terça-feira, 24 de outubro de 2023

CINEMATOGRAFIAS PERIFÉRICAS NA # 47 MOSTRA


Antonio Carlos Egypto

  


A situação proposta pelo filme do Quirguistão PRESENTE DE DEUS (Teniberdi) é bastante interessante e muito bem realizada.  Ele conta com um andamento previsível até um certo ponto, mas consegue ir além do esperado.  O que se passa no filme da diretora Asel Zhuraeva é que um casal de idosos, na faixa dos 80 anos, com a saúde já debilitada, vivendo num pequeno lugarejo, encontra um bebê de 6 meses deixado à porta da casa e tem de resolver o que fazer com isso.  Assumir e cuidar?  Entregar para a polícia?  Para o governo, por meio do Serviço Social?  Subornar autoridades para conseguir a adoção do bebê, legalmente inviável?  A trama vai por aí, num filme afetivo, terno até, com excelentes atores, que se comunica muito bem com o público.  Na sessão em que eu assisti, o filme recebeu aplausos ao final.  Isso tudo num filme sintético, de apenas 75 minutos.

 


UMA ESTRADA PARA UM VILAREJO (Gau ayeko bato), filme do diretor Nabin Subba, do Nepal, é uma pequena joia fílmica, que tem um fascinante ator mirim num bom elenco.  Tudo começa com a chegada do primeiro ônibus à localidade isolada até então.  A modernidade, a partir do ônibus, é saudada como grande avanço por parte das autoridades locais.  Agora será possível ir à cidade regularmente e conhecer as novidades do mundo moderno, como a coca-cola (com descarada propaganda do refrigerante no filme), os modernos celulares e as grandes e sofisticadas TVs atuais.  Se isso vai mexer nas necessidades dos adultos e da comunidade, imagine numa criança esperta e interessada em tudo.  Essa criação de necessidades, típica do capitalismo de consumo, vai criar uma nova dinâmica na família do tecelão Maila, pai do menino.  Mas vai mexer também nos costumes e tradições da aldeia e tudo começa a mudar.  Como o vínculo à aldeia versus ir ao estrangeiro.  Como o modo de trabalhar e sobreviver, com a necessidade de ganhar muito mais dinheiro para ter acesso aos bens tecnológicos da atualidade.  Um mundo que desmorona, se desorganiza, mas que, de algum modo, tenta equilibrar os novos apelos com a sua história.  Um filme que tem beleza, ritmo, e que estimula a reflexão do público.  105 minutos.

 


O filme de Camarões, MAMBAR PIERRETTE, de Rosine Mbakan, centra-se na figura que dá nome ao filme.  Mambar, costureira de prestígio na sua comunidade, a cidade de Douala, tenta viver com dignidade do seu ofício, numa realidade de pobreza, da qual ela faz parte.  É uma liderança junto a seus clientes, a quem ajuda de outras formas, como confidente e conselheira.  No entanto, tem de enfrentar enormes dificuldades quando é assaltada, um temporal inunda sua casa e oficina, entre outros infortúnios que fazem parte da rotina do lugar.  Quem tem um bom personagem como Mambar pode dispensar uma história, como é o caso aqui.  E o filme mantém o interesse.  93 minutos.

 


EXCURSÃO (Ekskurzija), da Bósnia-Herzegovina, indicado ao Oscar de filme internacional, da diretora Una Gunzak, nos remete à importância do trabalho de educação sexual nas escolas.  Num colégio de Sarajevo, uma adolescente do ensino fundamental conta, num jogo, que fez sexo com um garoto maior, do ensino médio.  Leva adiante a mentira, simulando ter ficado grávida.  Isso acaba criando um ruído e uma série de problemas, afetando o dia-a-dia da escola e uma excursão que está sendo planejada.  Aponta para o fato de que, no gênero feminino, a fama de ser experiente tem o efeito contrário à do masculino.  Se dá prestígio ao menino, tende a abalar a moral da menina.  No caso, agravado por uma mentira reiterada.  O filme não vai muito longe na discussão do tema, mas trata corretamente da questão, numa abordagem fílmica convencional. 93 minutos.

 


BEIJANDO O CHÃO ONDE VOCÊ PISOU (Hai Ou Lai Guo De Fong Jian), de Macau, dirigido por Hong Heng Fai, decepciona por excesso de pretensão, ao tratar de dois personagens do âmbito artístico.  Um escritor em crise e um ator que não alça o voo desejado convivem num apartamento, atraídos um pelo outro de formas distintas. Enquanto isso, a tela faz citações literárias, com música sofisticada, mas não chega a lugar nenhum.  94 minutos.

 


GAUGUIN E O CANAL (Gauguin y el Canal), filme do Panamá, dirigido pelo cineasta português Frank Spano, trata da estada do pintor francês Paul Gauguin (1848-1903) no Panamá, na época da construção do famoso Canal.  O momento é turbulento, ele enfrenta um julgamento, uma doença e uma dívida que o obriga a pintar uma grande tela.  Viveu os seus últimos dias entre a loucura e a sanidade.  O filme recorre às visões do inconsciente de Gauguin com as pessoas com quem ele convivia, de forma alegórica, trazendo uma grande intensidade às cenas. Essa parte da história de Gauguin, retratada no filme, é menos conhecida.  O que cria um interesse a mais para o espectador.  95 minutos.

 

@mostrasp



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