quarta-feira, 18 de março de 2020

CINEMA E CRISE

Antonio Carlos Egypto



Estou aqui falando de cinema já há um bom tempo.  Praticamente 12 anos de forma ininterrupta, postando, pelo menos, uma matéria crítica toda semana.  Mas, com frequência, essa média cresce e só tenho suspendido as postagens por ocasião de alguma viagem mais longa.  Faço isso por paixão.  Cinema sempre foi a minha paixão, desde pequeno.  Aquela tela grande que concentra a atenção das pessoas, aquela sala escura que destaca o filme, aquele som impactante, aquela atmosfera toda sempre me fascinou.  E ainda me fascina.  É insubstituível.




É bom ver um filme em casa, quando os equipamentos contribuem para aproximar essa experiência à do cinema.  Definitivamente, porém, não é a mesma coisa.

Arte de verdade implica mergulho na experiência, entrega, concentração, crítica e reflexão.  Não é fácil obter isso.  O próprio cinema, pode-se dizer, acaba estando muito mais a serviço do entretenimento do que da arte.  Se isso acontece na sala de cinema, imagine em casa, onde tudo tende a favorecer a dispersão.  Da circulação de pessoas e animais domésticos ao onipresente celular e suas notificações ás interrupções para comer e ir ao banheiro, que acabam sendo mais frequentes, ou à luminosidade pouco adequada à fruição cinematográfica, tudo contribui para que a experiência seja bem distinta da do cinema.   Não importa quão genial seja o filme visto em casa.     Não há “8 ½” de Fellini que consiga sair ileso.

Se criadas as condições apropriadas, em horário mais tranquilo, talvez tarde da noite, pode ser muito interessante descobrir alguns filmes, rever outros, conferir uns de menor importância.  Ou centrar-se na trama em si, mais do que no clima do filme, na sua criatividade, na expressividade de sua linguagem.  As séries, quero crer, se prestam bastante a esse papel.  Principalmente, quando consumidas com o excesso que muitos apregoam fazer.

O avanço tecnológico possibilitou a multiplicação de plataformas, mas não prejudicou o cinema.  Ao contrário, popularizou os filmes ainda mais.  Democratizou o acesso, talvez acentuando o caráter de entretenimento mais descomprometido e o espírito do descartável, em oposição ao produto cultural de maior relevância.  Mas isso faz parte do jogo.  E já se veem serviços de streaming, VOD e lançamentos atuais em DVD mais preocupados com a história do cinema e com filmes artisticamente mais elaborados.

De qualquer modo, o cinema nunca vai morrer, as salas de cinema não vão acabar.  Pelo menos nas cidades maiores, a opção sempre estará lá.

Nos últimos anos, com a evolução tecnológica, o processo de fazer filmes e também o de distribuí-los e exibi-los tornou-se mais fácil e acessível.  A produção tem crescido, para todos os gostos.  Em São Paulo, têm sido lançados no circuito comercial dos cinemas em torno de 400 filmes por ano, mais do que os 365 dias do calendário.  E nessa conta não entram os festivais, as mostras especiais e retrospectivas.  O volume do que chega aos cinemas é muito maior.´




De repente, aquela certeza de que o cinema sempre estará lá e com novidades permanentes é atropelada por um novo coronavírus, que acaba produzindo o que parecia impossível imaginar.  Retém as pessoas em casa, fecha as salas de cinema, paralisa a produção, impede a distribuição.  Nesta semana em São Paulo, quase todos os cinemas fecharam as portas, nenhum lançamento aconteceu, todos foram adiados para um futuro ainda incerto.  E o que estava em andamento parou.  Hollywood inteira, pelo que informam.  Dá para conceber isso?  Como ficará o cinema brasileiro depois dessa crise?  Os efeitos de tudo isso na cadeia econômica devem ser imensos.  Muito triste de imaginar.

Bem, claro que não foi só o cinema ou a cultura em geral que parou.  Parece que tudo parou, a terra parou, indicando que muita coisa vai ter de mudar, daqui para a frente.  No funcionamento da vida, na relação com o meio ambiente, nas relações econômicas de produção e consumo, até no modo de ser da globalização.  Não creio que isso possa ser visto apenas como um fenômeno passageiro.  As consequências são sérias, a crise é grave.  Talvez seja a oportunidade para que a humanidade possa construir uma existência mais sustentável, a partir da compreensão e análise das vulnerabilidades globais que se apresentam.  E que sempre haja espaço para que o cinema possa nos encantar.  Sem a arte, a vida perde a graça e o sentido.





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