Antonio Carlos Egypto
HOT MILK (Hot Milk), Reino
Unido, 2025. Direção: Rebecca
Lenkiewicz. Elenco: Emma MacKey, Fiona
Shaw, Vicky Krieps, Vincent Perez. 92
min.
Algumas pessoas produzem inconscientemente identidades que só se
sustentam na dor e na doença. A
enfermidade é a condição da existência.
É uma característica psicossomática da doença, que pode produzir até
sintomas físicos restritivos, paralisantes, sem que alguma condição orgânica
pudesse justificá-los.
A personagem Rose (Fiona Shaw, em brilhante desempenho) apresenta esse
tipo de atuação, uma estranha doença com direito a manipulação. Uma forma de existir, mas também de controlar
o comportamento e a vida da filha Sofia (Emma MacKey, também em ótimo
desempenho).
Rose poderia andar, mas está presa a uma cadeira de rodas, dependendo em
quase tudo de Sofia, que pauta toda sua existência para estar a serviço da
mãe. Permite-se apenas estudar,
dedica-se a Antropologia.
Ambas partem para uma viagem a Almería, na costa espanhola, em busca do
doutor Gomez (Vincent Perez), de quem se esperaria a cura dos problemas de
Rose. Ele é uma espécie de médico,
psicólogo, curandeiro. Isso não fica
claro. Mas sua ação remete a alguma forma
de psicoterapia analítica. Só que algo
inteiramente fora do chamado set da
análise.
Ele vai remexendo nos conteúdos emocionais da vida de Rose, mas no
convívio normal, com a presença de outras pessoas, com sua própria filha, que é
sua assistente, e com Sofia. Ele vai
eliminando os remédios que Rose usava e investigando caminhos do passado,
traumas, situações reprimidas. E
conversando sobre a vida e o relacionamento de Rose e de Sofia, tentando
ajudá-las a se reconhecerem e ressignificarem seu convívio, além de inquirir
sobre os caminhos da individualidade de cada uma. O fato é que isso começa a
mexer na ferida e a incomodar Rose, que se apega a sua condição de doente como
defesa. Um confronto se dará por aí.
Enquanto isso, na costa espanhola, Sofia se encanta com uma mulher
misteriosa que chega a cavalo na praia em sua busca. Um relacionamento se estabelece e isso
estimula Sofia a tentar libertar-se do jugo materno, olhar para suas próprias
necessidades e desejos.
A soma desses fatores produz uma narrativa que vai alterar as
circunstâncias de vida das protagonistas da história, incrementar o conflito, o
drama, a fantasia, e gerar impasses.
A proposta do filme dirigido por Rebecca Lenkiewicz, baseada em romance
de Deborah Levy, é boa, instigante. Mas
não consegue explorar a fundo a questão que coloca. De qualquer modo, propõe um tema para ser
mostrado e debatido. Levanta dúvidas,
perguntas, questionamentos. Tem
sensibilidade para tratar da expressão emocional, contando com duas atrizes
notáveis, que valorizam suas personagens, conferindo-lhes uma dimensão humana e
tocante.
Por que o filme se chama “Hot Milk”? O leite quente pode ser entendido
como uma espécie de cuidado, conforto, que é tudo o que Rose espera de sua
filha Sofia que, por isso, se autolimita.
Será essa a ideia? Fica aí a
especulação.
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