Antonio Carlos
Egypto
CARTAS DA GUERRA.
Portugal, 2016. Direção: Ivo M.
Ferreira. Com Miguel Nunes, Margarida
Vila-Nova, Ricardo Pereira. 120 min.
De um lado, o amor, de outro, a guerra. De um lado, a poesia, de outro, o sangue e a
violência. O filme “Cartas da Guerra”,
do cineasta português Ivo M. Ferreira, se nutre desses contrastes o tempo
todo.
O que a imagem nos mostra é um acampamento de guerra,
ações, confrontos. O personagem António
(Miguel Neves), convocado como médico pelo exército português, para atuar na
guerra colonial de Angola, cuidando de feridos.
Triste e solitário, ele escreve cartas e um romance e tem com um
superior hierárquico um ponto de contato intelectual, alimentado por conversas,
ao jogo de xadrez. O que mais se vê, no
entanto, são soldados vivendo o cotidiano embrutecedor da guerra.
Se as imagens, maravilhosas em preto e branco, nos
mostram a guerra, o áudio é pleno de amor e poesia. Lindas cartas de amor apaixonado, poético, se
sucedem ao longo do filme. Amo-te em tudo e sempre é uma das coisas
mais repetidas nas cartas, que exploram literariamente a ausência da amada, da
casa, dos pequenos prazeres da vida. É
António escrevendo à sua esposa, a quem ele é fiel e de quem é sinceramente
apaixonado. Mas ele está
irremediavelmente longe da mulher amada, já grávida, e da filha que ele não
poderá ver nascer, nem embalar, para seu desespero. De 1971 a 1973, ele escreve cartas de amor
permanentemente, recebe as respostas que a gente não ouve, nem vê. E começa a escrever um romance. É o que o motiva a sobreviver.
O contraste entre as belas mas terríveis imagens da
guerra e a pureza de sentimentos do médico, aspirante a escritor, em suas
cartas, produz uma espécie de curto-circuito entre a beleza do amor e a
violência sem sentido de uma guerra colonial brutal. O impasse entre o desejo pelas coisas simples
e cheias de humanidade e o horror do sangue jorrado em vão e da morte sem
sentido, tese e antítese a clamar por uma síntese, que não virá.
O que “Cartas da Guerra” nos mostra é a angustiante
espera, a vida que se põe em suspensão e na incerteza. Só o amor para sustentar tal espera. Para além do sentimento, há a força das
palavras, essencial para significar a vida e tudo o que acontece. A literatura como elemento de salvação.
“Cartas da Guerra”, o filme de Ivo Ferreira, baseado
na obra de António Lobos Antunes, é um filme de guerra belo, poético,
amoroso. Não se dirige a uma
racionalidade pacifista, mas às emoções que a guerra cria ou suprime. Mostra o contraste entre a vida de dentro e
de fora da guerra, vivido por um ser humano sensível, capaz de colocar em
palavras, bem escolhidas e encadeadas, a expressão de sentimentos de uma quadra
decisiva da sua existência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário