Antonio Carlos
Egypto
KIKI – OS SEGREDOS DO DESEJO (Kiki, el amor se hace).
Espanha, 2016. Direção: Paco
León. Com Natalia de Molina, Ana Katz,
Belén Cuesta, Candela Peña, Luis Bermejo, Paco León, Alex García, Luis
Callejo. 102 min.
O desejo sexual assume formas e manifestações
surpreendentes, inesperadas, bizarras.
Em tempos de uma moral estreita e rígida, baseada na noção de
normalidade, as variações sexuais eram chamadas de desvios sexuais e, claro,
condenadas. A partir do momento em que
se passou a estudá-las, para além dos julgamentos morais, elas ganharam um nome
técnico: parafilias. Uma forma de
desejar que está fora da expectativa ou da norma. Para
vem do grego, significa fora de e filia se refere ao amor. Ainda implica um problema a ser resolvido,
mas agora na esfera da saúde. É de
diversidade que se trata, este um conceito mais aberto e contemporâneo. E quanta diversidade há neste mundo!
Se você duvida, vá ver “Kiki – Os segredos do
desejo”, uma boa comédia espanhola, que explora em seus personagens algumas
formas de excitação pouco usuais, como o tesão por gente chorando, dormindo, ao
sofrer a violência de um assalto, a atração por plantas ou por tocar em tecidos
de seda, para chegar ao orgasmo. Também
estão lá fetiches mais conhecidos, como o dos pés ou do ato de ser urinado, mas
nomes como dacrifilia, sonofilia, hifefilia, harpaxofilia, convenhamos, não
fazem parte do vocabulário cotidiano, nem dos especialistas da área da sexualidade.
Ao potencializar o mais bizarro e exagerado ou, pelo
menos, novidadeiro, o filme de Paco León consegue nos provocar mais e produzir
risos. Quanto mais estranho, melhor,
para comprovar a tese de que a diversidade é infinita e todas as formas existentes
têm o direito de se expressar e de serem acolhidas na sociedade. Foi-se o tempo do pecado e da exclusão. Há que se celebrar essa diversidade toda e,
como o filme acaba demonstrando, é possível conviver com isso numa boa e até se
dar bem. Talvez não em todos os casos,
há situações arriscadas, perigosas e ilegais.
Mas sempre se pode dar um jeitinho de acomodar as coisas e simbolizar,
em vez de concretizar. Fica até mais rico
e divertido.
Há um detalhe a apontar. “Kiki” inclui personagens com deficiência, de
um modo muito positivo, nessa ciranda sexual, sem esforço para ser
politicamente correto. Quando se veem
todas as pessoas como seres humanos e como cidadãos plenos de direitos, tudo se
torna mais adequado no tratamento das tramas.
Para fazer humor, não é preciso atropelar direitos nem ofender pessoas
ou categorias. Preconceito não tem
graça.
“Kiki” vai conquistando público nos cinemas já há
algumas semanas e, pelo jeito, se tornará um sucesso da temporada. Merecido: o filme é inteligente, aberto e bem
feito. A inspiração vem, claro, do
conterrâneo Pedro Almodóvar. O filme não
tem nem de longe o requinte da mise-en-scène
almodovariana, seus enquadramentos, direção de arte, cenografia, uso das cores
e estruturação de roteiro para integrar bem todos os personagens. Mas é bom o suficiente para nos fazer
entender a diversidade, se divertir com ela, respeitá-la e celebrá-la.
Um vasto elenco de maioria bem jovem traz um frescor
à narrativa, que torna o filme simpático e envolvente. O próprio diretor, que é também roteirista e
ator do filme, Paco León, tem apenas 42 anos e vem de uma família de
artistas. Tem muito a nos oferecer pela
frente.
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