nos conduz ao clima frio serrano e aos anos 1960, em que se situa a história, na hipotética cidade de Remanso.  Na verdade, as filmagens ocorreram em sete cidades diferentes, na região de Garibaldi.

O filme é recheado de boa música daquele período histórico, com ênfase em canções francesas, já que o protagonista Tony Terranova (Johnny Massaro) também dá aulas de francês para sua turma de alunos e é filho de um francês, Nicolas, papel do conhecido ator Vincent Cassel, agora vivendo no Rio de Janeiro.  Nem por isso deixa de soar estranho ouvir My Way em versão francesa.  Outra estranheza é ouvir a seminal Rock Around the Clock, de Bill Haley, em versão nacional.  Estranhezas à parte, é fácil sair cantarolando do cinema.  Coração de Papel, de Sérgio Reis, é um dos hits em destaque.  E de Charles Aznavour Hier Encore.




A história remete à busca de um pai que abandonou misteriosamente mulher e filho para voltar a viver na França e esqueceu-se da família.  Mas essa versão faz sofrer e não convence.  O que estará por trás disso?  O jovem personagem Tony, enquanto busca saber do pai, vai construindo uma vida como professor de província, lidando com a demanda sexual dos alunos pré-adolescentes e da sua própria demanda amorosa e sexual, ele, recém-saído da adolescência.  Os meninos personagens dão margem a cenas fascinantes e divertidas.  Já com a mãe Sofia (Ondina Clais) há afeto, mas a tristeza da perda marca a relação.  As jovens Luna (Bruna Linzmeyer) que encanta Tony com seu jeito meio maluquinho, e sua irmã, Petra (Bia Arantes) têm papel decisivo no desenrolar da narrativa.  Assim como o manipulador Paco, o papel de Selton Mello no filme. É um senhor elenco de atores e atrizes que mergulham intensamente em seus personagens, revelando que Selton é um ótimo diretor de atores.  O que, afinal, não surpreende, com a cancha de representar que ele tem.

Duas participações especiais merecem destaque. Rolando Boldrin faz um maquinista de trem, personagem criado por Selton para o filme, especialmente para ser vivido por ele.  Antonio Skármeta também atua numa ponta e contracena com Selton Mello, reunindo, assim, os autores de uma bela narrativa, tanto literária quanto cinematográfica.