domingo, 7 de junho de 2020

EM QUARENTENA

Antonio Carlos Egypto





O cinema saiu de cena.  E eu também.  Dei um tempo para vocês.  Não foi intencional, nem planejado.  Aliás, nada do que vivemos no momento foi intencional ou planejado.  O aleatório, o inesperado, faz parte da nossa vida muito mais do que gostaríamos de admitir.  Alguns preferem criar a fantasia do vírus concebido em laboratório pelos chineses.  Negam a irracionalidade do mundo, o inconsciente, a destruição do planeta, a própria doença.  Como se pudéssemos manejar tudo.  Fazemos escolhas, como Teich.  Exatamente por não termos domínio da situação.

Quando foi imperioso ficar em casa, com meus mais de 70 anos e com minha esposa alguns anos mais velha, ficou muito incômodo permanecer no apartamento, com um prédio em construção bem ao lado.  A solução era óbvia.  Mudar por uns tempos (quantos, nunca se sabe) para a nossa casa de veraneio em Águas de São Pedro.  Quando a compramos, há 20 anos, a ideia era, quem sabe, ficar por lá, quando batesse a velhice.  Nessa hora em que a gente quer mais sossego do que agitação e o corpo já não obedece à mente.  Essa hora ainda não chegou, quero crer.  Mas o estigma do vírus que ataca preferencialmente os idosos pesa.



Lá temos o privilégio de usufruir de uma casa gostosa, confortável, bem arejada e solar, com varandas e vista para um lago.  O que eu poderia desejar mais do que isso, durante uma pandemia, em que o programa é ficar em casa?

Permaneci por lá nos últimos 70 dias, usufruindo de tudo isso, mas tive de voltar agora, por conta da declaração do imposto de renda, que deixamos para trás.  Pretendo voltar em seguida, porque para nós o isolamento social permanece indicado.  Ou melhor, indispensável. 




Só que lá não disponho da mesma tecnologia que está à disposição em São Paulo.  Não tenho wi-fi nem TV a cabo.  Internet, só pelo smartphone, com limitações.  A TV aberta, jornais e sites, garantem as notícias (cada vez mais absurdas e assustadoras).  CDs e DVDs dão conta das músicas e filmes preferidos.  Tem também os livros.  Ver filmes inteiros pelo celular ou digitar textos por lá, nem pensar.  É preciso ser telegráfico.  Nas mensagens, nos textos, nos vídeos para assistir.  E quem  precisa de tanto estímulo?  Como já dizia Caetano Veloso, em “Alegria, Alegria”, em 1967/68, quem lê tanta notícia?

Tenho recebido por e-mail, via celular, muitas informações sobre lançamentos de filmes em streaming, ofertas de filmes gratuitos on line, mas não é apropriado para o meu atual momento ou possibilidade.  O coronavírus me fez parar.  Eu posso fazer isso e acho que tem seu valor esse encontro comigo mesmo e essa reflexão sobre o que nos espera.  Nessa hora, não estou preocupado em ser produtivo ou estar atualizado.  Tudo tem seu tempo.




Penso nos trabalhadores da área da cultura e nos trabalhadores em geral, para quem o desafio desse período está sendo devastador e, claro, temo pelo futuro de todos nós e da cultura, no país.  Da escalada de mortes que assola o Brasil, nem se fala.  Se alguém que me lê agora perdeu parente ou amigo nessa pandemia, aceite meus sentimentos.  Isso não aconteceu comigo.  Pessoas próximas sofreram com a doença, inclusive um morador aqui do nosso prédio, que se recupera após longo período hospitalar, com entubação, hemodiálise e tudo o mais.  Espero que sobrevivamos.  Cuidem-se.  E, se puderem, fiquem em casa.




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