sexta-feira, 12 de novembro de 2010

JOSÉ E PILAR


Antonio Carlos Egypto

JOSÉ E PILAR. Portugal, 2010. Direção: Miguel Gonçalves Mendes. Documentário. 125 min.

José Saramago se foi e sua falta já está sendo bastante sentida. Seus livros, felizmente, permanecerão como acervo cultural de grande envergadura na língua portuguesa. Mas sua presença em entrevistas, depoimentos, artigos jornalísticos, suas frases e sua coragem em apontar as questões fundamentais do nosso tempo, geralmente indo contra a maré, não mais poderão ser apreciadas. Ateu e comunista de convicções firmes e presença suave, sempre valerá a pena relembrar sua atuação, além de reler seus escritos.

Por isso, o documentário “José e Pilar”, do seu conterrâneo português, Miguel Gonçalves Mendes, é tão oportuno e necessário. Foi um trabalho de três anos – 2006, 2007 e 2008 – com duzentas horas de gravação, registrando o dia-a-dia do escritor em sua casa, na ilha de Lanzarote, na Espanha, suas viagens constantes pelo mundo após a conquista do merecidíssimo Prêmio Nobel de Literatura, em 1998, acompanhando também o processo de criação e produção do romance “A Viagem do Elefante”, cujo lançamento mundial se deu no Brasil, em 2008.

A figura humana de Saramago se destaca no filme. Mas igual destaque ganha sua amada, Pilar Del Río, jornalista espanhola com quem ele viveu uma história de amor, camaradagem, cumplicidade e até de dependência dele em relação a ela, em alguns aspectos. É o retrato íntimo dessa relação, em geral, serena, apaixonada e altamente produtiva, o que o documentário mais revela.

A vastidão do material que acumulou, acompanhando as viagens do casal, interessado nos grandes momentos pelo mundo e também nos pequenos momentos domésticos, permite que, sem se deter muito em quase nada, um grande painel da vida do escritór nos últimos anos se construa. Foram anos de grande glória, mas também das perdas decorrentes da velhice e de uma doença que quase o matou e que poderia ter impedido a conclusão da obra “A Viagem do Elefante” e o que ainda viria depois, como o romance “Caim”.

Saramago tinha tudo, mas pedia tempo para completar seu trabalho. Felizmente, obteve o tempo extra que pedia. A isso muito se deve a dedicação de Pilar, que prossegue após a sua morte, à frente da Fundação que leva o nome do escritor.

São momentos de puro deleite cinematográfico àqueles que apreciam José Saramago. Quem não o conhece bem certamente vai gostar de conhecê-lo e a sua amada. Aos conservadores mais empedernidos, a obra e a figura humana de Saramago serão sempre ferinas e sem concessões. Porque, com doçura e expressão moderada, ele não se engana e não se deixa abater. E o filme rende uma justa homenagem à grandeza desse homem.

A produção do documentário une Portugal à produtora espanhola “El Deseo”, de Pedro Almodóvar e seu irmão Agustín e à “02 Filmes”, brasileira, de Fernando Meirelles. Aliás, a famosa cena de Fernando, mostrando seu “Ensaio Sobre a Cegueira” ao autor do texto, que deu origem àquele belo filme e às reações de Saramago, que emocionaram o cineasta, também está em “José e Pilar”.

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