quarta-feira, 6 de junho de 2012

DEUS DA CARNIFICINA

Antonio Carlos Egypto


DEUS DA CARNIFICINA (Carnage).  Polônia, França, Alemanha, 2011. Direção: Roman Polanski.  Roteiro: Yasmina Reza e Roman Polanski. Com Jodie Foster,Kate Winslet, Christoph Waltz, John C. Reilly.  80 min.

O filme “Deus da Carnificina” deriva da peça da autora francesa Yasmina Reza (Le Dieu du Carnage).  O roteiro foi adaptado para o cinema por ela e pelo diretor Roman Polanski.  Essa obra teatral foi também traduzida para o português e montada recentemente nos palcos brasileiros.
O texto, muito bem escrito, com diálogos cortantes e que insinuam coisas o tempo inteiro, trata de uma questão aparentemente trivial.  Dois garotos, na faixa dos 11 anos de idade, brigam e um deles acerta com um bastão o rosto do outro, que se machuca e quebra dois dentes.
Os pais do garoto que foi vítima da agressão, Alan (John C. Reilly) e Penélope (Jodie Foster) convidam os pais do agressor, Michael (Christoph Waltz) e Nancy (Kate Winslet) para uma conversa cordial, com vistas a esclarecer as coisas e pôr um fim no caso.  Tudo muito civilizado e apropriado.

Já dá para intuir que o que está por trás desse comportamento envolve sentimentos antagônicos, ódios e preconceitos, de modo que a cordialidade, que se expressa inicialmente também por alfinetadas eventuais, pode chegar a produzir fortes ofensas e desaguar numa espécie de carnificina verbal.  Que tem correlatos físicos.
Com exceção de uma cena filmada à distância, no início da película, e outra, ao final, tudo se passa no apartamento do casal que teve o filho agredido.  Isso, naturalmente, conduz a uma espécie de filmagem teatral, em que o texto prevalece sobre todo o resto.  Mas o diretor é Roman Polanski.  Ele, habilmente, busca enquadramentos que vão revelando o que se passa com os personagens, além de explorar bem as cenas que trazem movimento e surpresa.  O mal-estar de um dos personagens, as tulipas que voam ou um celular que se molha, abrem espaço para a intensidade dramática e colocam ação na dinâmica marcada pela encenação teatral.
Inevitável lembrar de “Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?”, o filme de Mike Nichols, de 1966, que trouxe interpretações viscerais de Elizabeth Taylor e Richard Burton, com base na peça de Edward Albee.  Não é o caso aqui, não há atores ou atrizes desse porte, nem interpretações especialmente marcantes.  Mas há um subtexto que questiona não só as convenções sociais como as bases frágeis que mantêm os impulsos e os preconceitos domesticados.  As consequências dessas fragilidades podem gerar ressentimentos desproporcionais, acusações infundadas e a satanização daquele que se distingue, de algum modo, do padrão dominante.

As bases em que se assenta a educação das crianças é igualmente posta em xeque.  O que ela poderá produzir no meio social para gerações vindouras?  A tecnologia, quebrando normas de conduta educadas, está representada pelo onipotente telefone celular, que, de modo exasperante, interfere nos contatos humanos.
É possível rir de uma certa desgraça, de cuja exposição e envolvimento não escapamos.  Mas não espere diversão e gargalhadas.  Polanski está muito mais interessado em explorar os signos e os desencontros do nosso tempo do que se divertir com personagens excêntricos.  Se há excentricidade, ela está em todo lugar, nos cerca.  Não é algo que se coloque à parte, do qual possamos rir sem culpa ou preocupação.

É bom salientar também que, apesar do título e do diretor poderem remeter à violência e sangue, não é disso que se trata.  É a violência psicológica que é abordada aqui, internalização de uma sociedade que se digladia sob máscaras de democracia, respeito humano e bem viver.
Diretor de origem polonesa de carreira internacional, Roman Polanski tem uma vasta filmografia, de grande peso e valor artístico, que inclui obras como “A Faca na Água”, de 1962, “Repulsa ao Sexo”, de 1965, “A Dança dos Vampiros”, de 1967, “O Bebê de Rosemary”, de 1968, “Macbeth”, de 1971, “O Inquilino”, de 1976, “O Pianista”, de 2002, e de uma nova versão de “Oliver Twist”, de 2005.

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