Antonio Carlos
Egypto
BELOS SONHOS (Fai
Bei Sogni). Itália, 2016. Direção: Marco Bellocchio. Com Valerio Mastrandrea, Bérénice Bejo, Guido
Caprino, Nicolò Cabras, Emmanuelle Devos.
134 min.
Filme de abertura da 40ª. Mostra Internacional de
Cinema de São Paulo, “Belos Sonhos”, de Marco Bellocchio, é um trabalho forte,
intenso e honesto. É baseado no romance
autobiográfico do jornalista e dirigente do jornal La Stampa, Massimo Gramelline.
A trama começa por nos mostrar o trauma original da
vida do menino Massimo: a perda, aos 9 anos de idade, de forma súbita, da mãe
tão amada e tão próxima. Companheira de
brincadeiras, dança e medo diante dos filmes de terror clássicos, figura jovem
e cheia de energia.
Essa morte se torna misteriosa para ele, que se
recusa a aceitá-la. Chega o período da
adolescência e Massimo ainda sente de forma dolorida aquela perda tão absurda e
incompreensível. Só na vida adulta,
trinta anos depois, é que o jornalista Massimo resolve ir a fundo para tentar
entender o que se passou. O filme
trabalha alternadamente nos três tempos da história do personagem, enfatizando
o menino que vive no coração do adulto.
O drama de uma vida, uma história marcante, que
assume dimensões trágicas, mesmo na aparente placidez da vida de classe média e
do convívio com gente abastada. Um
trauma que rege uma existência, mesmo diante do reconhecimento e do sucesso
profissional. Sucesso que se
potencializa quando uma carta de resposta a um leitor expõe os sentimentos do
escriba com franqueza.
Tudo que é vivido, lembrado, reconstituído, passa
pelo crivo não só da memória seletiva, que nos protege dos sentimentos ou
desejos sombrios ou degradantes, mas também da torrente de emoções do momento
que provoca o abalo. Às vezes, como no
caso de Massimo, são necessários trinta anos para que se possa encarar os
fatos. Eu diria, até, conhecê-los pela
primeira vez. De que outra forma podemos
preservar nossos belos sonhos? Bellocchio encontrou o clima certo para nos
provocar e nos fazer olhar para a história desse personagem com mais
profundidade e humanidade. O que poderia
se converter num dramalhão lacrimoso resulta num drama psicológico denso e
consistente, nas mãos desse cineasta que extrai de seu elenco desempenhos que
trazem à tona os sentimentos e sofrimentos mais fortes, sempre num tom
contido. Às vezes, preso, sufocado.
Esse mais recente trabalho de Marco Bellocchio está
na 40ª. Mostra, ao lado de outros 11 títulos do diretor e da presença dele em
São Paulo. Um dos grandes cineastas da
atualidade e um digno representante do melhor cinema italiano, especialmente o
político.
Marco Bellocchio |
Bellocchio merece toda a atenção dos cinéfilos e só
se tem a ganhar com a revisão de alguns de seus grandes trabalhos, como
“Bom-Dia, Noite”, de 2003, ou “Vincere”, de 2009, por exemplo. O cartaz que ele fez para a Mostra é um dos
mais bonitos da série histórica de cartazes concebidos pelos cineastas que
aportaram por aqui no evento.
Quem não conseguir assistir a “Belos Sonhos” durante
a Mostra, poderá fazê-lo no circuito comercial, no final de dezembro, às
vésperas do Ano Novo, quando o filme está previsto para estrear. Mas aproveite a oportunidade da 40ª. Mostra
para ver outros filmes de Marco Bellocchio.
Vale muito a pena conhecer ou revisar essa obra.
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