Antonio Carlos Egypto
Aí vão quatro destaques, de grandes diretores, da perspectiva internacional, que estão na # 47 Mostra.
ERVAS
SECAS (Kuru Otlar Üstüne), da Turquia, tem direção de
Nuri Bilge Ceylan. O cineasta é muito
respeitado, admirado pelos cinéfilos pelo trabalho de alta qualidade que
desenvolve. É só lembrar de “Climas” (2006), “Era uma Vez em Anatólia” (2011),
“Sono de Inverno” (2014) e “A Árvore dos Frutos Selvagens” (2018). Em ERVAS SECAS,
personagens bem representativos aparecem.
Como um professor de cidade pequena, a escola onde atua, os alunos, os
pais, os colegas e a burocracia, que dificultam uma existência mais livre e
criativa. Onde um erro pode pesar muito e
as relações de poder podem se dar por coisas menores, comezinhas. O ciúme, a maledicência, as simulações,
correm soltos. Uma mulher bonita e
inteligente precisa vencer não só o machismo e os preconceitos de gênero como
os das pessoas com alguma deficiência, que é o caso dela. Tanto naquilo que
envolve a visão de mundo e as ideologias, quanto na manifestação humanística da
aceitação, da compreensão e da solidariedade.
As coisas são difíceis. Ao longo
de mais de 3 horas brilhantemente conduzidas, o filme flui em consistência e
beleza. A sequência inicial nos remete à
neve que se alastra no local, ocupa toda a tela, exceto por um transporte
coletivo visto lá atrás e alguém que vem à frente, aos poucos, já dá toda a
dimensão do filme. Essa neve, esse
branco, esse frio, representam as relações humanas que não florescem, não se
aquecem, não se colorem. Fora do
inverno, vigoram as ervas descoloridas. Desprezíveis, desinteressantes, sem
brilho. E... secas. Neste sentido, o filme é realística e
simbolicamente pessimista. A fotografia
nos filmes de Ceylan é sempre um espetáculo à parte. Os enquadramentos perfeitos e as paisagens turcas
escolhidas são primorosos. Na sessão a
que assisti no Cine Itaú Augusta, sala 1, a qualidade da projeção, escurecida,
prejudicou a fruição dessa fotografia.
Ainda assim, foi uma experiência muito gratificante. 197 minutos.
A
canção Fallen Leaves dá nome e serve de inspiração ao filme FOLHAS DE
OUTONO (Kuolleet Lehdet), da Finlândia. A direção é do experiente e talentoso Aki
Kaurismaki, que já teve filmes exibidos na Mostra em pelo menos 15 edições
diferentes. Ele e seu irmão Mika puseram
a Finlândia no mapa do cinema. Neste
filme, como em tantos outros anteriores, os deserdados da sorte ocupam o
primeiro plano. São solitários, desajeitados,
estranhos, invariavelmente há abuso de álcool, falta de dinheiro e de emprego
decente. No entanto, o clima não é
dramático, é tragicômico. A gente ri,
tem pena, dá raiva da imbecilidade de alguém ou algo nos surpreende. As múltiplas referências ao cinema e a filmes
significativos para sua história fazem a alegria e a distração dos
cinéfilos. O humor e a leveza no trato
das situações, muitas vezes dramáticas, dão o tom de FOLHAS DE OUTONO. O clima de profunda estranheza e atitudes
inusitadas é uma marca característica do cineasta. A gente sai do cinema em alto astral. 81 minutos.
AFIRE (Roter
Himmel), que poderá se chamar “Céu Vermelho”, “Em Chamas” ou algo
similar, no Brasil, quando entrar no circuito comercial dos cinemas, depois da
Mostra, é o novo e muito interessante trabalho do diretor alemão Christian
Petzold. O ponto de partida e referência
ao que acontece com as pessoas é a queimada de florestas no calor e nos dias
secos. O fogo rodeia os jovens que estão
convivendo numa casa de férias junto ao mar Báltico. Um deles insiste em que está lá a trabalho,
mas sua postura defensiva, sempre desconfiada e pouco sociável, não tem a ver
com isso, mas com os sentimentos e desejos que florescem entre eles. Dois outros se conhecem, se tornam amigos, se
aproximam um do outro. E uma jovem no
meio deles parece equilibrar habilidades, razão e emoção. Embora a juventude e a busca de felicidade
deem o tom dos relacionamentos, eles parecem, na verdade, regidos pelo fogo e
pela destruição. Muito oportuna essa
associação, num tempo em que as florestas, pequenas ou grandes, importam
tanto. Não só a Amazônia. É um tempo em que as relações amorosas jovens
ganham novos contornos, mais flexíveis e mutantes, embora flertem com o perigo
e com a morte, em muitos aspectos.
Estamos em risco, nós e o planeta.
102 minutos.
O MAL
NÃO EXISTE (Aku Wa Sonzai Shinai) é o
novo filme de Ryusuke Hamaguchi, do Japão, que está na # 47 Mostra. Quem viu
“Drive My Car”, um filme espetacular, e também “Roda do Destino”, sabe que se
trata de um talento indiscutível de cineasta.
Daí ser imperativo conhecer seu novo filme. Só que O MAL NÃO EXISTE
nos prega uma grande peça. O filme é
hermético, no sentido de incompreensível.
Não está nas imagens, nem nas falas, nem no inexistente nexo causal
entre as sequências, o significado da obra. Cabe ao espectador desvendar a
esfinge. Enquanto isso, assiste-se a uma
filmagem bonita, com belas locações, bons atores e tudo o mais. E vê-se muita
maldade, ou intenções escusas, num filme que se chama O MAL NÃO EXISTE. Como assim? É só uma ironia ou ele seria uma
representação, uma performance teatral? Ou ele está lá e a gente faz de
conta que não vê? Poderíamos até fazer uma pesquisa sobre o que cada um achou
que era, interpretou, complementou, inventou.
Quando algo não está claramente dado, a tendência é preenchermos as
faltas com a nossa própria visão do mundo e das coisas. Ou simplesmente abandonar o desafio e
rejeitar o filme. O problema é que ele é
muito bem feito e está muito longe de ser uma bobagem qualquer. 106 minutos.
@mostrasp
Muito interessante os filmes que você nos mostrou.
ResponderExcluirObrigada,
Áurea Laguna