terça-feira, 1 de julho de 2025

HOT MILK

Antonio Carlos Egypto

 


HOT MILK (Hot Milk), Reino Unido, 2025.  Direção: Rebecca Lenkiewicz.  Elenco: Emma MacKey, Fiona Shaw, Vicky Krieps, Vincent Perez.  92 min.

 

Algumas pessoas produzem inconscientemente identidades que só se sustentam na dor e na doença.  A enfermidade é a condição da existência.  É uma característica psicossomática da doença, que pode produzir até sintomas físicos restritivos, paralisantes, sem que alguma condição orgânica pudesse justificá-los.

 

A personagem Rose (Fiona Shaw, em brilhante desempenho) apresenta esse tipo de atuação, uma estranha doença com direito a manipulação.  Uma forma de existir, mas também de controlar o comportamento e a vida da filha Sofia (Emma MacKey, também em ótimo desempenho).

 

Rose poderia andar, mas está presa a uma cadeira de rodas, dependendo em quase tudo de Sofia, que pauta toda sua existência para estar a serviço da mãe.  Permite-se apenas estudar, dedica-se a Antropologia.

 

Ambas partem para uma viagem a Almería, na costa espanhola, em busca do doutor Gomez (Vincent Perez), de quem se esperaria a cura dos problemas de Rose.  Ele é uma espécie de médico, psicólogo, curandeiro.  Isso não fica claro.  Mas sua ação remete a alguma forma de psicoterapia analítica.  Só que algo inteiramente fora do chamado set da análise.

 

Ele vai remexendo nos conteúdos emocionais da vida de Rose, mas no convívio normal, com a presença de outras pessoas, com sua própria filha, que é sua assistente, e com Sofia.  Ele vai eliminando os remédios que Rose usava e investigando caminhos do passado, traumas, situações reprimidas.  E conversando sobre a vida e o relacionamento de Rose e de Sofia, tentando ajudá-las a se reconhecerem e ressignificarem seu convívio, além de inquirir sobre os caminhos da individualidade de cada uma. O fato é que isso começa a mexer na ferida e a incomodar Rose, que se apega a sua condição de doente como defesa.  Um confronto se dará por aí.

 


Enquanto isso, na costa espanhola, Sofia se encanta com uma mulher misteriosa que chega a cavalo na praia em sua busca.  Um relacionamento se estabelece e isso estimula Sofia a tentar libertar-se do jugo materno, olhar para suas próprias necessidades e desejos.

 

A soma desses fatores produz uma narrativa que vai alterar as circunstâncias de vida das protagonistas da história, incrementar o conflito, o drama, a fantasia, e gerar impasses.

 

A proposta do filme dirigido por Rebecca Lenkiewicz, baseada em romance de Deborah Levy, é boa, instigante.  Mas não consegue explorar a fundo a questão que coloca.  De qualquer modo, propõe um tema para ser mostrado e debatido.  Levanta dúvidas, perguntas, questionamentos.  Tem sensibilidade para tratar da expressão emocional, contando com duas atrizes notáveis, que valorizam suas personagens, conferindo-lhes uma dimensão humana e tocante.

 

Por que o filme se chama “Hot Milk”? O leite quente pode ser entendido como uma espécie de cuidado, conforto, que é tudo o que Rose espera de sua filha Sofia que, por isso, se autolimita.  Será essa a ideia?  Fica aí a especulação.