Marga Moura Egypto
Ser homem ou ser mulher são papéis
criados socialmente. Biologicamente, a criança nasce com um sexo determinado: é
menino ou menina. Mas o desejo sexual que se manifestará nessa criança pode
levá-la a preferir uma pessoa do mesmo sexo que ela. E há, também, a questão da
identidade: um menino sente que está num corpo de mulher, uma menina se sente
num corpo de homem. Surge, no cenário, a figura do travesti – homossexual
que se veste como alguém do sexo oposto, seja de modo passageiro (por exemplo,
só à noite), seja de modo definitivo, seja, ainda, transformando seu corpo à
semelhança do de outro sexo, por meio de cirurgias, o que o(a) transforma num(a)
transexual.
Essa realidade sexual que aparece de
modo mais claro aos nossos olhos, nos dias que correm, demonstra comportamentos
variados, que vinham sendo tratados como tabus e eram pouco explicitados,
socialmente. Com as mudanças introduzidas nas sociedades ocidentais, depois da
Segunda Guerra Mundial, comportamentos, desejos, crenças, valores, normas de
comportamento, modos de vestir e pentear, tanta coisa aconteceu que se pode
dizer que o mundo de nossos avós é hoje completamente diferente do nosso.
Culturalmente, socialmente, sexualmente – nossas opções apresentam
características bem diferentes das de tempos passados.
Trago isso à tona para falar sobre o
filme brasileiro de Leandra Leal, “Divinas Divas”, que reúne oito dentre as
travestis mais famosas do Brasil. A começar por Rogéria, talvez a mais famosa,
passando por Divina Valéria, Jane di Castro, Camile K, Fujica de Holliday,
Eloína dos Leopardos, Brigitte de Búzios e Marquesa – essa última só se vestia
de mulher e se maquiava para os espetáculos da noite. Morreu após a
filmagem.
Rapazes que se viam em corpos de
mulheres tomaram hormônios, deixaram crescer os seios, exterminaram a barba,
lançaram mão de perucas vistosas e vestidos bonitos e passaram a se maquiar e a
se enfeitar com joias. Todos elas viraram artistas de teatro de revistas,
boates ou cabarés. Travestis mulheres.
Nos anos de 1970, essas mulheres
formaram o grupo que testemunhou o auge da Cinelândia carioca repleta de cinemas
e teatros. Agora, a diretora Leandra Leal as reuniu para uma apresentação no
antigo teatro Rival, no Rio de Janeiro. E elas falam de seus desempenhos
passados, suas ilusões, seus sucessos.
Achei bonito o filme e achei
interessante esta oportunidade de levantar o véu daquilo que sempre foi
escondido de nós, que era tido como obsceno, imoral, tabu, impossível de ser
mostrado para moças de família. E, no entanto, são realidades que estão aí a
cada passo, queiramos ou não. Um fenômeno social deixa de ser encarado como
tabu quando é possível falar-se sobre ele, discuti-lo, pesar os prós e os
contras, apreciar sua existência e, se quiser, tomar uma posição. Achei que
este filme de Leandra Leal é corajoso, ao trazer à tona um tema de tamanha
realidade e seriedade, principalmente neste momento político que atravessamos,
em que o debate sobre as questões de gênero, que poderiam informar e esclarecer
nossas crianças e jovens, é retirado do currículo e das salas de
aula.
Texto
originalmente publicado em http://margamoura.blog.uol.com.br
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