Antonio Carlos
Egypto
BERGMAN – 100 ANOS (Bergman – Ett Ar, Ett Liv). Suécia,
2018. Direção Jane Magnusson. Documentário.
117 min.
O cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007) é,
indubitavelmente, um dos maiores talentos revelados pela história do cinema, em
todos os tempos. Um dos poucos que
merece, genuinamente, ser chamado de gênio.
Seu trabalho no cinema inclui uma obra tão densa, rica e sofisticada,
que não pode ser esquecida e merece ser sempre revista, principalmente na tela
grande. Isso tem acontecido por conta do
centenário de Bergman neste 2018.
Algumas de suas obras-primas têm sido reexibidas em cópias restauradas
nos cinemas. É o caso de “Gritos e
Sussurros” (1972), “Persona” (1966), “Fanny e Alexander” (1982), “Cenas de um
Casamento” (1974), “Face a Face” (1975), entre outras.
O documentário recém-lançado “Bergman – 100
Anos”, de Jane Magnusson, reconhece esse talento todo e enfatiza a espantosa
produtividade de Bergman, apontando para o ano de 1957. É incrível constatar que duas das maiores
obras-primas do cinema tenham sido realizadas por ele nesse mesmo ano: “O
Sétimo Selo” e “Morangos Silvestres’.
Ainda em 1957, ele faria o filme “No Limiar da Vida”, montaria duas peças
importantíssimas no teatro sueco, “Peer Gynt”, de Ibsen, e “Fausto”, de
Goethe. Faria, ainda, duas outras peças
teatrais e um telefilme. Isso aos 38
anos, já com seis filhos de três mulheres diferentes. Nesse ano, e nos seguintes, essa produtividade
se manteve, em meio a dores estomacais que faziam com que ele se alimentasse
basicamente de bolacha Maria e iogurte, tendo tido episódios de internação
hospitalar por conta disso.
O filme de Jane Magnusson está interessado em
compreender como esse homem lidou com essas coisas simultaneamente e de que
modo vida e obra se imbricam. Com isso,
celebra a genialidade do trabalho que Bergman realizou, mas se debruça no lado
negro da força, ou seja, nos problemas e defeitos pessoais que marcaram o
diretor.
Aborda, por exemplo, seu gênio difícil, sua
competitividade com lances de crueldade, sua infidelidade em relação às
mulheres e seu descaso em relação aos filhos.
E sua condição de workaholic, indispensável para explicar tal
produtividade. Lembra que Bergman chegou
a ser um admirador de Hitler na juventude, e outras coisas mais. Uma homenagem
nada chapa branca, portanto.
Confesso que não me agradou muito essa
“humanização” do artista, que se comporta como desconstrução de sua figura
mítica. Ele próprio tratava de questões
como essas em seus escritos, reconhecendo defeitos, admitindo erros e falhas de
caráter. Mas, segundo o documentário
“Bergman – 100 Anos”, ele mentia frequentemente. Muitas histórias que ele conta que viveu na
infância, segundo seu irmão mais velho, não foram vividas por ele, mas pelo
irmão. Enfim, não se poderia confiar nem no que ele escreveu a respeito de si
mesmo. Pode ser, mas que importa isso
agora?
Tudo que ele viveu ou observou serviu de base
para suas histórias, seus questionamentos, e habitou alguns dos personagens
mais complexos de sua filmografia, com destaque para as mulheres. Um grande criador se vale de tudo isso,
mescla e retrabalha lembranças, modifica, amplia, inventa. Além do que, a memória é seletiva, para todo
mundo. Quantas vezes a gente acredita
que viu e viveu coisas que, de fato, não aconteceram. Ou não desse modo, pelo menos. A obra de Ingmar Bergman é tão grande que
tudo isso parece pouco relevante e não explica muita coisa, não.
Temer a morte, ou as dores e sofrimentos que
podem vir antes dela, todo mundo teme.
Mas quantos, em função disso, produziram obras de arte significativas
para nos fazer refletir sobre o tema, como Bergman fez em muitos de seus
filmes?
Bergman viveu 89 anos e deixou uma marca inconfundível
na produção artística mundial. Seus
filmes estão aí para testemunhar. Os
livros que escreveu, também. Das grandes
montagens teatrais restaram fotos e depoimentos. Celebrar os 100 anos do seu nascimento deve
ser motivo de orgulho para toda a humanidade.
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