quinta-feira, 26 de setembro de 2013

MAIS QUE MEL

                         

Antonio Carlos Egypto




MAIS QUE MEL (More than Honey).  Suíça, 2012.  Direção: Markus Imhoof.  Documentário.  95 min.


“Mais que Mel” é o título brasileiro equivocado para um documentário suíço que procura mostrar que a importância das abelhas para o mundo vai muito além do mel que elas produzem.  Portanto, o filme deveria se chamar Mais do que Mel.

Com efeito, o que o documentário dirigido por Markus Imhoof nos mostra é que o trabalho de polinização que as abelhas realizam garante um terço de tudo o que a humanidade come.  O filme chega a acompanhar um grupo de norte-americanos que transporta abelhas por todo o país para garantir a produção de frutos nas diversas regiões dos Estados Unidos.  E se preocupam em vencer longas distâncias por terra parando o menos possível para não comprometer a sobrevivência dos insetos. 




O documentário, indicado pela Suíça para a disputa do Oscar de filme estrangeiro, aborda com preocupação a morte crescente das abelhas no mundo.  Cerca de metade delas está morrendo, sem que as razões tenham sido claramente identificadas, nos últimos quinze anos.  Abelhas selvagens são cada vez mais raras.  Uma frase atribuída a Einstein revela a dimensão do problema: “Se as abelhas morrerem, a humanidade morre quatro anos depois”. De outra parte, o documentário constata, com perplexidade, que em algumas regiões da China as abelhas já desapareceram e foram substituídas pela polinização com produtos químicos.

“Mais que Mel” viaja por várias partes do mundo, além das montanhas suíças, tratando do modo de produção de colônias de abelhas, chegando a nos mostrar como se faz para enganar uma colmeia e fazer com que ela alimente 51 rainhas, em lugar da única, como normalmente acontece.  Essas rainhas e uma pequena parte dessa colônia são exportadas, inclusive por pacotes enviados via correio, nos moldes do nosso Sedex.




São muitas e variadas as informações que o documentário nos oferece, embora ele não tenha tido o cuidado de identificar as diversas partes do mundo em que foi filmado.  Distingue-se, quando possível, pela paisagem e pela língua falada: alemão, inglês ou chinês.  Mas a informação fica incompleta, inevitavelmente.

O que, ao contrário, é bastante completo é o conhecimento de como funciona uma colônia de abelhas, o trabalho executado por elas e pelos apicultores, a produção do mel.  Tudo mostrado em detalhes e muito de perto.  Haja zoom.  A câmera entra na colmeia e flagra todos os movimentos, a dança ziguezagueante que elas fazem, o som que produzem, o trabalho em cada favo.  Isso é admirável, o mundo das abelhas revelado ao espectador.  Vale o filme.




No entanto, é preciso voltar às denúncias e preocupações que “Mais que Mel” lança.  Ficamos sabendo que uma nova espécie de abelhas, chamadas abelhas assassinas, resiste ao controle humano e já provocou várias mortes em seu périplo pelas Américas.  Partindo de onde?  De São Paulo, Brasil.  De pesquisas realizadas pela USP, segundo o filme.  Se essas abelhas assustam e até sugerem alguma forma de terrorismo, por outro lado, elas sobrevivem mais e melhor, de forma autônoma, trazendo alguma esperança para a sobrevivência dessa espécie, tão essencial ao nosso mundo.


terça-feira, 24 de setembro de 2013

Rapsódia Armênia



Tatiana Babadobulos


Rapsódia Armênia. Brasil, 2012. Direção: Cassiana Der Haroutiounian, Cesar Gananian e Gary Ganania. 63 minutos

Depois de competir na categoria de novos diretores na 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2012 (e perder para “Francisco Brennand”),  “Rapsódia Armênia” chega a uma sala da Reserva Cultural, em São Paulo.

O documentário foi feito pelos diretores brasileiros com ascendência armênia Cassiana Der Haroutiounian, Cesar Gananian e Gary Gananian durante uma viagem à Armênia para participar do casamento de um amigo argentino com uma armênia. Durante o passeio, Cassiana e Gary tiveram a ideia de traduzir a experiência em imagens com personagens que representam a tradição e a cultura daquele país.


Embora o documentário tenha ganhado importância pela história do país, além da presença de cerca de milhares de imigrantes no Brasil, o foco do filme não é este. A intenção dos diretores, a contar pelo título da obra, é focar nas canções e nas imagens aleatórias conseguidas pelas câmeras, que misturam cores e história. As cenas retratam os pontos turísticos, mas também a tradição com o jogo de gamão e xadrez dos idosos na praça. Há ainda a mistura da cidade moderna, a expressão das pessoas em close e muita festa, alegria e dança em roda tal como fazem os gregos.

Entre as cenas que parecem ser tiradas de um vídeo caseiro, há entrevistas aleatórias, a intimidade dos armênios, um brinde de boas vindas com licor, e a mulher deitada na cama, que não diz nada, nem poesia.

“Rapsódia Armênia” venceu o prêmio na categoria de Melhor Documentário no Golden Apricot 2012 - Yerevan Internation Film Festival, na Armênia, e no Pomegranate Film Festival 2012, no Canadá.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Anos Incríveis



Tatiana Babadobulos


Anos Incríveis (Télé Gaucho). França, 2012. Direção e roteiro: Michel Leclerc. Com: Félix Moati, Eric Elmosnino, Sara Forestier, Emmanuelle Béart, Yannick Choirat, Maïwenn. 112 minutos

Antes da revolução digital, em meados dos anos 1990, as filmadoras começaram a substituir as câmeras fotográficas no modo caseiro. Nesta época, segundo o diretor Michel Leclerc (“Os Nomes do Amor”), os amantes do cinema resolveram investir em televisão. No longa-metragem “Anos Incríveis” (“Télé Gaucho”), ele retrata jovens lutando por dias melhores.

Na efervescência desse combate, Jean-Lou (Eric Elmosnino), Yasmina (Maïwenn), Victor (Félix Moati), Clara (Sara Forestier) e amigos aproveitaram a chance de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” para fazer uma revolução esquerdista.

Assim, criam uma TV pirata com um programa “Objetos que nos irritam” que traz esquetes extraídas do dia a dia e se comunicam com seus telespectadores. A ideia é ser anarquista e provocativa, e contra as grandes redes de televisão. Um dos focos do grupo é a destruição de Patrícia Gabriel, uma apresentadora de um grande canal que só pensa em agradar a audiência, sem se preocupar com o conteúdo de qualidade. Aqui, ela representa o inimigo e, segundo uma das personagens, é preciso derrotá-la.

Depois de fazer parte do Festival Varilux de Cinema Francês, em maio deste ano, “Anos Incríveis” chegou aos cinemas na sexta-feira, 20.


Ao mesmo tempo em que traz a engajada Yasmina, preocupada com a revolução, com os esquerdistas, traz Victor, um rapaz talentoso, apaixonado por cinema, e que vai fazer, juntamente enquanto trabalha na TV pirata, estágio no programa da Patrícia Gabriel. Para fazer o jogo duplo, ele é intimado a afanar produtos da grande rede como moeda de troca de trabalhar para uma subversiva.

Quando tem o primeiro filho com Clara, Victor o batiza de Antoine, em uma óbvia homenagem do diretor, também autor do roteiro, a Antoine Doinel, o alter ego de François Truffaut.

“Anos Incríveis” é uma comédia inteligente e espirituosa, que retrata uma geração que não luta contra o governo, mas contra a comunicação de massa que invade a casa das pessoas sem nada de bom a oferecer. 

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

FOXFIRE – CONFISSÕES DE UMA GANGUE DE GAROTAS

                          

Antonio Carlos Egypto



FOXFIRE – CONFISSÕES DE UMA GANGUE DE GAROTAS (Foxfire – Confession d’un gang de filles).  França, 2012.  Direção: Laurent Cantet.  Com Katie Coseni, Raven Adamson, Briony Glassco, Ali Liebert, Madeleine Bisson, Claire Mazerolle.  143 min.


Que as meninas – e as mulheres – sofrem nas mãos dos homens ninguém tem dúvida.  Assédio, estupro, desrespeito, humilhação.  As mulheres, com bastante frequência, são tratadas como objetos.  Desejadas e, ao mesmo tempo, desrespeitadas.

O machismo gera raiva e pede reação.  Uma reação que pode vir de meninas bem jovens, na faixa dos 15 anos de idade.  E, à medida que surte efeito, não só reforça o comportamento como evidencia a necessidade de umas ajudarem as outras a se vingarem dos homens que as desrespeitam.



Foi assim que nasceu Foxfire, a gangue de garotas concebida por Joyce Carol Oates, no livro que se tornou um best-seller e recebe agora sua segunda adaptação cinematográfica.  Desta vez, a cargo de Laurent Cantet, o diretor do brilhante e premiado “Entre os Muros da Escola”, de 2008.

A trama é contada por uma das meninas da gangue, Maddy (Katie Coseni), que vai relatando sua experiência com as garotas até se afastar do grupo e saber dele tempos depois. Quem comanda a gangue com determinação e um componente alucinado e autodestrutivo é Margareth (Raven Adamson).  Da vingança, ela parte (e leva o grupo) para uma vida comunitária independente, na Nova York  dos anos 1950, romanticamente inspirada nos relatos do avô socialista, que discute o lugar de Deus na vida das pessoas, e que lembra com nostalgia os ideais e lutas que o moveram no começo do século XX.



Essa referência ideológica, que leva até à ideia de que Margareth possa ter se integrado ao grupo revolucionário liderado por Fidel Castro em Sierra Maestra e participado da conquista do poder em Cuba, no final da década retratada, é o que de menos consistente tem a história.

Tudo o que a gangue de garotas vive é uma experiência, primeiro, de aprender a lidar com homens e colocá-los em seu devido lugar, ainda que para isso se valham da ilegalidade e também da violência.  Pagando na mesma moeda.  Uma forma de feminismo imaturo e radical, sem possibilidades de maior elaboração ou reflexão.  Depois, para viver livre de amarras familiares e convenções sociais, elas lembram os hippies avant la lettre.  Roubar para poder sobreviver não é bem um ideal socialista, ou anarquista.  Pode ser, no máximo, uma tática de luta em um contexto bem específico.  Por aí, a questão fica mal colocada e soa forçada.  Já o cotidiano da experiência da gangue de meninas adolescentes é rico e revelador.



As jovens atrizes que compõem a gangue estão ótimas, mostrando o talento do diretor para lidar com estreantes e não atores.  Como seu deu, também, em “Entre os Muros da Escola”.

“Foxfire – Confissões de uma Gangue de Garotas” merece atenção e mostra um outro lado e uma outra época, embora ainda recente, em relação a “Bling Ring”, de Sofia Coppola, há pouco exibido, e que traz o consumismo e as celebridades como referências de um comportamento feminino também transgressor como este.  Meninas formando gangues, agindo fora da lei, estarão na moda? 




sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Aviões

Tatiana Babadobulos


Aviões (Planes). Estados Unidos, 2013. Direção: Klay Hall. Roteiro: Jeffrey M. Howard. História: John Lasseter, Hall e Howard. 91 minutos








Antes de sair de casa para ver “Aviões” (“Planes”), novo longa-metragem de animação da Disney, pondere algumas questões.
1- Você quer realmente assistir a este filme?
2- Não existe nada melhor para fazer?
3- Você já viu “Carros”?

As duas primeiras são bastante pessoais e apenas uma forma de pensar duas vezes antes de sair. Mas se você já viu “Carros” e mesmo assim insistir em sair de casa, pegar o carro, enfrentar o trânsito da cidade, pagar o estacionamento caro e congestionado dos cinemas de shopping para assistir a “Aviões”, repense. O novo longa da Disney não passa de um déjà vu piorado.

Na trama dirigida por Klay Hall, Dusty é um avião pulverizador, portanto voa baixo para lançar remédio nas plantações, mas que sonha em competir como piloto de alta altitude. Um dos empecilhos que ele enfrenta, além de sua condição física inferior a dos outros competidores, é que ele, bem, ele tem medo de altura...
Com ajuda de um veterano da marinha, Dusty treina duro e consegue se classificar para dar a volta ao mundo, partindo de Nova York, e passando pela Islândia, Alemanha, Índia, China, México.



No meio do caminho faz amizades com um avião mexicano e também com Carolina, cuja voz em português é dublada por Ivete Sangalo. A cantora baiana dá personalidade à personagem, mas, como ela tem pouca influência na trama, não salva o roteiro de uma grande mesmice.

Quando “Carros” foi lançado, em 2006, havia o elemento surpresa, a novidade de colocar na tela carros de diferentes modelos com vida própria, sentimentos. Mesmo assim, foi o filme da Pixar que menos dinheiro rendeu nas bilheterias. Com “Carros 2” não foi diferente, mas o bom humor estava presente e a aventura foi prazerosa. “Aviões” não traz frescor nem inovação ao filme, não acrescenta nada. E, corrida por corrida em animação, gosto de “Turbo”, sobre o caracol de jardim que quer competir em Indianápolis.



Em 2006, a Disney comprou a Pixar e a técnica desenvolvida por este estúdio no lançamento de “Carros” pôde ser reaproveitada agora pela major, mas o frescor de ter um filme inédito não existe.

Como de costume nos longas da Disney, “Aviões” também traz lição de moral. Aqui, a discussão é sobre persistência (quem luta, consegue alcançar o objetivo almejado), importância da amizade, apoio e superação.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

RUSH

                          

Antonio Carlos Egypto



RUSH -- NO LIMITE DA EMOÇÃO (Rush).  Estados Unidos, 2013.  Direção: Ron Howard.  Com Daniel Brühl, Chris Hemsworth, Olivia Wilde, Alexandra Maria Lara. 122 min. 



Quem curte automobilismo e a Fórmula 1, provavelmente vai gostar de “Rush – No Limite da Emoção”.  O filme de Ron Howard mostra o ambiente competitivo e glamouroso das corridas, o clima que se cria, o apelo que a velocidade tem, os carros, os pilotos e suas equipes, as garotas que os cercam.  Exibe cenas emocionantes das corridas, ultrapassagens, choques e acidentes terríveis que acontecem.  Mais do que isso: explicita que, nessa profissão, nesse trabalho, o risco de morte está sempre presente.  Segundo Niki Lauda, absolutamente normal, na faixa de 20%.  Ou seja, a cada competição, há 20% de chances reais de não se sair vivo dela. 

A aventura de estar, pela velocidade e pelo sucesso, entre a vida e a morte, constantemente, faz parte do esporte.  Na verdade, acaba sendo o seu charme maior.  Grandes batidas, carros incendiados, acidentes fatais, geram muito interesse e audiência.



“Rush” focaliza o mundo da Fórmula 1 nos anos 1970, com especial destaque para o campeonato mundial de 1976 e pelo confronto entre os dois pilotos que marcaram aquele período e aquela competição: o austríaco Niki Lauda e o inglês James Hunt.  Rivais declarados, um alimentou o impulso do outro pela vitória, que ambos obtiveram.  Lauda, de forma mais duradoura, por ser sistemático, determinado e disciplinado em seu talento para a coisa, o que incluía um conhecimento surpreendente quanto ao ajuste dos carros.  James Hunt explorava a imagem do playboy, bon vivant, corajoso, arrojado, destemido e maluco por velocidade.

Duas personalidades bem diferentes, que se complementavam.  O filme explora isso, tanto no trabalho, como na vida particular de ambos.  Mas é o ronco dos motores e o suspense da disputa o que prende o espectador.  E, naturalmente, o drama pessoal vivido por Lauda, no acidente que quase lhe custou a vida e do qual saiu com grande determinação, mas não sem sequelas marcantes.  Hunt viveu mais intensamente todas as emoções desse mundo, sempre de olho no prazer que também havia fora dele.  Teve vida curta.



Os dois personagens são extremamente interessantes pelo que os move.  Chris Hemsworth faz James Hunt, explorando bem o carisma da figura e seu tipo conquistador.  Daniel Brühl mergulha de modo mais intenso na complexidade da figura de Niki Lauda.   Olivia Wilde e Alexandra Maria Lara representam as mulheres desses pilotos, de cuja constância, maior ou menor, no relacionamento, a vida e o temperamento de cada um deles serão determinantes.

Os fatos reais, nos quais se baseia o filme, compõem mesmo uma história emocionante.  A película só faz acentuá-la, dando ênfase ao clima de suspense, além de valorizar ao máximo a ação inerente às cenas da corrida automobilística.  O campeonato de 1976 foi pródigo em conflitos e ação, sem falar do suspense que uma disputa acirrada até o fim foi capaz de produzir.  A escolha desse foco ajudou a dar muito dinamismo ao filme. 



O diretor Ron Howard (de “Uma Mente Brilhante” e “O Código da Vinci”) realizou em “Rush” um entretenimento de muito boa qualidade.  Há merchandising e propaganda para todo lado, mas a gente acaba relevando, porque o mundo da Fórmula 1 também é assim.  Muito dinheiro e muito patrocínio sempre foram essenciais, nesse esporte em que escuderias, como a Ferrari e a McLaren, disputavam com Niki Lauda, James Hunt e tantos outros, vitórias que valem ouro.


sexta-feira, 6 de setembro de 2013

A FILHA DO MEU MELHOR AMIGO


Antonio Carlos Egypto

A FILHA DO MEU MELHOR AMIGO (The Oranges).  Estados Unidos, 2011.  Direção: Julian Franco.  Com Hugh Laurie, Catherine Keener, Leighton Meester, Oliver Platt, Allison Janney, Alia Shawkat, Adam Brody.  90 min.



“A Filha do Meu Melhor Amigo” é uma comédia de sorrisos, cinema de entretenimento, sem maiores pretensões.  Mas merece atenção, tem seu charme.

Estamos em Orange Drive, subúrbio de Nova Jersey, em que duas famílias que moram uma em frente à outra mantêm amizade.  Os dois casais não primam por viver com entusiasmo ou felicidade, nem se amam loucamente, mas tudo está acomodado, cada coisa no seu lugar.  Exceto, talvez, a filha de um deles, Nina (Leighton Meester), que já está fora de casa há cinco anos, envolvida com um cara que não agrada especialmente à sua mãe, Cathy (Allison Janney).  Seu pai, Terry (Oliver Platt), é o melhor amigo de David (Hugh Laurie), casado com Paige (Catherine Keener).  O filho de David e Paige é Toby (Adam Brody), com quem Cathy gostaria que Nina se casasse, já que seria um bom partido.  Ele está indo estudar e trabalhar na China por algum tempo.


Nada de novo, nem surpreendente nisso.  Mas, e se, quando Nina voltar, ela se interessar, não por Toby, mas por David?  Não pelo filho, mas pelo pai, o melhor amigo de seus pais?  E se David corresponder?  Aí, é claro, tudo se complica, principalmente no contexto comunitário em que todos vivem.

Essa história toda é contada a partir de Vanessa (Alia Shawkat), filha de David e Paige, amiga/inimiga e rival de Nina.  Mas nisso o foco não está bem ajustado.  Na realidade, não é só a visão de Vanessa que nos guia.  Se fosse assim, as coisas teriam de ter uma tintura emocional maior do que de fato têm.  O filme começa e termina nela, mas o foco não é claro.  Quem vê as coisas desse modo, afinal?



Algo inesperado, de um jeito ou de outro, acaba mudando a vida de todo mundo.  E é aí que o filme mostra alguma inventividade, buscando alternativas às soluções que todos esperam.  Tudo se desarranja, mas como poderia se rearranjar?  Há inúmeras saídas, não é necessário escolher as mais convencionais e que vão agradar o público.  Afinal, a vida não se rege pelos roteiros cinematográficos.  E, se é assim, por que os novos roteiros deveriam seguir os antigos?  Uma visão um pouco mais realista pode mostrar-se mais efetiva e inteligente, além de provocar identificações com muita gente que viu sua vida tomar um rumo inesperado ou improvável.

Um elenco de bons atores e atrizes, bem entrosados, faz a trama fluir com eficiência.  Faz com que se possa pensar um pouco no assunto, rir discretamente e passar bons momentos de frente para a tela.



quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A Filha do Meu Melhor Amigo

Tatiana Babadobulos


A Filha do Meu Melhor Amigo (The Oranges). Estados Unidos, 2011. Direção: Julian Farino. Roteiro: Ian Helfer e Jay Reiss. Com: Leighton Meester, Hugh Laurie, Catherine Keener. 90 minutos


Não seria novidade nenhuma uma garota de 24 anos se apaixonar por um homem que tem o dobro de sua idade. A questão é que, no caso de Nina (Leighton Meester), no filme “A Filha do Meu Melhor Amigo” (“The Oranges”), o tal homem de 50 anos é o melhor amigo do seu pai e de sua família.

Na trama, dirigida por Julian Farino em sua estreia com longas-metragens, as famílias Walling e Ostroff são vizinhas de frente na rua Oranges (daí o nome original) e compartilham da amizade há vários anos. Os homens, David (Hugh Laurie) e Terry (Oliver Platt), gostam de correr pelas ruas do bairro calmo, cujas casas não possuem muros ou portões, onde vivem em Nova Jérsei. Suas filhas, Nina e Vanessa (Alia Shawkat), já foram amigas no colégio – mas seus caminhos se tornaram diferentes com o passar dos anos.

O longa-metragem é contado sob o ponto de vista de Vanessa, filha de David. A moça é designer de móveis e, enquanto junta dinheiro para alugar um apartamento em Manhattan, trabalha em uma loja de móveis na cidade. Ela conta a história de seu pai com sua ex-amiga ao mesmo tempo que desenha incansavelmente em suas folhas os sofás e luminárias que poderiam enfeitar as vitrines das lojas mais descoladas da ilha.



Depois de cinco anos longe, Nina viaja de São Francisco para a casa dos pais a fim de comemorar o Dia de Ação de Graças – data que antecede o Natal – depois de tomar um pé na bunda do namorado. Em meio à confraternização, uma paixão desperta entre o experiente David e a sedutora Nina, já que seu casamento com a organizadora do coral da cidade já não está lá grande coisa.

O desenrolar da história é previsível e não poderia ser diferente, quando se sabe do que se trata a trama. De qualquer maneira, o jeitão sarcástico e irônico de Hugh Laurie, características que o tornaram famoso como Dr. House, na série de televisão, reforça o possível interesse para o desenrolar do filme.

Lançado em 2011, a fita estreia nesta sexta-feira, 6, no Brasil. Com tema natalino, a distribuidora perdeu o timing. Era para ter estreado em junho, junto dos blockbusters do verão norte-americano, como “Além da Escuridão – Star Trek”, “Universidade Monstros”, “Se Beber, Não Case! Parte III”, “Velozes e Furiosos 6”. Esse é o tipo de filme que dá pra esperar passar na “Sessão da Tarde” e ver se não tiver nada melhor que fazer.

domingo, 1 de setembro de 2013

REPARE BEM

                          

Antonio Carlos Egypto




REPARE BEM (Les Yeux de Bacuri).  França, Itália, Brasil, 2012.  Direção: Maria de Medeiros.  Documentário.  95 min.


A diretora de “Repare Bem” é Maria de Medeiros, atriz, cineasta, cantora e compositora portuguesa, que faz tudo isso com enorme talento, numa visão política aberta, generosa e democrática.  Fez muitos filmes como atriz na Europa, nos Estados Unidos e, mesmo, no Brasil.  Entre eles, “Pulp Fiction”, de Quentin Tarantino, “Henry & June”, de Philip Kaufman, “O Xangô de Baker Street”, de Miguel Faria Jr., “Porto da Minha Infância”, de Manoel de Oliveira.  Está atualmente em cartaz, no teatro em São Paulo, com a peça “Aos Nossos Filhos”, de Laura Castro, que trata de preconceitos em relação à sexualidade e exílio, ligados à ditadura brasileira.

Em 2003, dirigiu e também atuou em “Capitães de Abril”, contando a história da Revolução dos Cravos, em Portugal, em 1974, que primava por uma visão democrática, coletivista e até, paradoxalmente, legalista.  Se aquele movimento não resultou em tudo o que dele se esperava para o futuro, ao menos significou a superação definitiva do atraso e da opressão do salazarismo.  A atuação militar ali era generosa e libertária.  E o filme de Maria de Medeiros celebra isso.

Maria de Medeiros


Agora, ela encara, assim como na peça em cartaz, os horrores da perseguição e tortura que marcaram o período da ditadura paisano-militar brasileira, como diria o cientista político Carlos Novais.  O documentário faz um relato sincero, pungente e corajoso, desse período negro, por meio de uma família e seus sobreviventes, marcados para sempre pelos fatos.  O fio condutor de “Repare Bem” é Denise Crispim, filha de pais militantes, que conviveu com Eduardo Leite, o Bacuri, atuando na luta armada, e com ele fez uma filha: Eduarda.

A história de prisões e torturas bárbaras, que resultaram na morte de Bacuri com vinte e cinco anos, é relatada por ela com todas as letras e sentimentos.  Impossível não se envolver com sua tragédia, por mais que se possa questionar a militância comunista a que estavam ligados e a própria opção pela luta armada.  Não dá para acreditar que tudo aquilo aconteceu daquele jeito mesmo.  E ainda há quem diga que a nossa ditadura foi branda.  Pois sim!

Denise Crispim


Outro depoimento extremamente marcante no filme é o de Eduarda, que cresceu na Europa e tenta remontar, com os pouquíssimos elementos que tem, a figura de seu pai e a sua própria identidade perdida. A câmera de Maria de Medeiros está absolutamente atenta às duas mulheres, sabe ouvir e ser solidária.  É tocante, maravilhoso.  Assim como essa câmera ouve e repara bem nelas, e nessa comovente e revoltante história, o filme não se esquece de pregar a reparação de tudo isso, a partir da recuperação histórica que procura fazer a Comissão da Verdade instalada no Brasil.

O título com esse duplo sentido dado ao documentário é preciso.  Há que se entender e resgatar a história.  Para isso, há que se ver e ouvir com atenção e reparar os erros cometidos pelo Estado, não só materialmente, mas também simbolicamente.



Uma cena do filme mostra Eduarda de posse do título de cidadão paulistano, recentemente concedido a Eduardo Leite, o Bacuri.  Em outra, ela recebe o pedido de perdão, em nome do Estado, pela Comissão da Verdade.  Isso tem um valor imenso para ela.  Como terá para todos os muitos casos que ainda estão sendo recuperados e em vias de reparação.  Há muito o que fazer e a portuguesa Maria de Medeiros nos mostra, com seu filme, o quanto isso é importante.