domingo, 25 de outubro de 2020

5 FILMES DA #44 MOSTRA

Antonio Carlos Egypto

 

 

NOVA ORDEM

NOVA ORDEM, o filme do mexicano Michel Franco, aponta para o grande problema da desigualdade social, do abismo entre as classes e da dificuldade de ascensão social como fatores de disrupção.  Simbolizados num casamento em uma mansão de luxo, frequentada pela elite mexicana, que é atacado e inviabilizado pela invasão de grupos populares em revolta, apoiados pelos próprios empregados da casa.  Essa ação não se restringe ao evento, ela está em toda a cidade, como se vê logo no início do filme, com o colapso do sistema de saúde, gerado pelos feridos de uma guerra civil em andamento.  Mas o que resultará dessa revolta?  Segundo a narrativa de “Nova Ordem”, ela servirá para legitimar um golpe de Estado militar que, por sua vez, dará origem a um sistema opressor muito pior do que o que existia antes.  As chamadas classes populares serão ainda mais reprimidas e sofrerão as consequências de um processo econômico que tutela e destrói empregos, meios de subsistência e sob um domínio político do tipo fascista, sem contestação possível.  A violência se manifesta de todas as formas, em todas as partes, desde o início, aliás, também por parte dos revoltosos oprimidos.  Uma concepção do tipo violência gera mais violência e ainda mais opressão e a resistência alimenta seus algozes, lembrando o que aconteceu no Brasil com a luta armada de resistência à ditadura, que serviu de justificativa para o AI 5 e o endurecimento do regime.  Isso tudo pode indicar que não há saídas reais ou que elas são virtualmente impraticáveis ou impossíveis.  O que seria de um pessimismo atroz, paralisante e destruidor de utopias.  Mas é importante refletir sobre os caminhos, porque frequentemente podemos produzir o contrário do que buscávamos com ações irrefletidas ou impulsivas.  Se isso acontece no plano pessoal, se torna muito mais grave no contexto social e político. O filme tem sequências fortes e violência, mas não se compraz em explorar isso comercialmente.  É até moderado no uso dessa violência, necessária de ser mostrada, em função do que se quer expor, revelar e provocar reflexões.  88 minutos.

 

SIBÉRIA, do diretor estadunidense Abel Ferrara, é um daqueles filmes em que a viagem interior do personagem central é o que importa e não o que possa estar acontecendo com ele em cada sequência que observamos.  O personagem Clint, interpretado por Willem Dafoe, vive isolado numa casa nas montanhas, eventualmente frequentada por viajantes e nativos que nem sequer falam a sua língua.  Grande parte do que se diz, ou dos diálogos, não tem tradução, são incompreensíveis e não importam. No presente, o que se comunica são gestos e ações.  O que vamos acompanhar, por meio de um visual requintado, embora muito escuro em boa parte do filme, é a sua relação com o passado, a infância, os pais, os medos, os sonhos, memórias e delírios apresentados sem qualquer intenção de compreensão lógica ou organizada.  A narrativa é fragmentada, estranha, lúdica até, pedindo do espectador envolvimento com as sensações e com o caráter plástico das imagens.  Belas panorâmicas de neve, mas também de sol e luz, funcionam como contraponto a interiores um tanto lúgubres e elementos aterrorizantes que compõem o cotidiano, também tedioso, da figura retratada. É muito bom cinema, mas exige disposição do espectador de embarcar numa rota um tanto desconhecida, aguardando o que pode surgir daí.  92 minutos.

 


MISS MARX


MISS MARX, da diretora italiana Susanna Nicchiarelli, segue uma narrativa clássica para abordar uma personagem de época: Eleanor Marx, a filha mais nova de Karl Marx.  Como o pai revolucionário, ela, segundo o filme, foi uma feminista nas ideias e na prática.  Nas ideias, ao vincular a questão das mulheres à dos proletários, buscando as convergências e a complementariedade entre socialismo e feminismo.  Na prática, ao viver rompendo com as regras tradicionais, sendo uma mulher forte, decisiva e sem medo de experimentar relações amorosas fora dos ditames do casamento e da família tradicional.  Claro que é uma personagem construída com o olhar feminista de hoje, não do fim do século XIX.  As questões mostradas, sim, se referem à época, como o voto feminino, por exemplo.  A compreensão das situações e o modo de agir são, porém, mais modernos.  Tanto que o final trágico de Eleanor casa pouco com a narrativa desenvolvida ao longo da projeção, no meu modo de ver.  Bem, de qualquer modo, é inevitável que vejamos as figuras do passado com o nosso olhar de hoje.  108 minutos.

 

O documentário CORONATION, do multiartista chinês Ai WeiWei, já traz a Covid-19 para o cinema.  Entramos em contato com a realidade da doença em Wuhan, o primeiro centro difusor da pandemia, por meio de imagens captadas por seus moradores, no período de lockdown da cidade, iniciado em janeiro de 2020.  Grande parte do que o filme trata foi fartamente mostrado também nos nossos telejornais.  No caso chinês, por um lado, vê-se uma atuação intensa e eficiente de gerir a pandemia no que se refere a hospitais de campanha, respiradores, equipamentos de proteção aos profissionais de saúde, uso precoce de máscaras, amplas equipes mobilizadas para enfrentar a questão.  Por outro, o filme mostra que o Estado chinês omitiu informações fundamentais sobre a transmissão do novo Coronavírus. Em busca de notícias positivas, não querendo alarmar a população, impediu que ela soubesse da gravidade da doença e perseguiu quem descumpriu essas regras oficiais.  E o que essa omissão e proibição produziram de efeitos na vida dos familiares envolvidos e na própria expansão da doença para fora da China.  Essa é uma questão política em aberto, que está sendo muito explorada na eleição norte-americana, na discussão das vacinas no Brasil e em outras partes, de acordo com os interesses do momento e não propriamente da ciência ou em função de, realmente, superar essa pandemia.  115 minutos.

 

Outro pequeno filme chinês que também trata da Covid-19 é o curta de 5 minutos, A VISITA, de Jia Zhang-ke.  Aqui é do incômodo das regras sanitárias, a que estamos todos sujeitos, que se trata.  Depois de medir a temperatura, em lugar do aperto de mão, o toque com o cotovelo, o rosto coberto que atrapalha a visão, a fala, a bebida.  E o que se serve hoje em dia é álcool gel.  Enfim, esse jeito estranho de viver, que praticamos atualmente.

 @mostrasp




 

Nenhum comentário:

Postar um comentário