Antonio Carlos Egypto
A 44ª Mostra Internacional de Cinema
de São Paulo, que está ocorrendo on line em
www.mostra.org, tem também filmes de animação. No caso, animação para adultos, em que cabem
as manifestações sexuais, de hostilidade, a violência, visões críticas do
mundo, da política, de personagens históricos.
Enfim, cabe até uma certa erudição.
Pelo menos, no caso dos dois filmes de animação a que eu assisti nesta
Mostra de 2020.
O primeiro deles já define isso desde
o próprio título, MATE-O E DEIXE ESTA
CIDADE, embora não se trate de uma história policial ou de suspense. Mas de superar um mundo de memórias e perdas,
da construção de uma cidade imaginária, em que os que se foram continuam por
lá. Trata-se de poder encarar o mundo
real, ou seja, matar o mundo imaginário para dar lugar a uma nova dimensão das
coisas.
O filme é polonês, do diretor Mariuz
Wilczyüski, que se vale da criatividade para mesclar imagens, sem preocupação
em ser esteticamente bonito, a maior parte do tempo, nem de guardar proporção
entre as coisas. Uma cabeça na água pode ser bem maior do que o navio que anda
pela mesma água. Claro, a imaginação
está na nossa cabeça.
Como estamos falando de memória,
ilusão, fantasia, a narrativa optou pela fragmentação de situações e
ideias. A cidade e o bonde que circula
nela são bem mais bonitos do que as figuras humanas que aparecem. A humanidade não anda muito bem na visão do
criador desta animação. E que há um
grande mal-estar no mundo parece um recado evidente do filme. O resultado é bem interessante. 88 minutos.
O outro filme de animação é bem mais
sofisticado e elaborado do que o anterior.
É o russo O NARIZ OU A CONSPIRAÇÃO
DOS DISSIDENTES, de Andrey Khrzhanovsky.
Valendo-se de uma profusão de recursos, que incluem diversos tipos de
desenhos, fotos, vídeos, ilustrações, filmagens com atores e um escore musical
sensacional, ele nos leva ao conto “O Nariz”, de Nikolai Gogol (1809-1852), que
foi publicado em 1836. O mesmo conto foi
retomado por Dimitri Shostakovich (1906-1975) e virou uma ópera, que está no
filme.
A história do nariz que some do rosto
de um oficial importante e passa a ter uma vida independente do seu dono leva
às peripécias para encontrá-lo, à confusão do barbeiro bêbado que o teria
decepado e, enfim, à volta ao rosto original.
E porque tudo isso teria sucedido.
O filme recheia essa história com
citações de grandes personagens da arte e literatura russas. Além de mostrar a
própria criação acontecendo e como teria se dado no passado. E por conta de
Shostakovich adentra no reino do terror de Josef Stalin (1878-1953), na União
Soviética, que resultou em fuzilamentos em massa de “dissidentes” culturais e
políticos.
O herói da Segunda Guerra é também o
opressor sanguinário e ridículo nessa animação, em que o medo que ele produzia
levava ao “consenso” de suas próprias ideias e ao desmaio dos colaboradores
diante de suas ordens. A opressão, à
esquerda ou à direita, é sempre um bom mote para o humor libertário. Um filme de animação muito mais denso e
abrangente do que eu poderia esperar. Talvez porque a ideia de animação ainda
siga fortemente associada ao mundo infantil.
89 minutos.
@mostrasp
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