Antonio Carlos
Egypto
MISTÉRIO NA COSTA CHANEL (Ma Loute). França,
2016. Direção e roteiro: Bruno
Dumont. Com Fabrice Luchini, Juliette Binoche, Valeria
Bruni Tedeschi, Jean-Luc Vincent, Brandon Lavieville, Ralph, Didier Despres. 123 min.
Uma comédia surrealista é o que o diretor Bruno
Dumont, também roteirista e montador do seu filme “Mistério na Costa Chanel”,
nos oferece. Um elenco estelar, de
grandes atores e atrizes, constrói personagens insanos, estranhos, exagerados,
ambíguos ou que se inspiram em clichês, e tipos familiares à história do
cinema.
Ma Loute (Brandon Lavieville), que dá o nome original
ao filme, é uma figura bizarra. Ele
transporta pessoas de um lado ao outro da água, carregando-as nos braços, mas
também levando-as, junto com o pai, por meio de um barco, para mais longe. As pessoas que vão podem não voltar mais e
esse é o mistério que se passa, no começo do século XX, numa pequena cidade
costeira, no litoral norte da França.
Há muitos desaparecidos por lá, mas uma dupla de
detetives desastrada, inspirada em o
Gordo e o Magro do cinema, não percebe nada. Nem mesmo a existência de uma família de
canibais da qual Ma Loute faz parte. O Gordo
(Didier Despres) rola morro abaixo, enquanto a família Van Peteghem: André
(Fabrice Luchini), Isabelle (Valeria Bruni Tedeschi) e dois filhos utilizam uma
enorme e confortável casa com uma vista privilegiada do local. Receberão a visita de Aude (Juliette Binoche)
e sua filha/filho Billie (Ralph). A
ambiguidade de gênero do personagem Billie percorre todo o filme: será uma
menina que gosta de se vestir de menino ou um menino feminino? Androginia, transexualidade, travestismo ou
caso de intersexo? Também não importa
muito. Quem disse que os mistérios
existem para serem solucionados?
Ali ninguém se
entende ou se comunica para alcançar algo, muito menos qualquer tipo de
racionalidade. Reações histéricas para
fatos corriqueiros convivem com uma placidez diante de coisas muito graves que
estão acontecendo. As reações não
combinam com os fatos. E, naturalmente,
o amor que se estabelece entre Ma Loute e Billie pode ser um problema.
Há um contexto de luta de classes implícito na trama
que contrapõe a alta burguesia esnobe aos pescadores pobres que com eles
convivem. Mas ninguém se salva no
exagero da caricatura e da farsa. Não há
bem e mal, embora estejam caracterizadas diferenças sociais extremas. A maldade e a loucura dominam a cena e
detonam tudo.
É preciso, evidentemente, entrar na onda do filme,
surfar no non sense e rir do
besteirol que ele traz. Mas não é uma
bobagem qualquer. Trata-se de um diretor
talentoso, capaz de criar sequências muito bem feitas e de um elenco magnífico
que atrai todo o interesse. As locações são muito bonitas. Não é só na
Baía de Slack, na França, em 1910, que a insanidade se instala. Ela parece estar à nossa volta o tempo
inteiro. O mundo é uma loucura só. E sempre foi, parece nos dizer Bruno Dumont.
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