segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Sempre ao Seu Lado

Tatiana Babadobulos

Filmes sobre a convivência com cachorros há aos montes no cinema, basta lembrar de "Lassie", "Beethoven", do recente "Marley & Eu", e assim por diante. A história real de "Sempre ao Seu Lado" ("Hachiko: A Dog's Story") aconteceu na década de 1930, no Japão. Esta é a segunda adaptação da narrativa que se passa integralmente do outro lado do mundo, nos Estados Unidos. A primeira versão, "Hachiko Monogatari" (de 1987), é japonesa e foi sucesso de bilheteria. Agora, quem dirige a fita estrelada por Richard Gere é o sueco Lasse Hallström (o mesmo de "Chocolate").

Hachiko, ou Hachi, como é chamado pelo dono, significa o número 8, equilíbrio entre o céu e a terra, mas é também o nome do cachorro da raça akita que é adotado na estação de trem por Parker (Gere), um professor universitário que faz o mesmo caminho entre sua casa e a estação todo santo dia. Seu fiel cachorro o acompanha pela manhã, retorna para casa e, no horário em que ele volta, lá está ele pontualmente à sua espera, pronto para levá-lo para casa, haja chuva, sol ou neve.

Durante os dias em que Hachi vai ao encontro do dono, faz amizade com as pessoas em volta, com o bilheteiro, com o maquinista, com o vendedor de cachorro-quente. E sempre leva um pouco de comida durante sua passagem em frente a um restaurante. Nesses passeios, a câmera de Hallström mostra o ponto de vista do cachorro, que vai descobrindo coisas novas.

"Sempre ao Seu Lado" é uma história sobre o relacionamento familiar, sobre lealdade e cuidado dos animais, sobre convivência. Trata-se de uma narrativa simples (e um pouco repetitiva em alguns momentos, mas justificável), que se passa basicamente dentro da casa onde vive o personagem de Gere e a estação de trem onde ele encontra o cão diariamente. Contudo, é minuciosamente bem elaborada, principalmente para não cair no sentimentalismo exagerado, uma vez que a história, por si só, já é emocionante o suficiente para mexer com o espectador. Um dos pontos altos da fita (que eu não vou contar) mostra que a forte ligação entre o cão e o seu dono está além de qualquer outra influência (e porque muitas coisas se justificam).

"Sempre ao Seu Lado" é uma história real, cuja repercussão no Japão rendeu a Hashiko três estátuas de bronze, sendo uma delas na "Saída Hachi", na Estação de Trem de Shibuya, em Tóquio. Richard Gere faz o papel de um personagem emotivo, que se envolve com o cão facilmente, e o adota para não deixá-lo sozinho, mesmo a contragosto da esposa, vivida por Joan Allen.

A história do cão e seu dono rendeu matérias nos jornais da época, fazendo com que Hashiko se tornasse o centro das atenções no Japão. A primeira estátua foi erguida em abril de 1934 e o cão morreu em 8 de março do ano seguinte, mas sua história não foi esquecida nem após a Segunda Guerra Mundial, já que, em 1948, a Sociedade para Recriar a Estátua de Hachiko encarregou Takeshi Ando, filho do artista original que havia então morrido, a fazer uma segunda estátua, erguida em agosto daquele ano.

Vá ao cinema (sem o seu cachorro), mas leve consigo lenço de papel. Se algumas lágrimas escorrerem, não se acanhe. É natural que isso aconteça e tenho certeza que você não será o único.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

VÍCIO FRENÉTICO




Antonio Carlos Egypto



VÍCIO FRENÉTICO (Bad Lieutenant: Port Of Call New Orleans).Estados Unidos,2009. Direção: Werner Herzog. Com Nicolas Cage, Eva Mendes, Val Kilmer e Jennifer Coolidge. 121 min.

Werner Herzog é um dos grandes diretores do chamado novo cinema alemão, ao lado de Rainer Werner Fasbinder, Volker Schlondorff e Wim Wenders. Fez filmes notáveis que ficaram para a história do cinema e que merecem ser vistos e revistos, como “Aguirre, a cólera dos deuses” (1972), “O enigma de Kaspar Hauser” (1974), “Fitzcarraldo” (1982) ou “O meu melhor inimigo” (1999). Quem viu esses ou outros filmes do diretor e conhece o seu trabalho não pode ser indiferente a um novo filme do realizador.

Este novo trabalho, de 2009, é “Vício Frenético”, filme policial, produção hollywoodiana, que tem como protagonista um detetive impulsivo, o que se demonstra já no início, quando ele pula na água suja, todo vestido, para resgatar um bandido. Além de impulsivo, ele é também autoritário, arrogante e onipotente, do gênero que paira sobre a própria lei, que ele deveria garantir e respeitar, e para quem nada vai acontecer. Só que ele adquiriu fortes dores que exigem uso de analgésicos constantemente. Por outro lado, ele passa a vida em contato com traficantes, drogas e tudo o que gira em torno disso, como roubos, agressões, assassinatos.

A linha que separa o homem da lei do transgressor é tênue e o policial, vivido por Nicolas Cage, transita o tempo todo pelos dois lados. Drogas psicoativas podem ser poderosos analgésicos. Extorsão, chantagem, intimidação e prostituição são coisas habituais na rotina policial. Juntar esses elementos, explorar os conflitos, colocar ação no drama com belos enquadramentos e movimentos de câmera é conseguir, é claro, um bom divertimento cinematográfico.

Mas quem é mesmo o diretor? Werner Herzog? Aquele mesmo que sempre buscou entender e questionar o inusitado, aquilo que desafia a compreensão, o que incomoda? Um cineasta que fez da reflexão a razão de ser do seu cinema se dedica a um projeto como esse? Estranho, para dizer o mínimo.

É evidente que o policial em questão, também vivendo no fio da navalha, nos coloca a situação dos limites humanos, até onde se pode ir, que domínio se pode ter das coisas e de si mesmo. E ainda que as circunstâncias da vida possam favorecer o personagem, ele afunda no lodo, como o bandido da cena inicial, até poder sair dele, e não exatamente por seus méritos. Condecorações podem ser uma piada, por que levá-las a sério? Isso também está no filme. Mas é muito pouco para um cineasta do porte de Herzog.

“Vício Frenético” é muito mais Hollywood que Herzog, como que atualizando a crença de que a indústria norte-americana do cinema é capaz de enquadrar qualquer talento. Até Ingmar Bergman se deu mal quando trabalhou por lá. Felini sobreviveu intacto, sendo oscarizado e reverenciado pelo cinema americano. Almodóvar também, pelo menos até agora. Melhor para eles.

De qualquer modo, quem for ver “Vício Frenético”, sem buscar comparações com outros filmes de Herzog, vai se divertir e se colocar algumas questões. Já é alguma coisa.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A Princesa e o Sapo

Tatiana Babadobulos

Faz mais de 70 anos que Walt Disney mostrou ao mundo o que poderia fazer em termos de animação no cinema, quando lançou "Branca de Neve e os Sete Anões". Isso porque este foi o primeiro longa-metragem de animação. Feito do modo tradicional, ou seja, à mão (2-D), o filme conquistou espectadores e fãs que seguiram o mestre e se apaixonaram por seu trabalho.

Em 1994, porém, outro estúdio, a Pixar, fez uma revolução no quesito animação quando lançou "Toy Story", o primeiro longa de animação realizado totalmente por computador. De lá para cá, não apenas a Pixar, mas também outros estúdios se aperfeiçoaram e lançaram diversos filmes usando a mesma técnica 3-D. Já a tradicional, essa foi esquecida nas grandes produções.

Na sexta-feira, 11, contudo, estreia a mais nova produção do Estúdio Walt Disney Animation: "A Princesa e o Sapo" ("The Princess and the Frog"), longa feito do modo tradicional, ambientado na cidade de Nova Orleans, nos Estados Unidos, considerada a meca do jazz. Daí o motivo de o filme ser um musical, tal como "A Bela e a Fera" e "Aladdin".

Na fita, Tiana (com voz de Kacau Gomes, na versão brasileira) é filha de uma costureira que não sonha em se casar, mas sim em ter seu próprio restaurante, já que sabe cozinhar desde pequena. Quando cresce, vai trabalhar em um restaurante, e depois de beijar um sapo, que se diz príncipe, também se transforma em um anfíbio. Na cidade, o verdadeiro príncipe Naveen (com voz de Rodrigo Lombardi), do reino da Maldonia, procura uma noiva e acaba encontrando uma moça que estava apenas fantasiada de princesa e não consegue voltar a ser hu-mano.

Os dois sapos, portanto, vão procurar ajuda no pântano da Louisiana e ambos encontram muitas outras coisas, como os amigos vaga-lume e o crocodilo que toca sax.

O começo é convencional. O filme inicia enquanto uma moça lê contos de fadas a duas crianças, das quais uma delas, Charlotte, uma menina loira, mimada e rica, só pensa em se casar com um príncipe para se tornar princesa. A outra, porém, é a negra Tiana, batalhadora, tal como o pai, e desde criança guarda o desenho de como será o restaurante com o qual sempre sonhou.

Criado por John Musker e Ron Clements (de "A Pequena Sereia"), o musical (com canções de Randy Newman, de "Toy Story") mostra ao espectador muito jazz e passos de sapateado. Trata-se, então, de uma versão contemporânea de uma fábula clássica (com inspiração muito clara em "O Sapo Príncipe", dos irmãos Grimm). A versão é adaptada para os dias atuais, com personagens mais reais e próximos à nossa realidade, como a garota negra que vive a protagonista, que tem os pés no chão, e o príncipe que chega sem dinheiro nenhum a Nova Orleans.

O produtor executivo John Lasseter, diretor de filmes da Pixar (estúdio que foi comprado pela Disney em 2006), afirma no material de divulgação para a imprensa que se pudesse pôr em prática uma única lição aprendida com o Walt para levar o Walt Disney Animation Studios ao futuro, seria fazer uso da riqueza do seu passado. "A lendária forma de contar suas histórias, seus personagens de sucesso, sua exuberância musical – tudo isso é uma parte essencial do nosso mais novo projeto de animação feito à mão".

A fita, que tem acabamento impecável, com riqueza de detalhes e é muito bem-feita, discute dinheiro, casamento, objetivo na vida, trabalho. A luta do bem contra o mal também está presente e o lado negro é proposto pelo dr. Facilier, um mago que pede ajuda a almas do outro mundo para se dar bem. Como não podia deixar de estar lá, a lição de moral, típica dos filmes da Disney, se apresenta antes do final, principalmente com a ajuda da feiticeira Mama Odie, que mostra o valor das pequenas coisas. O filme, dedicado às crianças, mostra tudo, não deixa nada subjetivo. Bom para os pequenos, chato para os adultos.

O bom humor do roteiro, porém, é um dos destaques nos quais os adultos vão se animar em assistir à produção que está sendo feita desde 2006. Os diálogos atuais são outro ponto forte. E para finalizar, mais um clichê, afinal, todos vivem felizes para sempre.

Por ser musical, o 49o filme de animação da Disney entedia um pouco, mas não chega a ser um problema, principalmente porque combina com a história e não a torna arrastada. Pelo contrário. O bom humor e a trilha sonora fazem com que os quase 100 minutos de projeção sejam bastante rápidos e emocionantes.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Abraços Partidos

Tatiana Babadobulos

Diretor espanhol Pedro Almodóvar nunca faz um filme para ficar indiferente sobre algum assunto. Basta dar uma rápida olhada em sua filmografia e estão lá as discussões sobre sexualidade, traição, viciados em drogas, as artes plásticas, o teatro, o cinema, a questão feminista, o mundo gay e por aí vai, lembrando da transgressão (oposição radical ao franquismo). E nesta lista poderiam ser vistos filmes como "Tudo Sobre Minha Mãe", "Ata-me", "Carne Trêmula", "Má Educação" e o mais recente "Volver".

Mais uma vez ele faz um filme dentro do filme. Em "Abraços Partidos" ("Los Abrazos Rotos"), estreia desta sexta-feira, 4 de novembro, o diretor reúne uma de suas atrizes favoritas, Penélope Cruz, em seu quarto trabalho em conjunto. Aqui ela é Lena, uma aspirante a atriz que começa a fazer o filme "Garotas e Malas" (em uma declarada inspiração em "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos") encomendado por seu marido, Ernesto Martel (José Luis Gómez), ao cineasta Mateo (Lluís Homar). No entanto, os dois se apaixonam e fogem para uma cidade praiana.

Nos primeiros 15 minutos da trama, Almodóvar já mostra a que veio: há cena de sexo casual e, de forma não linear, começa a contar como o cineasta, que agora se chama Harry Caine, ficou cego e por que começa a se lembrar do passado assim que fica sabendo da morte de Martel.
No momento, porém, Caine é autor de roteiros de cinema e conta com a ajuda de Judit (Blanca Portillo) e de seu filho Diego (Tamar Novas) para vender e escrever seus textos. E mais um filho tem influência sobre a trama. Isso porque Martel pede a seu filho (Rubén Ochandiano) que fique de olho na esposa. Ao mesmo tempo das filmagens, o rapaz grava o making of. E esse vídeo é um dos momentos do clímax da película de Almodóvar.

A fita é a que mais tem metalinguagem em sua filmografia, uma vez que o tempo todo vai contando como costumava filmar com Lena e as filmagens em si, além de toda a montagem efetuada anos depois. Como seu personagem diz, "as películas precisam ser terminadas, ainda que às cegas".

Usando cores fortes, como é sua característica, Almodóvar escolhe para filmar principalmente dentro da casa de Mateo e da casa de Lena. Entre as idas e vindas do roteiro, o diretor abusa das metáforas e homenageia o cinema quando faz a cena da escada (tal como fez Henry Hathaway em "Beijo da Morte", por exemplo), quando Lena se maquia e fica parecida com as musas Marilyn Monroe e com Audrey Hepburn. Sem contar com a cena do filme "Viagem à Itália", de Rossellini, que passa na televisão do casal.

"Abraços Partidos" tem bom humor, mas é um drama familiar, cheio de traição, ganância, poder e é um típico filme noir, uma vez que reúne o trio de amantes, dos quais um deles é poderoso, violento e inescrupuloso, além da cena da escada, tragédia etc. Feito por um dos diretores mais consagrados do cinema mundial, o longa-metragem vale a pena ser visto e apreciado. E com certeza você não sairá indiferente do cinema, pois Pedro Almodóvar é perturbador o bastante para deixar qualquer espectador intacto após assistir a um filme seu.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

UM LONGA = X CURTAS

Antonio Carlos Egypto


Um longa metragem que se compõe de muitos curtas de conceituados diretores de cinema dos mais diversificados países do mundo: esta é uma fórmula utilizada por vários filmes lançados nos últimos anos.

“11 de Setembro”, por exemplo, reuniu onze diretores importantes do mundo, como Amos Gitai, de Israel; Youssef Chahine, do Egito; Claude Lelouch, da França; Danis Tavonic, da Eslovênia; Ken Loach, da Inglaterra; Alejandro G. Iñarritu, do México; Idrissa Oedragogo, de Burkina Fasso; Mira Nair, da Índia; Shohei Imamura, do Japão; Samira Makhmalbaf, do Irã; e Sean Penn, dos Estados Unidos, para realizar, em onze minutos, filmes sobre os atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova York.

O filme, realizado em 2003, é muito interessante de se ver, porque mostra o mundo pensando e vendo à distância aquela tragédia americana. Houve até quem se lembrasse do 11 de setembro chileno, marcado pela queda do presidente Salvador Allende, em 1973. Algumas visões surpreendem, outras são muito criativas. O resultado, embora desigual, como sempre acontece em projetos assim, é compensador.

Experiência semelhante foi realizada por Leon Cakof, organizador da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, quando pediu aos diretores de todo o mundo, que vieram à Mostra de 2003, para que realizassem curtas sobre a cidade de São Paulo, em busca de olhares estrangeiros sobre ela. O resultado é “Bem-vindo a São Paulo”, filme de 2004, que tem a participação de diretores como a portuguesa Maria de Medeiros, o finlandês Mika Kaurismaki, o malaio Tsai Ming-Liang, o alemão Wolfgang Becker, entre outros. E que inclui, ainda, o próprio Leon Cakof, Renata de Almeida, Daniela Thomas e Caetano Veloso, do Brasil. Como são dezoito filmes, a fragmentação é maior e a irregularidade, também. Mas não deixa de ser interessante e curioso conhecer o olhar alheio sobre a nossa querida cidade.

Em 2006, foi a vez de “Paris, te amo”, deliciosa junção de homenagens amorosas à cidade que sempre simbolizou o amor, com direito a críticas ao tradicional mau-humor dos parisienses. Houve espaço, também, para a questão social, mostrando uma trabalhadora que deixa filhos para trás, na periferia da cidade, para poder cuidar dos filhos de endinheirados que vivem na região central de Paris. É o curta de Walter Salles e Daniela Thomas, que merece destaque. Assim como o de Gus Van Saint, o dos irmãos Cohen e o de Gurinder Chadha, entre outros. O conjunto é leve e agradável, apesar da inevitável irregularidade.

Em 2007, para comemorar 60 anos do Festival de Cannes, um time imenso de conceituados diretores de todas as partes fez pequenos curtas sobre a experiência de ver filmes no cinema: “Cada um com seu cinema”. Quase todos os grandes diretores da atualidade marcam presença, dos irmãos Dardenne, David Cronemberg e Manoel de Oliveira a Abbas Kiarostami, Nanni Moretti, Roman Polanski, Zhang Ymou e Theo Angelopoulos, passando por quase todos os que participaram dos filmes anteriores (Walter Salles incluído). São tantos que nem dá para citá-los sem aborrecer o leitor. Claro que há de tudo: episódios criativos, ideias que se perdem, agressividade exagerada, coisas muito engraçadas. E a toda hora muda a cena. Os cinéfilos, certamente, curtem e há sempre algo a apreciar. Aliás, essa é uma constante nesse tipo de filme.

Essas películas já passaram no cinema, mas podem ser encontradas facilmente em DVD. Há dois novos produtos desse gênero nos cinemas.


“Nova York, te amo”, de 2009, retoma a proposta de homenagear a cidade, assim como se fez com Paris. Dessa vez, há menos diretores em ação e também são menos famosos, o que acabou permitindo uma integração melhor dos curtas, contos de amor que se relacionam entre si, de alguma forma. Por outro lado, dessa vez ignora-se totalmente a destruição das Torres Gêmeas no atentado de 11 de setembro de 2001. Uma declaração de amor a Nova York deveria omitir esta marca tão traumática e recente da cidade? Não soa um tanto artificial essa escolha? Foi meramente acidental, não foi uma escolha? Enfim, o filme funciona e é um passatempo agradável, com direito a episódios do turco-alemão Fatih Akin, da indiana Mira Nair, da israelense-americana Natalie Portman, do chinês Jiang Wen, do paquistanês Shekhar Kapur, do japonês Shunji Iwai, do israelense Yvan Attal, além de quatro diretores norte-americanos.

“Tokyo!”, de 2009, embora tenha como mote a capital japonesa, se diferencia um pouco dos produtos anteriores, ao se compor apenas de três histórias, o que dá mais de trinta minutos para cada uma. Ultrapassam, portanto, a metragem de qualquer um dos outros filmes de curtas, se aproximando da média metragem. Lembra os famosos filmes em episódios do grande cinema italiano dos anos 1950 e 1960, seja na expressão clássica do neorrealismo, seja nas comédias populares, cheias de malícia e deliciosamente atraentes. Só que em “Tokyo!” o clima é outro. Os franceses Michel Gondry e Leos Carax e o sul-coreano Bong Joon-Ho buscam ângulos e situações inusitadas para falar de Tóquio.

Gondry começa por nos mostrar ambientes tão minúsculos de moradia que chegam a sufocar as pessoas, quem sabe para acentuar o problema do espaço em megacidades, como Tóquio. Mas acaba contando uma história de um jovem casal de namorados querendo se ajustar, na cidade e na vida, e vai se fixar no ser mutante da namorada, que se transforma periodicamente num convencional objeto doméstico. Mas ninguém pode se surpreender com as estranhezas de Michel Gondry, são sua marca registrada.

Leos Carax, de volta ao cinema depois de um bom tempo, se inspira nos monstros verdes para tratar de uma figura que vive nos esgotos de Tóquio e sai para assustar e agredir as pessoas, não se entende com ninguém, até encontrar um interlocutor. E faz uma parábola do terrorismo urbano, sem esquecer a incomunicabilidade e a diversidade.
O episódio de Bong Joon-Ho trata de um rapaz que é “hikikomori” há dez anos, ou seja, uma pessoa que vive totalmente isolada dentro de sua casa e que não sai jamais. Solidão, isolamento, uma casa que supre necessidades, só complementadas por coisas que chegam do “exterior”, via telefone (poderia ser on line, também), parecem ser signos da contemporaneidade das grandes cidades. Só mesmo a possibilidade de amar para tirar as pessoas de suas casas e, assim mesmo, com grande dificuldade.

Como se vê, é um filme que reflete questões importantes da atualidade. A maior metragem acabou dando maior possibilidade de exploração dos temas. Seja como for, os filmes de longa metragem que se compõem de curtas estão em evidência, sobretudo os que se referem às cidades importantes do globo. Devem vir muitos mais por aí.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

CIDADÃO BOILESEN

Antonio Carlos Egypto


CIDADÃO BOILESEN. Brasil, 2009. Direção: Chaim Litewski. Documentário. 92 min.


Certamente a grande maioria da população brasileira, incluindo os que viveram nos anos de chumbo da ditadura militar, nunca ouviu falar de Henning Albert Boilesen, nascido em 1916, dinamarquês naturalizado brasileiro, empresário muito bem sucedido, que chegou a presidente da Ultragás (ou do grupo Ultra) e foi assassinado por militantes da luta armada, em 1971. Figura polêmica, usou de sua liderança para criar o eficiente CIE-E (Centro de Integração Empresa-Escola) e foi o mais notório dos financiadores da terrível OBAN, a Operação Bandeirantes.

A instituição da OBAN que podia tudo, prender, torturar, desaparecer com pessoas, foi possível quando se deu o golpe dentro do golpe, com o Ato Institucional nº 5 e o estado de direito sucumbiu à força. Para que isso fosse possível, era preciso não só militares e políticos de direita dominando o poder, mas também apoio da sociedade civil e, especialmente, muito dinheiro para financiar o aparato militar. É aí, principalmente, que entra, de forma relevante, o senhor Boilesen.

Ele usou de sua liderança para levantar fundos para a OBAN e conseguiu o apoio do empresariado para a causa do combate à subversão e ao terrorismo, como eram chamados os opositores do regime e aquela parte da esquerda que se aventurou pela luta armada. As ligações entre o mundo empresarial daquele período e o governo militar com seu aparato repressor aparecem cristalinas no documentário de Chaim Litewski, por meio do tal cidadão Boilesen. E muitas outras revelações vão aparecendo, sem estardalhaço, mas são muito significativas.

Esse é o maior mérito do filme: mostrar que tudo está aí, basta querer ver. Documentos de época, depoimentos de pessoas que conheceram ou conviveram com Boilesen, personagens dessa história recente do Brasil refletindo sobre o que se passou, tudo isso forma um painel sem dúvida revelador de uma realidade que permaneceu escondida sob a forte censura de seu tempo. E que a anistia, e a democracia que se conquistou a seguir, acharam por bem não ficar mexendo na ferida. Seja como for, a história tem de ser contada, deve nos ajudar a construir caminhos democráticos cada vez mais sólidos, em que os direitos humanos e a diversidade têm de ser cultivados como valores universais. O cinema cumpre seu papel quando contribui para isso.

Quanto à inspiração do título “Cidadão Boilesen”, que obviamente remete ao famoso “Cidadão Kane”, de Orson Welles, os pontos de contato são poucos. Litewski realmente mostra os dois lados da figura de Boilesen, mas quem viu o filme se lembrará de que um dos lados prevalece pela força de seu significado. Kane é um personagem multifacetado, seu mistério, simbolizado em Rosebud, nos indaga se é possível captar a essência de um homem. Por onde quer que olhemos, ele tem várias faces e significados, embora seu caráter autoritário perpasse toda a sua trajetória. É no uso inventivo da linguagem cinematográfica que Orson Welles transforma “Cidadão Kane” na genialidade que é.

As pretensões do documentário “Cidadão Boilesen” são bem mais modestas e o próprio personagem retratado, muito menos complexo ou enigmático que Kane. A comparação não se aplica aqui. “Cidadão Boilesen” tem sua importância para a história recente do Brasil e é um filme digno e respeitável. É o que basta.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

500 Dias com Ela


Tatiana Babadobulos

O título original de “500 Dias com Ela” é “(500) Days of Summer”. Summer, no caso, não significa verão. Trata-se do nome da protagonista, vivida por Zooey Deschanel (de “Ponte para Terabítia”). E embora seja uma típica comédia romântica, a fita foi rotulada de cool (típico dos orçamentos pequenos – a produção custou 7,5 milhões de dólares) e foge do convencional. Aliás, o narrador, logo no início, já conta que não se trata de uma história de amor.

Isso porque o arquiteto Tom (Joseph Gordon-Levitt, de “GI Joe”) ganha a vida escrevendo frases para serem inseridas em cartões comemorativos. Quando conhece Summer na empresa onde trabalha, mostra que é, de fato, um rapaz piegas, que acredita no amor. E ela, para contrariar o comportamento típico das mulheres, não pensa em namorar, casar etc., pois acha tudo uma bobagem.

O que os une, porém, é o gosto musical. A trilha sonora do filme, vale destacar, é um capítulo a parte, com o som de The Smiths, o principal motivo das conversas entre os dois protagonistas. Entre os hits, “There Is A Light That Never Goes Out”, “Please, Please, Please, Let Me Get What I Want”. Uma sequência que lembra a de um típico musical (com coreografia no meio da rua e tudo) pode ter boa intenção, mas quebra o ritmo e faz o espectador perceber que está assistindo a um filme.

Esta é a primeira produção de longa-metragem que Marc Webb dirige. No entanto, durante as filmagens de “Juno”, Webb colaborou de perto com Eric Steelberg, diretor de fotografia das duas produções. E muitas semelhanças não terão sido mera coincidência, portanto.

Para fugir do tradicional, o diretor conta uma história diferente de modo não-linear, pois, apesar de se prender à contagem dos 500 dias, faz idas e vindas no tempo, contrasta o humor das personagens, sempre mostrando o motivo pelo qual eles têm para ter determinada atitude, principalmente na luta entre o amor e a indiferença.

“500 Dias com Ela” pode parecer um típico filme voltado para as meninas, que são tradicionalmente mais românticas. Porém, embora não se trate de um rapaz convencional, o público masculino pode se divertir também, curtir a trilha sonora e rir, uma vez que o bom humor está presente em boa parte da produção.