terça-feira, 31 de outubro de 2023

LIVROS NA # 47 MOSTRA (I)

Antonio Carlos Egypto


Meu registro fotográfico do lançamento do novo livro da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), INÁCIO ARAÚJO – OLHOS LIVRES PARA VER, das edições Sesc, organizado por Sérgio Alpendre e Laura Loguercio Cânepa.  Foi no dia 26 de outubro de 2023, na Cinemateca Brasileira, como parte integrante dos eventos da 47ª. Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.  Neusa Barbosa coordenou o debate sobre o livro, com Inácio Araújo e Sérgio Alpendre.  Foi uma tarde muito prazerosa e o livro, que já comecei a ler, é ótimo.  Estará à venda nas unidades do Sesc.  Paula Ferraz, da Sinny, era uma das muitas pessoas ligadas ao cinema que estavam por lá. Maria do Rosário Caetano, por exemplo, fez muitas fotos, inclusive algumas daqui.







@mostrasp

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

FECHAR OS OLHOS NA # 47 MOSTRA

 Antonio Carlos Egypto

 




FECHAR OS OLHOS (Cerrar los Ojos).  Espanha, 2023.  Direção: Victor Érice.  Elenco: Manolo Solo, Ana Torrent, José Coronado, Soledad Villamil, Venecia Franco.  165 min.

 

A # 47 Mostra nos traz um presente: o retorno do grande diretor espanhol Victor Érice à realização cinematográfica de longas-metragens.  Responsável por uma obra prima como “O Espírito da Colmeia”, de 1973, ele realizou só mais dois longas, “O Sul”, em 1983, e “O Sol do Marmelo”, em 1992.  Desde então, dirigiu curtas e participou de episódios em filmes com outros cineastas.  E só agora, 30 anos depois, realiza um novo longa: FECHAR OS OLHOS.  E é um trabalho magnífico.

 

Uma trama muito bem construída do início ao fim, em que os diversos elementos vão sendo revelados pouco a pouco, sem pressa, envolvendo emoções e sublinhando o mistério.  O desaparecimento de um ator em pleno período de gravações de um filme, cujo corpo nunca foi encontrado e que se supõe morto num acidente no mar.   Até que novos elementos levantam dúvidas quanto a seu paradeiro.  O elemento decisivo dessa evolução narrativa será o próprio cinema, as últimas cenas gravadas do ator Julio Arenas (José Coronado) naquele filme.

 

Essa é apenas uma das questões de FECHAR OS OLHOS.  O envelhecimento, a perda da memória, da consciência e da própria identidade, a importância do nome na vida de alguém, são aspectos integrantes dessa trama.  O que resta a um ser humano quando ele perde sua história? Quando ele não se reconhece nem aos seus familiares, amigos, cônjuges?  Que sentido tem o desenvolvimento de habilidades, que parecem distantes da própria pessoa?  É possível ser feliz nesse limbo?  Claro que momentos felizes são possíveis, mas afinal o que é a felicidade para o indivíduo? E ainda: é possível reconstruir uma vida que se perdeu?  Até que ponto?

 

Num tempo em que o envelhecimento alcança novos níveis, as pessoas vivem muito mais, a questão da memória, da história e da identidade passa a ocupar papel central na vida de quem sobrevive ao passar dos anos.  E, naturalmente, dos que com eles convivem.  Como se dá o vínculo quando essas perdas acontecem?

 

 É possível pensar em tudo isso enquanto o filme flui na tela.  A sutileza, os tempos, o modo cuidadoso de avançar na história num estilo clássico, onde tudo se encaixa, favorecem a reflexão do público.  O excelente elenco do filme em desempenhos muito convincentes é mais uma prova da capacidade e do talento do diretor.  

 

Ver esse cineasta de 83 anos em pleno domínio do seu métier, pensando os tempos atuais em profundidade não é pouca coisa.  Um dos melhores filmes da # 47 Mostra, sem dúvida.

@mostrasp

 


 

sábado, 28 de outubro de 2023

MAIS 5 FILMES DA # 47 MOSTRA

Antonio Carlos Egypto

 

Alguns comentários sobre outros filmes da # 47 Mostra, já vistos.


O filme polonês MULHER DE ... (Kobieta Z...), dirigido por Malgorzata Szumowska e Michal Englert, está centrado num personagem transexual, uma mulher trans.  Ao abordar a história e o modo como o homem que se sente no corpo errado vai caminhando para viver a experiência de ser mulher, o filme mostra com clareza o processo, assim como as dificuldades familiares, no casamento heterossexual e no contexto social mais conservador da Polônia, que não contempla o casamento homossexual.  E deixa claro que o mais importante não é o desejo, mas a identidade de gênero, destacando os sacrifícios envolvidos nessa escolha. 132 minutos.

 


LOS COLONOS, o indicado chileno ao Oscar de filme internacional, dirigido por Felipe Gálvez Haberle, é um western.  O gênero sempre marcado pela ação e aventura aqui tem uma inflexão mais crítica e social. Mostra que as incursões civilizadoras do país no começo do século XX incluíam a matança indiscriminada dos indígenas, apenas imaginados como ameaçadores. Um autêntico genocídio estava em curso.  Além disso, a vida humana em geral valia muito pouco. Para o patrão, um braço perdido do empregado podia justificar o sacrifício imediato da vida, como acontece aos animais.  Os personagens da viagem pelas belas paisagens da cordilheira dos Andes: um jovem mestiço chileno, um mercenário americano e um tenente britânico entrarão em conflito.  97 minutos.

 


Dizer que A EREÇÃO DE TORÍBIO BARDELLI (La Erección de Toribio Bardelli) vem do Peru parece piada pronta de José Simão. Mas não, o filme de Adrián Saba é sério.  Tem humor também, mas é basicamente uma abordagem da frustração humana, não só no sexo, do personagem do ator Gustavo Bueno, que contracena também com Lucélia Santos, mas dos demais personagens, seus filhos. Eles falham na vida por conta do alcoolismo, da deficiência visual, das limitadas e restritivas possibilidades de uma carreira literária e na própria relação entre todos eles, uma grande frustração.  A reação priápica que o filme mostra é o aspecto mais evidente dessa frustração geral. É o indicado do Peru ao Oscar de filme internacional.  82 minutos.

 


O filme turco QUASE TOTALMENTE UM PEQUENO DESASTRE (Sanki Her Sey Biraz Felaket), do diretor Umut Subasi, também trata de frustração, a dos jovens no mundo de hoje em que tudo parece difícil, sufocante, sem futuro, numa cidade como Istambul.  O problema é que cada um deles tem seu modo de jogar, mentir, omitir, e não parecem ser capazes de lutar por seus anseios.  As sequências são marcadas pelos jovens, cada um à sua vez, chorando copiosamente. E uma música ritmada repetitivamente entra junto.  Uma ideia nada feliz, além de óbvia.  88 minutos.

 


O LIVRO DAS SOLUÇÕES (Le Livre des Solutions), da França, do bastante conhecido diretor Michel Gondry, vai para o registro da comédia, tendo como base o fazer cinematográfico. No caso, o personagem é um diretor de cinema enlouquecido e que quer fazer tudo do seu jeito, rejeitando todas as técnicas conhecidas do cinema.  Com isso, tudo vai acontecer de forma caótica, deixando a equipe tensa e desequilibrada.  O diretor confia no livro das soluções que ele mesmo preenche, a partir de páginas em branco, criando um “método” próprio para resolver as coisas.  Na contramão de tudo, algo acaba dando certo.  Será que esse filme vai sair?  Vai haver um modo de montá-lo?  Apesar dos excessos, é divertido.  102 minutos.

@mostrasp

 

 

 

 

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

4 DESTAQUES DA # 47 MOSTRA

Antonio Carlos Egypto

 

Aí vão quatro destaques, de grandes diretores, da perspectiva internacional, que estão na # 47 Mostra.

 


ERVAS SECAS (Kuru Otlar Üstüne), da Turquia, tem direção de Nuri Bilge Ceylan.  O cineasta é muito respeitado, admirado pelos cinéfilos pelo trabalho de alta qualidade que desenvolve. É só lembrar de “Climas” (2006), “Era uma Vez em Anatólia” (2011), “Sono de Inverno” (2014) e “A Árvore dos Frutos Selvagens” (2018). Em ERVAS SECAS, personagens bem representativos aparecem.  Como um professor de cidade pequena, a escola onde atua, os alunos, os pais, os colegas e a burocracia, que dificultam uma existência mais livre e criativa.  Onde um erro pode pesar muito e as relações de poder podem se dar por coisas menores, comezinhas.  O ciúme, a maledicência, as simulações, correm soltos.  Uma mulher bonita e inteligente precisa vencer não só o machismo e os preconceitos de gênero como os das pessoas com alguma deficiência, que é o caso dela. Tanto naquilo que envolve a visão de mundo e as ideologias, quanto na manifestação humanística da aceitação, da compreensão e da solidariedade.  As coisas são difíceis.  Ao longo de mais de 3 horas brilhantemente conduzidas, o filme flui em consistência e beleza.  A sequência inicial nos remete à neve que se alastra no local, ocupa toda a tela, exceto por um transporte coletivo visto lá atrás e alguém que vem à frente, aos poucos, já dá toda a dimensão do filme.  Essa neve, esse branco, esse frio, representam as relações humanas que não florescem, não se aquecem, não se colorem.  Fora do inverno, vigoram as ervas descoloridas. Desprezíveis, desinteressantes, sem brilho.  E... secas.  Neste sentido, o filme é realística e simbolicamente pessimista.  A fotografia nos filmes de Ceylan é sempre um espetáculo à parte.  Os enquadramentos perfeitos e as paisagens turcas escolhidas são primorosos.  Na sessão a que assisti no Cine Itaú Augusta, sala 1, a qualidade da projeção, escurecida, prejudicou a fruição dessa fotografia.  Ainda assim, foi uma experiência muito gratificante.  197 minutos.

 


A canção Fallen Leaves dá nome e serve de inspiração ao filme FOLHAS DE OUTONO (Kuolleet Lehdet), da Finlândia.  A direção é do experiente e talentoso Aki Kaurismaki, que já teve filmes exibidos na Mostra em pelo menos 15 edições diferentes.  Ele e seu irmão Mika puseram a Finlândia no mapa do cinema.  Neste filme, como em tantos outros anteriores, os deserdados da sorte ocupam o primeiro plano.  São solitários, desajeitados, estranhos, invariavelmente há abuso de álcool, falta de dinheiro e de emprego decente.  No entanto, o clima não é dramático, é tragicômico.  A gente ri, tem pena, dá raiva da imbecilidade de alguém ou algo nos surpreende.  As múltiplas referências ao cinema e a filmes significativos para sua história fazem a alegria e a distração dos cinéfilos.  O humor e a leveza no trato das situações, muitas vezes dramáticas, dão o tom de FOLHAS DE OUTONO.  O clima de profunda estranheza e atitudes inusitadas é uma marca característica do cineasta.  A gente sai do cinema em alto astral.  81 minutos.

 


AFIRE (Roter Himmel), que poderá se chamar “Céu Vermelho”, “Em Chamas” ou algo similar, no Brasil, quando entrar no circuito comercial dos cinemas, depois da Mostra, é o novo e muito interessante trabalho do diretor alemão Christian Petzold.  O ponto de partida e referência ao que acontece com as pessoas é a queimada de florestas no calor e nos dias secos.  O fogo rodeia os jovens que estão convivendo numa casa de férias junto ao mar Báltico.  Um deles insiste em que está lá a trabalho, mas sua postura defensiva, sempre desconfiada e pouco sociável, não tem a ver com isso, mas com os sentimentos e desejos que florescem entre eles.  Dois outros se conhecem, se tornam amigos, se aproximam um do outro.  E uma jovem no meio deles parece equilibrar habilidades, razão e emoção.  Embora a juventude e a busca de felicidade deem o tom dos relacionamentos, eles parecem, na verdade, regidos pelo fogo e pela destruição.  Muito oportuna essa associação, num tempo em que as florestas, pequenas ou grandes, importam tanto.  Não só a Amazônia.  É um tempo em que as relações amorosas jovens ganham novos contornos, mais flexíveis e mutantes, embora flertem com o perigo e com a morte, em muitos aspectos.  Estamos em risco, nós e o planeta.  102 minutos.

 


O MAL NÃO EXISTE (Aku Wa Sonzai Shinai) é o novo filme de Ryusuke Hamaguchi, do Japão, que está na # 47 Mostra. Quem viu “Drive My Car”, um filme espetacular, e também “Roda do Destino”, sabe que se trata de um talento indiscutível de cineasta.  Daí ser imperativo conhecer seu novo filme. Só que O MAL NÃO EXISTE nos prega uma grande peça.  O filme é hermético, no sentido de incompreensível.  Não está nas imagens, nem nas falas, nem no inexistente nexo causal entre as sequências, o significado da obra. Cabe ao espectador desvendar a esfinge.  Enquanto isso, assiste-se a uma filmagem bonita, com belas locações, bons atores e tudo o mais. E vê-se muita maldade, ou intenções escusas, num filme que se chama O MAL NÃO EXISTE.  Como assim?  É só uma ironia ou ele seria uma representação, uma performance teatral? Ou ele está lá e a gente faz de conta que não vê? Poderíamos até fazer uma pesquisa sobre o que cada um achou que era, interpretou, complementou, inventou.  Quando algo não está claramente dado, a tendência é preenchermos as faltas com a nossa própria visão do mundo e das coisas.  Ou simplesmente abandonar o desafio e rejeitar o filme.  O problema é que ele é muito bem feito e está muito longe de ser uma bobagem qualquer.  106 minutos.

@mostrasp

 

 

 



terça-feira, 24 de outubro de 2023

CINEMATOGRAFIAS PERIFÉRICAS NA # 47 MOSTRA


Antonio Carlos Egypto

  


A situação proposta pelo filme do Quirguistão PRESENTE DE DEUS (Teniberdi) é bastante interessante e muito bem realizada.  Ele conta com um andamento previsível até um certo ponto, mas consegue ir além do esperado.  O que se passa no filme da diretora Asel Zhuraeva é que um casal de idosos, na faixa dos 80 anos, com a saúde já debilitada, vivendo num pequeno lugarejo, encontra um bebê de 6 meses deixado à porta da casa e tem de resolver o que fazer com isso.  Assumir e cuidar?  Entregar para a polícia?  Para o governo, por meio do Serviço Social?  Subornar autoridades para conseguir a adoção do bebê, legalmente inviável?  A trama vai por aí, num filme afetivo, terno até, com excelentes atores, que se comunica muito bem com o público.  Na sessão em que eu assisti, o filme recebeu aplausos ao final.  Isso tudo num filme sintético, de apenas 75 minutos.

 


UMA ESTRADA PARA UM VILAREJO (Gau ayeko bato), filme do diretor Nabin Subba, do Nepal, é uma pequena joia fílmica, que tem um fascinante ator mirim num bom elenco.  Tudo começa com a chegada do primeiro ônibus à localidade isolada até então.  A modernidade, a partir do ônibus, é saudada como grande avanço por parte das autoridades locais.  Agora será possível ir à cidade regularmente e conhecer as novidades do mundo moderno, como a coca-cola (com descarada propaganda do refrigerante no filme), os modernos celulares e as grandes e sofisticadas TVs atuais.  Se isso vai mexer nas necessidades dos adultos e da comunidade, imagine numa criança esperta e interessada em tudo.  Essa criação de necessidades, típica do capitalismo de consumo, vai criar uma nova dinâmica na família do tecelão Maila, pai do menino.  Mas vai mexer também nos costumes e tradições da aldeia e tudo começa a mudar.  Como o vínculo à aldeia versus ir ao estrangeiro.  Como o modo de trabalhar e sobreviver, com a necessidade de ganhar muito mais dinheiro para ter acesso aos bens tecnológicos da atualidade.  Um mundo que desmorona, se desorganiza, mas que, de algum modo, tenta equilibrar os novos apelos com a sua história.  Um filme que tem beleza, ritmo, e que estimula a reflexão do público.  105 minutos.

 


O filme de Camarões, MAMBAR PIERRETTE, de Rosine Mbakan, centra-se na figura que dá nome ao filme.  Mambar, costureira de prestígio na sua comunidade, a cidade de Douala, tenta viver com dignidade do seu ofício, numa realidade de pobreza, da qual ela faz parte.  É uma liderança junto a seus clientes, a quem ajuda de outras formas, como confidente e conselheira.  No entanto, tem de enfrentar enormes dificuldades quando é assaltada, um temporal inunda sua casa e oficina, entre outros infortúnios que fazem parte da rotina do lugar.  Quem tem um bom personagem como Mambar pode dispensar uma história, como é o caso aqui.  E o filme mantém o interesse.  93 minutos.

 


EXCURSÃO (Ekskurzija), da Bósnia-Herzegovina, indicado ao Oscar de filme internacional, da diretora Una Gunzak, nos remete à importância do trabalho de educação sexual nas escolas.  Num colégio de Sarajevo, uma adolescente do ensino fundamental conta, num jogo, que fez sexo com um garoto maior, do ensino médio.  Leva adiante a mentira, simulando ter ficado grávida.  Isso acaba criando um ruído e uma série de problemas, afetando o dia-a-dia da escola e uma excursão que está sendo planejada.  Aponta para o fato de que, no gênero feminino, a fama de ser experiente tem o efeito contrário à do masculino.  Se dá prestígio ao menino, tende a abalar a moral da menina.  No caso, agravado por uma mentira reiterada.  O filme não vai muito longe na discussão do tema, mas trata corretamente da questão, numa abordagem fílmica convencional. 93 minutos.

 


BEIJANDO O CHÃO ONDE VOCÊ PISOU (Hai Ou Lai Guo De Fong Jian), de Macau, dirigido por Hong Heng Fai, decepciona por excesso de pretensão, ao tratar de dois personagens do âmbito artístico.  Um escritor em crise e um ator que não alça o voo desejado convivem num apartamento, atraídos um pelo outro de formas distintas. Enquanto isso, a tela faz citações literárias, com música sofisticada, mas não chega a lugar nenhum.  94 minutos.

 


GAUGUIN E O CANAL (Gauguin y el Canal), filme do Panamá, dirigido pelo cineasta português Frank Spano, trata da estada do pintor francês Paul Gauguin (1848-1903) no Panamá, na época da construção do famoso Canal.  O momento é turbulento, ele enfrenta um julgamento, uma doença e uma dívida que o obriga a pintar uma grande tela.  Viveu os seus últimos dias entre a loucura e a sanidade.  O filme recorre às visões do inconsciente de Gauguin com as pessoas com quem ele convivia, de forma alegórica, trazendo uma grande intensidade às cenas. Essa parte da história de Gauguin, retratada no filme, é menos conhecida.  O que cria um interesse a mais para o espectador.  95 minutos.

 

@mostrasp



sábado, 21 de outubro de 2023

2 DOCS E 1 LIVRO NA # 47 MOSTRA

    Antonio Carlos Egypto

 

 


 SETE INVERNOS EM TEERÃ (Sieben Winter in Teheran).  Alemanha, 2023. Direção de Steffi Niederzoll.  Documentário. 97 min.

 

O fllme retrata o caso da jovem iraniana Reyhaneh Jabbari, que, aos 19 anos, esfaqueou e matou um médico, homem importante, que tentou estuprá-la.  Como ele vinha de uma família poderosa e profundamente religiosa, a tentativa seria uma marca ultrajante moralmente para a família.  Assim, seria preciso mostrar que a jovem havia mentido.  Num julgamento manipulado, decretou-se a pena de morte a ela.  A razão é a dívida de sangue que, na prática, equivale ao direito à vingança, olho por olho.  Neste caso, só o perdão da família do morto poderia salvá–la da execução.  O documentário detalha o processo, mostrando vídeos gravados secretamente pela família Jabbari, cartas dela da prisão e imagens dela e da família antes do crime, além de depoimentos da mãe, do pai, da irmã e de outras detentas.  Acompanha a repercussão internacional do caso.  Ela se tornou símbolo de resistência e dos direitos das mulheres, não só do Irã.  A produção é da Alemanha, onde vivem hoje a mãe e a irmã de Reyhaneh.  Regimes autoritários e de matriz religiosa tendem a justificar e produzir grandes injustiças, como se deu aqui.

 



RAZÕES AFRICANAS.  Brasil, 2023.  Direção de Jefferson Mello.  Documentário.  90 min.

 

Sabemos que a música é a maior e mais evidente contribuição da negritude à cultura mundial.  “Razões Africanas”, então, se ocupa de três manifestações musicais africanas que estão na base de uma vasta e variadíssima produção ao redor do mundo.  O blues, desenvolvido como música negra norte-americana, tem a ver com o jazz, é fator gerador da country music, do rock, dos spirituals.  Um pouco dessa história é explorado em depoimentos e “causos” que envolvem performances com vários instrumentistas ao piano, violão, gaita e outros mais.  A rumba nos remete à musicalidade negra de Cuba, que se espalhou da pequena ilha para o mundo, danças sensuais, tambores, muita festa e muita vida, são mostrados e explicados aí.  A percussão dos tambores, entre muitos outros instrumentos, está também na origem do jongo, do Rio de Janeiro, originário de Angola, com vínculos nos terreiros, parente do maracatu e do maxixe, que gerou o nosso ritmo nacional, o samba, e até hoje mostra sua força no hip hop, por exemplo.  Com filmagens também nos influenciadores originários, como não só Angola, mas o Congo e o Mali, podemos usufruir da música, da dança e das vestimentas maravilhosas que inspiram também nossas Escolas de Samba no Carnaval.  É triste constatar que grande parte de tudo isso se desenvolveu pela rica troca cultural que reuniu escravizados de vários pontos no Brasil, em Cuba ou nos Estados Unidos.  Da sobrevivência à resistência, das senzalas e quilombos, foi nascendo e se desenvolvendo uma cultura fulgurante, uma arte capaz de encantar a todos.  “Razões Africanas” é uma amostra disso.

 


LIVRO: A ARTE DA CRÍTICA

Luiz Zanin Oricchio, um dos mais importantes nomes da crítica de cinema da atualidade, ou melhor, dos últimos 30 anos de sua atividade no Estadão, lança livro novo: “A Arte da Crítica”, da Editora Letramento.  O lançamento será às 17 h do dia 26 de outubro, na Cinemateca Brasileira (Largo Sen. Raul Cardoso, 207, Vila Clementino, São Paulo), durante a # 47 Mostra.  Zanin busca responder, com uma escrita ao mesmo tempo leve e elaborada, questões fundamentais sobre o exercício da crítica.  O que é crítica de cinema?  Qual é a sua finalidade?  A que estilo de escrita deve pertencer?  O que é preciso para ser um crítico?  E mais.  Na oportunidade, haverá um bate-papo, após a sessão de autógrafos, com Luíz Zanin, José Geraldo Couto e Paulo Henrique Silva, mediado por Maria do Rosário Caetano.

 

@mostrasp

 

 

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

DESTAQUES DA # 47 MOSTRA

                      Antonio Carlos Egypto

 

 



ANATOMIA DE UMA QUEDA (Anatomie d’une chute).  França, 2023.  Direção: Justine Triet.  Elenco: Sandra Huller, Swann Arland, Milo Machado Graner, Antoine Reinartz.  150 min.

 

Filme de abertura desta Mostra 47, “Anatomia de uma Queda” vem com a chancela da Palma de Ouro no Festival de Cannes.  Em essência, trata-se de um filme de tribunal, que é onde ocorre a grande maioria das sequências.  E o assunto é esclarecimento de uma queda que resultou em morte.  Homicídio?  Suicídio? A investigação adentra a vida do casal Sandra e Samuel e de seu filho de 11 anos, que passou por um acidente aos 4 anos e deixou marcas profundas na relação do casal.  Essa relação sempre foi difícil, conturbada.  Sem escarafunchá-la, não se chegará a nada.  A questão é que a verdade, mesmo a factual, está sempre sujeita à subjetividade, aos sentimentos, aos desejos e às preferências.  O filme da já experiente diretora Justine Triet explora bem os meandros dessa relação e o contexto dessa morte.  Dela também fazem parte importante o garoto e seu cachorro.  Está menos preocupada em definir o caso do que em explorar seus meandros.  A narrativa é clássica, valendo-se de gravações de som e vídeos exibidas, para ir além do espaço formal do tribunal.   Por sinal, as formalidades conhecidas e esperadas acontecem bem pouco.  Como se já fosse possível uma conversa coloquial, com a participação dos envolvidos, réplica e tréplica de forma relativamente independente da acusação e da defesa.  Até a juíza é informal no modo de botar ordem na discussão.  Parece bem melhor assim do que aquilo a que estamos acostumados a ver, pelo menos nos filmes de tribunal.  Mas tem acontecido na prática, no século XXI, ao menos na França?  Não tenho notícia.  No fim das contas, um filme centrado muito mais nas questões psicológicas do que nas jurídicas, mas usando uma forma tradicional que o cinema já utilizou largamente.

 



LIÇÕES DE BLAGA (Blaga’s Lessons).  Bulgária, 2023.  Direção: Stephan Komandarev.  Elenco: Eli Skorcheva, Gerasin Georgiev, Rozalia Abgarian, Ivan Barnev.  114 min.


 Um grande destaque desta Mostra 47 para mim é o filme da Bulgária, “Lições de Blaga”, dirigido por Stephan Komandarev.  É o indicado para o Oscar de filme internacional pelo seu país.  Ele parte de algo bem conhecido dos nossos dias, os golpes por telefone que levam uma pessoa desavisada a crer que corre perigo e entrega senhas, cartões, joga dinheiro pela janela, etc..  Mesmo se tratando de alguém inteligente, letrado.  O método de criar pânico e exigir ação imediata acaba funcionando.  A pessoa crê que está se protegendo e entrega tudo aos bandidos.  Sendo uma senhora idosa, que acaba de ficar viúva e, embora professora de língua búlgara, dependente da gerência econômica do marido, as coisas podem se complicar muito.  Que empregos existem, na Bulgária ou aqui, para uma mulher de 70 anos de idade, que precise voltar a trabalhar?  Bem, alguma coisa pode existir, mas como pode-se imaginar, à margem da lei.  Algo como passar para o outro lado, viver como algoz ou colaborador, no lugar de vítima.  Questões éticas e comportamentais põem à prova a personagem central.  A forma como a trama é conduzida, com as questões muito bem amarradas e consistentemente encadeadas, revela um excelente roteiro.  Ao lado de uma interpretação muito convincente de Eli Skorcheva, uma grande atriz, que sustenta o filme do começo ao fim.  O final, aliás, é a coroação de uma evolução da situação muito feliz e reveladora das voltas que o mundo dá na cabeça das pessoas.

 

 

Abraccine lança livro sobre Inácio Araujo na Mostra de São Paulo

Publicado pelas Edições Sesc, “Inácio Araujo: Olhos Livres Para Ver” reúne textos do influente crítico de cinema e artigos que refletem  sobre sua trajetória profissional






A Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema lança o seu mais recente livro, “Inácio Araujo: Olhos Livres Para Ver”, durante a programação da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. No próximo dia 26 de outubro, às 15h, na Cinemateca Brasileira,  o público poderá adquirir a publicação e participar de uma sessão de autógrafos com o crítico de cinema Inácio Araujo e um dos organizadores do livro, Sérgio Alpendre. O evento contará ainda com um bate-papo entre ambos com mediação de Neusa Barbosa.



"Inácio Araujo: Olhos Livres Para Ver" é organizado por Sérgio Alpendre e Laura Loguercio Cánepa. O livro analisa a trajetória de quatro décadas do crítico de cinema, cineasta, escritor e professor, refletindo sobre o seu estilo de análise elegante e sintético, além de suas contribuições para o pensamento sobre o cinema brasileiro e a formação de novos críticos e espectadores. Ao mesmo tempo, a publicação é uma homenagem a Inácio, cuja influência perpassa diferentes gerações de leitores e cinéfilos.

 

@mostrasp



terça-feira, 17 de outubro de 2023

ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES

Antonio Carlos Egypto

 

 



ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES (Killers of the Flower Moon).  Estados Unidos, 2023.  Direção: Martin Scorsese.  Elenco: Leonardo DiCaprio, Robert De Niro, Lily Gladstone, Brendan Fraser, Jesse Plemons.  206 min.

 

Martin Scorsese tem novo filme na praça. E que filme!  Uma saga épica que pode ser considerada uma espécie de “E o Vento Levou” do século XXI.  Um filme grande na concepção, na temática, no elenco e na duração: 3 horas e meia de projeção.  Mas não se sente passar.  É uma história empolgante, cheia de camadas e situações diversas, personagens muito bem concebidos.  Torna-se um prazer acompanhar tudo o que acontece.  Surpreende, produz drama e suspense e se desdobra em muitas possibilidades.  Tudo muito bem engendrado na narrativa e, apesar da duração longa, sem excessos.  Não vale a pena contar muita coisa da trama, é melhor sorver a história devagar, como Scorsese nos permite, com ritmo, mas sem pirotecnias.

 

A base de “Assassinos da Lua das Flores” são fatos ocorridos por volta de 1920, em Oklahoma, nos Estados Unidos, com a nação indígena Osage, relatados em livro homônimo de David Grann, ponto de partida do filme.  Os nativos Osage compraram suas terras, seguindo uma visão norte-americana de valorização da terra. E, em função disso, se tornaram ricos, com a descoberta de petróleo abundante em seu espaço.  O ouro negro, assim chamado, trouxe consigo a intromissão dos brancos nesse território, manipulando, extorquindo, roubando o dinheiro dos indígenas de todas as formas possíveis e imagináveis.  É aí que entra William Hale (Robert de Niro), um fazendeiro lá estabelecido, que conquistou grande poder na região e junto à comunidade local.  Por consequência, vem à região em busca de êxito Ernest Burkhardt (Leonardo DiCaprio), seu ambicioso sobrinho.

 

Uma história de amor e interesse, um tanto improvável, ligará Ernest e Mollie (Lily Gladstone), uma bela indígena. Por trás disso, uma transmissão de herança é buscada.

 

A guerra pelo dinheiro a qualquer preço leva a um conjunto de assassinatos de indígenas, que comporão o corpo central da narrativa e deixarão a todos perplexos, indignados, preocupados com o ser humano, ao ponto em que ousamos chegar.


 



O crime, a maldade, o poder destruidor do dinheiro são motores das ações humanas, neste contexto e em muitos outros.  Entender o passo-a-passo desse processo e suas implicações é por onde o filme caminha, jogando luz nos fatos e ajudando a torná-los claros e compreensíveis.

 

Leonardo DiCaprio num grande papel tem um desempenho marcante, excepcional.  Digno de ser lembrado no Oscar.  Um papel complexo, em que amor, traição, maldade, ingenuidade, opressão e subserviência podem estar juntos na mesma figura, ao longo do tempo.  Robert De Niro, em outro excelente desempenho, exala poder, domínio, ambição, maldade, mas também dedicação, apoio, afeto e sagacidade.

 

A atriz Lily Gladstone é um destaque do filme, pela atuação sutil, segura, que nos detalha sentimentos e intenções em gestos e olhares absolutamente discretos, mas reveladores. Compõe uma mulher indígena notável, que tem orgulho de sua etnia e luta por ela, mas também está aberta ao novo e ao outro. Com tudo contando contra, ela consegue acreditar no amor como possibilidade real.  Mas tem tirocínio suficiente para enfrentar a dúvida de frente e também de buscar ajuda.

 

Enfim, onde as coisas não são esquemáticas, maniqueístas, nem também muito misteriosas, é o que chamamos de realidade o que salta aos olhos. O cinema de Scorsese nos remete a uma dimensão altamente reflexiva, enquanto nos envolve com uma trama bem contada, detalhe a detalhe, com drama, romance, suspense e aventura, o que faz do seu filme um ótimo entretenimento também.  Cinema de primeira qualidade.




domingo, 15 de outubro de 2023

PRIMEIROS FILMES DA # 47 MOSTRA

Antonio Carlos Egypto

 

 


-

Em função de sessões para a imprensa, já pude ver alguns filmes da 47ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e posso comentar.  Lembrar que a primeira semana da Mostra apresenta muitos filmes de novos diretores, aqueles que concorrem ao troféu Bandeira Paulista e que passa, pela clivagem do público.  Os mais votados serão submetidos ao júri.

                                                                                     

É curioso que os dois primeiros filmes de novos diretores a que assisti tratem de um tema similar: o abandono dos filhos pelos pais e mães.  Seria indicativo de uma tendência que preocupa os europeus, já que os dois filmes são europeus?

 

VADIO, filme português, de Simão Cayatte, nos põe em contato com dois personagens centrais.  André (Ruben Simões), um adolescente de 13 anos, abandonado abruptamente pelo pai, sem prévio aviso, numa instituição pública de menores da qual ele, naturalmente, foge.  Ele convive com a vizinha Sandra (Joana dos Santos), jovem mãe, educadora, que deixou para trás sua filha de 6 anos com a avó e não vai vê-la.  Ela desapareceu por um tempo da escola em que trabalha, inclusive. Trata-se, portanto, do encontro entre um filho abandonado pelo pai e uma mãe que abandonou sua filha.  Uma realização modesta, mas correta.  91 min.

 

ESTÁ CHOVENDO EM CASA (Il pleut dans la maison), filme belga dirigido por Paloma Sermon-Daï, mostra dois jovens, uma garota de 17 anos e seu irmão de 15, que vivem numa casa abandonada pela mãe, que some e não cuida deles, nem supre suas necessidades.  A goteira na casa é o mínimo.  Falta tudo o mais, além do afeto. Enquanto a menina se vira, trabalhando como faxineira, seu irmão faz pequenos furtos para ganhar algum dinheiro.  Quando a mãe reaparece, está bêbada, como de costume, e nada tem a dizer aos filhos.  Um bom trabalho que, se não chega a entusiasmar, nos envolve numa questão muito séria. 88 min.

 

O que estaria acontecendo às famílias?  Não são mais os filhos que querem fugir de casa, mas os pais e as mães?  Sintomático, não acham? 

 

Dinheiro Fácil

De diretores mais experientes vi outros dois filmes da Perspectiva Internacional da Mostra 47.  DINHEIRO FÁCIL (Dumb Money), filme estadunidense, de Craig Gillespie, australiano de origem.  O filme nos põe em contato com a realidade da manipulação do dinheiro nas Bolsas de Valores, dos mecanismos para fazer fortuna, que, na incrível história real contada, jovens conseguiram enorme sucesso e o tal dinheiro fácil, contrariando fatores de mercado e fazendo  Wall Street contra-atacar. Não dá para entender tudo que se tenta explicar na trama do filme, sem estar familiarizado com o tal “mercado”.  E o filme, embora bem realizado, não tem muito pique, não consegue empolgar.  105 min.

 

Quem também ficou longe de entusiasmar, na verdade me entediou, foi o filme japonês RODAS E EIXO (Shajiku), dirigido por Jumpei Matsumoto, baseado em livro de George Bataille.  Pretensioso, busca algum tipo de reflexão sobre os caminhos do sexo e do prazer, passando por garotos de programa para chegar a um ménage a trois, supostamente libertador.  Falta ritmo e luz a esse filme (ou será que a cópia que foi exibida é que estava escura demais?).  Não recomendo, mas se quiserem experimentar...  120 min.

 

O que recomendo com entusiasmo é que incluam algum filme do mestre Michelangelo Antonioni dentre os 23 que estão na retrospectiva dedicada à sua obra.  Ver ou rever filmes de Antonioni é sempre algo gratificante, esplendoroso.  Não se iludam com a tal fama da incomunicabilidade, tema de sua trilogia.  Comunicação é o seu forte.  Cinema que faz muita falta.  Deixou saudade.  Sua viúva e colaboradora, Enrica Fico Antonioni, faz parte do júri desta Mostra 47.

@mostrasp