quinta-feira, 26 de julho de 2018

ALGUMA COISA ASSIM



Antonio Carlos Egypto




ALGUMA COISA ASSIM.  Brasil, 2017.  Direção e roteiro: Esmir Filho e Mariana Bastos.  Com Caroline Abras, André Antunes, Clemens Schick, Juliane Elting.  Participações de Lígia Cortez e Vera Holtz.  80 min.


“Alguma Coisa Assim” é um longa brasileiro, com coprodução alemã, que retoma os personagens de um curta homônimo, premiado em Cannes em 2006.  Os realizadores, o ator e a atriz protagonistas, são os mesmos, a trama incorpora a história original e a amplia, para ser experimentada dez anos depois.

Essas explicações não importam muito, são apenas referências para situar o trabalho.  O que conta é o resultado do longa atual, independentemente da sua história passada.  Eu não vi o curta e não senti nenhuma falta de vê-lo.

“Alguma Coisa Assim” é um filme moderno na forma e nas questões temáticas que propõe.  A partir das baladas das casas noturnas da rua Augusta e seu clima transgressivo e colorido, o neón invade a tela, mesmo constatando que a cidade mudou e os jovens estão diferentes.  A história dos dois personagens, Mari (Caroline Abas) e Caio (André Antunes) vai ser retomada em outro contexto urbano, também aberto a experimentações: a vibrante e pulsante cidade de Berlim.  Os jovens estão em busca de algo novo.  O que poderia ser isso?  Basicamente, a ideia de um viver sem rótulos, para além das convenções sociais.

O que significa namorar hoje?  E a amizade que chamávamos de colorida?  Que tal o casamento, em especial, o casamento gay?  Como se define hoje a família, com suas novas formas?  Como se pode entender a sexualidade, em suas múltiplas e plásticas formas?  E os gêneros?  Os cisgêneros e os transgêneros?  Os relacionamentos afetivos e amorosos contemporâneos jovens desafiam convenções e tentativas de enquadrá-los.  Rejeitam e superam os rótulos.




Por que queremos tanto classificar, enquadrar, rotular as coisas?  Em princípio, isso seria preciso para tentar entendê-las.  Mas quase nunca ajuda nos relacionamentos humanos.  Porque, por trás disso, está a noção do controle social e da busca de impor uma visão conservadora do mundo aos jovens e à sociedade como um todo.

“Alguma Coisa Assim” é um jeito mais livre de ser, de experimentar, de arriscar, de viver.  Também com muitas frustrações e incompreensões.  Mas isso é do jogo, está sempre presente.  São personagens se descobrindo, se redescobrindo, percebendo-se mutantes, em transformação constante.

Um filme que vem em boa hora para o nosso Brasil, que anda para trás em tanta coisa, em que os fundamentalistas querem brecar os avanços conquistados nos costumes, atacando a questão de gênero, a diversidade sexual, as novas famílias, o feminismo e o direito mais amplo ao aborto.  No caso do aborto, “Alguma Coisa Assim” é de uma clareza e de uma honestidade que merecem aplausos.  Não faz qualquer proselitismo, mas toca no ponto.  Todo o clima do filme respira uma modernidade digna e bonita.  Esmir Filho e Mariana Bastos fizeram um belo trabalho.




Os atores Caroline Abras e André Antunes vestem a camisa dos personagens com muita sinceridade e força.  Estão muito convincentes.  Caroline já na estrada como atriz, se saindo muito bem e sendo premiada.  André, tentando sair da profissão de ator, abraçando a psicologia como profissão, mas sem conseguir fugir do personagem que começou a interpretar dez anos antes.  Que tal acumular as duas coisas?  Destaque também para a trilha musical de Lucas Santana e Fábio Pinczowskit.

O que eu sei é que está mais do que na hora de alguma coisa assim poder se afirmar na vida das pessoas.  Menos rótulos, mais autenticidade. Isso me faz lembrar de “Jules e Jim”, de François Truffaut, de 1962, e de “As Duas Faces da Felicidade’, de Agnès Varda, de 1965, filmes icônicos de uma fase que revolucionou os costumes nos anos 1960 e que tem muito a nos dizer hoje.  Sabendo ou não seus realizadores, o filme “Alguma Coisa Assim” segue essas pegadas, com competência.





Nenhum comentário:

Postar um comentário