segunda-feira, 8 de novembro de 2010

MINHAS MÃES E MEU PAI

            Antonio Carlos Egypto

MINHAS MÃES E MEU PAI (The kids are all right). Estados Unidos, 2010. Direção: Lisa Cholodenko. Com Annete Bening, Juliane Moore, Mark Ruffalo, Mia Wasikowska e Josh Hutcherson. 106 min.

Duas mulheres lésbicas vivem um amor intenso e harmonioso, com um casal de filhos adolescentes. Ambos os jovens foram concebidos por inseminação artificial, a partir de um doador anônimo. Cada uma delas foi mãe, gerando o filho ou a filha em seu próprio útero, com sêmen do mesmo doador. E assim se constituiu uma família que seguiu seu rumo pelo tempo, sem maiores tropeços. O nível socioeconômico dessa família é alto e o padrão intelectual das mães, também. O que pode acontecer se o doador, o pai biológico, entrar em cena? Esse é o mote do filme, totalmente antenado com o século XXI.

Vivemos num tempo em que já não se pode falar da família no singular, mas sim de famílias, no plural. Ou seja, há diferentes configurações familiares convivendo pacificamente. Isso já se verifica há tempos. A família nuclear – pai, mãe e filhos – que substituiu a família extensa, em que entra a parentela em geral, foi se reduzindo. O número de filhos caiu vertiginosamente, inclusive no Brasil. Menos nas classes de menor poder aquisitivo, mas caiu lá também.

Os casamentos duram muito menos do que no passado, gerando muitas famílias mantidas pela mãe e só por ela. Ou, então, apresentando de forma intensa padrastos, madrastas e o convívio com meio-irmãos. Crianças que passam a semana numa casa e o fim de semana em outra. Crianças que só têm pai ou mãe ou têm até quatro genitores. Bebês de proveta passaram a fazer parte da história e famílias homossexuais se tornaram um fato social relevante.

Isso tudo significa que a família está em crise ou se desestruturou? Não, significa apenas que as famílias mudaram, assim como o mundo mudou. Eu diria que para melhor. O que não impede que haja surpresas, estranhamentos e problemas nessas novas relações que se estabelecem e é disso que se alimenta “Minhas Mães e Meu Pai”. O título brasileiro se surpreende mais do que o original, que apenas nos informa que as crianças estão muito bem. Ou seja, as novas configurações familiares dão conta muito bem do cuidar das crianças. Pelo menos, quando o dinheiro não falta, como é o caso aqui.

De um filme leve, bem realizado, com boas interpretações e com um tema como esse pode esperar-se muito, não é mesmo? Infelizmente, não. Afinal, estamos em Hollywood e seja um blockbuster ou uma produção independente e mais modesta, os valores do cinema espetáculo costumam se sobrepor ao cinema que produz reflexão.

A família homossexual se equipara em tudo às famílias convencionais mais moderninhas. O triunfo da família como um valor, seja ela qual for, não questiona, antes, reforça a idealização tradicional da família que o cinema norte-americano sempre mostrou. Nem sinal dos conflitos familiares do cinema italiano do neorrealismo, por exemplo. Ou dos questionamentos de Wilhelm Reich e de um de seus seguidores brasileiros, o médico psiquiatra recém-falecido, José Ângelo Gaiarsa. Nem de Nelson Rodrigues, por certo. O máximo que se vê de conflitos são ciúmes, além de características de personalidade que inteferem nos relacionamentos.

É tudo ligeiro, para não incomodar ninguém. Dá para ver? Claro que dá para ver e para se divertir. Mas é um tema que merecia outro tratamento. Fico só imaginando o que não seria capaz de aprontar o cineasta Pedro Almodóvar com uma história dessas. Certamente, teríamos tipos estranhos fazendo coisas extravagantes, detonando a sociedade tradicional e produzindo uma libertação que passaria pela implosão dos preconceitos. Mas isso seria Almodóvar, não a jovem diretora Lisa Cholodenko, que trabalha pela cartilha hollywoodiana, aquela que faz do mercado seu ente orientador.

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