sábado, 12 de setembro de 2020

CINEMA...EM CASA (1)

Antonio Carlos Egypto

 

Não bastaram as guerras, o consumismo desenfreado, as emergências climáticas cada vez mais intensas e frequentes, as crises econômicas por todo canto, os excessos que marcam o nosso mundo contemporâneo, para frear a ação humana deletéria sobre o planeta.  Foi preciso um vírus atacar e fragilizar cada um para nos fazer parar e nos mostrar que estamos num caminho inviável, insustentável.  Diante do  pare ou morra,  tivemos que parar.  E o ano 2020 praticamente desapareceu do calendário.  Antes de desejar  Feliz 2021  para vocês, vou lhes contar um pouco sobre o que restou para mim do cinema, confinado em casa.

 

Como me afastei de São Paulo e já não tenho mesmo o hábito de curtir  streaming, tratei de garantir uma boa programação noturna, por meio do DVD, que sempre foi a minha forma preferida de ver filmes fora do cinema.  Geralmente, porque dá acesso a títulos mais antigos ou menos conhecidos de cineastas ou filmografias de diferentes regiões do globo.  Mas também porque curto ter a mídia física comigo, para dispor dela a qualquer hora.  Além de ter uma atração por colecionar os grandes momentos da história do cinema ou grandes descobertas modernas. 

 

Fiz uma seleção dos filmes em DVD que já tinha e queria conhecer ou rever, comprei algumas novas coleções e levei para o meu isolamento em Águas de São Pedro.  Espero que acabem servindo como sugestão em tempos que permanecem restritos à livre circulação e aglomeração.  Mesmo que os cinemas reabram logo, é inevitável que muitos de nós, os mais velhos, ou os mais vulneráveis, não queiramos ainda frequentá-los durante um tempo.

 

Sei que uma solução  retrô  se revelou eficiente em várias partes: o cinema  drive-in.  O do Belas Artes em São Paulo, no Memorial da América Latina, pelo que soube, estava um sucesso.  Como solução temporária, muito legal, mas não supre a necessidade do convívio, do contato humano, da troca, nem da novidade compartilhada por muitos. Compreensivelmente, se dirige mais à saudade dos grandes espetáculos em tela grande, dos sucessos do cinema.  Mas foi uma iniciativa bem interessante e criativa.  Parece nos dizer, também, que há que se voltar num tempo e revisar hábitos, inevitavelmente. 

 

Alain Resnais

Um dos cineastas que elegi para me acompanhar no isolamento foi o francês Alain Resnais (1922-2014).  Um dos grandes criadores do cinema, Resnais se destaca por ser inovador da forma e da narrativa.  Ele embaralha o tempo, confunde a ficção com a realidade, personaliza o coletivo, separa radicalmente a música da ação, explora o inusitado do amor e do relacionamento, sob todos os ângulos possíveis.  Bem, isso e muito mais.  Para começo de conversa, ele tira o espectador da zona de conforto e quebra expectativas com um talento admirável com a câmera.

 

Resnais tem obras absolutamente geniais incorporadas à história do cinema, como “Hiroshima, Mon Amour” (1959), “O Ano Passado em Marienbad” (1961) e o documentário “Noite e Neblina” (1956).  Indispensáveis.

 

Aliás, foi porque incluía “Noite e Neblina” na caixa é que eu fui logo atrás de “O Cinema de Alain Resnais”, recém-lançado pela Versátil Home Vídeo, que reúne 6 filmes restaurados do diretor.  Alguns bastante experimentais ou estranhos, mas sempre bonitos, bem-humorados e surpreendentes.  Lá está “Meu Tio da América” (1980), um estudo biológico-comportamental da espécie humana e sua relação com o ambiente, explicitada por meio de três personagens.  Original é pouco. 

 


E que tal “Muriel” (1963), em que a personagem que dá nome e algum sentido ao filme nunca aparece? E a guerra da Argélia é onipresente, mas nunca mostrada? “A Vida é Um Romance” (1983) trata de uma utopia da felicidade nos anos 1910, a busca da sociedade ideal, por meio também de três histórias que se cruzam.

 

“Morrer de Amor” (1984) é um ensaio sobre paixão e morte, onde literalmente se morre de paixão.  Tem até volta à vida.  Bem interessante e provocador.  Completa a caixa “Melô” (1986), que é, naturalmente, um melodrama lascado, adaptado de uma peça de Henri Bernstein.

 

Só para lembrar, “Noite e Neblina” é um impressionante trabalho realizado em apenas 33 minutos sobre os campos de concentração da Segunda Guerra Mundial, opondo o vazio daquele momento aos horrores vividos naqueles espaços de extermínio.  Impressionante e definitivo relato, recheado de material de arquivo, realizado poucos anos após o fim do conflito.




Esses foram os filmes de Alain Resnais que vi na chamada quarentena (interminável).  Mas gosto imensamente de outros filmes dele, como “Providence” (1977), “Medos Privados em Lugares Públicos” (2006), “Ervas Daninhas” (2009) e seus últimos trabalhos “Vocês Ainda Não Viram Nada” (2011) e “Amar, Beber e Cantar” (2014).  Há críticas de muitos desses trabalhos aqui no blog.

 

Nesses muito longos dias de isolamento social, pude ver muitas outras coisas, das quais espero reportar no  cinema com recheio  em datas próximas.  Comecei por Alain Resnais porque acho fundamental conhecer essa obra cinematográfica tão única e, por todos os títulos, brilhante.

 

Vou tentar fazer uma pequena série de textos englobando outros diretores, gêneros ou temas.  E postar enquanto eu permanecer em São Paulo, já que essa pandemia parece nunca ter fim.


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