sábado, 28 de janeiro de 2017

MISTÉRIO NA COSTA CHANEL


Antonio Carlos Egypto





MISTÉRIO NA COSTA CHANEL (Ma Loute).  França, 2016.  Direção e roteiro: Bruno Dumont.  Com Fabrice Luchini, Juliette Binoche, Valeria Bruni Tedeschi, Jean-Luc Vincent, Brandon Lavieville, Ralph, Didier Despres.  123 min.



Uma comédia surrealista é o que o diretor Bruno Dumont, também roteirista e montador do seu filme “Mistério na Costa Chanel”, nos oferece.  Um elenco estelar, de grandes atores e atrizes, constrói personagens insanos, estranhos, exagerados, ambíguos ou que se inspiram em clichês, e tipos familiares à história do cinema.




Ma Loute (Brandon Lavieville), que dá o nome original ao filme, é uma figura bizarra.  Ele transporta pessoas de um lado ao outro da água, carregando-as nos braços, mas também levando-as, junto com o pai, por meio de um barco, para mais longe.  As pessoas que vão podem não voltar mais e esse é o mistério que se passa, no começo do século XX, numa pequena cidade costeira, no litoral norte da França. 

Há muitos desaparecidos por lá, mas uma dupla de detetives desastrada, inspirada em o Gordo e o Magro do cinema, não percebe nada.  Nem mesmo a existência de uma família de canibais da qual Ma Loute faz parte.  O Gordo (Didier Despres) rola morro abaixo, enquanto a família Van Peteghem: André (Fabrice Luchini), Isabelle (Valeria Bruni Tedeschi) e dois filhos utilizam uma enorme e confortável casa com uma vista privilegiada do local.  Receberão a visita de Aude (Juliette Binoche) e sua filha/filho Billie (Ralph).  A ambiguidade de gênero do personagem Billie percorre todo o filme: será uma menina que gosta de se vestir de menino ou um menino feminino?  Androginia, transexualidade, travestismo ou caso de intersexo?  Também não importa muito.  Quem disse que os mistérios existem para serem solucionados?




Ali  ninguém se entende ou se comunica para alcançar algo, muito menos qualquer tipo de racionalidade.  Reações histéricas para fatos corriqueiros convivem com uma placidez diante de coisas muito graves que estão acontecendo.  As reações não combinam com os fatos.  E, naturalmente, o amor que se estabelece entre Ma Loute e Billie pode ser um problema.

Há um contexto de luta de classes implícito na trama que contrapõe a alta burguesia esnobe aos pescadores pobres que com eles convivem.  Mas ninguém se salva no exagero da caricatura e da farsa.  Não há bem e mal, embora estejam caracterizadas diferenças sociais extremas.  A maldade e a loucura dominam a cena e detonam tudo.




É preciso, evidentemente, entrar na onda do filme, surfar no non sense e rir do besteirol que ele traz.  Mas não é uma bobagem qualquer.  Trata-se de um diretor talentoso, capaz de criar sequências muito bem feitas e de um elenco magnífico que atrai todo o interesse. As locações são muito bonitas. Não é só na Baía de Slack, na França, em 1910, que a insanidade se instala.  Ela parece estar à nossa volta o tempo inteiro.  O mundo é uma loucura só.  E sempre foi, parece nos dizer Bruno Dumont.



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