segunda-feira, 20 de março de 2017

ERA O HOTEL CAMBRIDGE


Antonio Carlos Egypto




ERA O HOTEL CAMBRIDGE.  Brasil, 2016.  Direção e roteiro: Eliane Caffé.  Com José Dumont, Carmen Sílvia, Suely Franco, Isam Ahmad Issa, Guylain Mukendi.  99 min.


Documentário e ficção já não se concebem, atualmente, como coisas independentes ou separadas.  O que se vê, cada vez mais, é o diálogo, a fusão, o questionamento e a integração entre o documental e o ficcional.

“Era o Hotel Cambridge”, de Eliane Caffé, é um filme de ficção, porém, tão colado à realidade dos fatos e situações que representa, que, muitas vezes, é difícil distinguir a encenação do momento documentado.

A história que o filme conta é a da ocupação de um prédio abandonado no centro da cidade, na avenida 9 de julho, em São Paulo, que foi, era, o hotel Cambridge, pelo Movimento dos Sem-Teto do Centro.  O filme foi feito lá mesmo, com os ocupantes representando seus papéis, sua história e a de outros, ao lado de atores profissionais. 

A diretora, com sua equipe de filmagem, frequentou a ocupação por dois anos, conviveu e se envolveu com a vida dos moradores até criar sua ficção, que é uma interação entre personagens e situações daquele espaço e de relatos que vieram deles.  Eliane descobriu, ao lado dos chamados sem-teto, refugiados estrangeiros vindos do Congo, da Síria, da Palestina, recém chegados ao Brasil.  Buscou também registrar o convívio desses refugiados com os “refugiados” do próprio país, ou seja, os “refugiados da falta de direitos”.




Aqui, o cinema não observou a realidade, se envolveu com ela (e ainda se envolve, diga-se de passagem).  Mergulhou na situação vivida pelas pessoas que ocupam aquele prédio, mostrou fatos relativos a outras ocupações, à repressão policial, e se envolveu também com os aspectos psicológicos, humanos, daquelas pessoas sofridas, mas ativas e lutadoras.  Mostrou o comando e a força do gênero feminino nessa batalha diária e constante que é a ocupação.

Carmen Sílvia desponta como liderança popular, forte e decidida, e acaba se revelando como atriz.  José Dumont e Suely Franco estão muito integrados à situação, vivendo tudo aquilo junto com os ocupantes sem-teto, como se fossem eles próprios moradores e integrantes do movimento de moradia.




“Era o Hotel Cambridge” reflete o amálgama de fatos, situações, encenações, personagens, que se confundem no real e no imaginário, oriundos do mundo interno ou da dimensão sociológica, sem delimitações claras.  Toma o partido da FLM – Frente de Luta Pela Moradia – e dos demais movimentos a ela associados.  Realiza uma imersão comprometida com a questão social que retrata.  É um filme emocionante e envolvente.  Um filme de luta, eu diria.


“Era o Hotel Cambridge” recebeu muitos prêmios pelo Brasil.  O público da 40ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e o do Festival do Rio 2016 o elegeu como melhor longa brasileiro.  Venceu também o Festival Aruanda, de João Pessoa, PB, e foi premiado no Festival Cinema de Fronteira em Bagé, RS, além de se destacar em festivais internacionais, como os de San Sebastian e Roterdã.


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