terça-feira, 24 de dezembro de 2024

O AUTO DA COMPADECIDA 2

 

           Antonio Carlos Egypto

 



O AUTO DA COMPADECIDA 2. Brasil, 2023.  Direção: Flávia Lacerda e Guel Arraes.  Elenco: Matheus Nachtergaele Selton Mello, Taís Araújo, Humberto Martins, Luís Miranda, Eduardo Sterblich, Fabíula Nascimento.  113 min.

 

25 de dezembro de 2024, dia de Natal, tem lançamento cinematográfico relevante: “O Auto da Compadecida 2”.  Vinte e cinco anos depois de um dos maiores sucessos do cinema brasileiro de todos os tempos, o clássico “O Auto da Compadecida”, Guel Arraes, volta à direção, agora ao lado de Flávia Lacerda, para trazer de volta às telonas dois ícones da cultura nordestina e nacional: João Grilo e Chicó.  Saídos das páginas encantadas de Ariano Suassuna, viraram figuras humanas, ao mesmo tempo concretas e mitológicas, no desempenho de Matheus Nachtergaele e Selton Mello. 

 

Creio que não há brasileiro que não tenha visto o filme ou a série que o antecedeu e, portanto, conheça toda a história que uniu o inteligente, criativo e espertalhão que aprontava tudo para tentar sobreviver, o João Grilo de Matheus Nachtergaele ao frouxo e medroso contador de histórias, o mentiroso Chicó, de Selton Mello.

 

Retomá-los agora para uma continuação, uma homenagem ou uma refacção, nada mais justo.  Porque eles valem muito a pena.  E por que não auferir lucro mais provável com aquilo que já deu muito certo?  Hollywood cansa de fazer isso.  No cinema brasileiro isso ainda é uma novidade.

 

O problema é que raramente essa retomada de algo que deu tão certo que se tornou um clássico indubitável consegue alcançar o nível de excelência do produto original.  E isso é perceptível em “O Auto da Compadecida 2”.  Se os protagonistas e seus intérpretes mantêm a mesma força, a história, não.  Ela acaba trilhando quase os mesmos caminhos do filme anterior, em que pesem os novos personagens e situações criados, em busca da fidelidade ao espírito do trabalho de Suassuna.

 

Foto de Laura Campanella

Taperoá está de volta, mas vinte anos depois, a ação está agora nos anos 1950 e não mais nos 1930.   O sertão nordestino já não é filmado lá, mas feito em estúdio, com uso de tecnologia de ponta.  Se o primeiro filme já rompia com o naturalismo e se permitia uma incursão importante no cinema fantástico, aqui a cidade imaginária está mais descolada da realidade e da literatura de cordel que serviu de base à obra de Ariano Suassuna.

 

É verdade que Chicó vende a vida, paixão e morte de João Grilo por meio de seus santinhos de madeira, na crença da morte de seu amigo desaparecido há tanto tempo.  Mas as figuras arquetípicas ficam um pouco atropeladas pelo modernismo do rádio e da loja Magazin, ambos de seu Arlindo (Eduardo Sterblich), que quer mais poder, e a prefeitura local, também disputada pelo coronelismo tradicional, do coronel Ernani (Humberto Martins).  Aí entra o heroísmo de João Grilo para fazer a diferença e atropelar os dois polos do poder local. Merece destaque a figura de Antonio do Amor (Luís Miranda) que tenta “ajudar” João Grilo a sair de enrascadas, mas arruma outras.

 

E então a narrativa tem, necessariamente, que caminhar rumo à Compadecida, agora vivida por Taís Araújo.  O sentido do dejà vu é inevitável, ainda que tudo seja muito bem feito e engraçado.

 

O trabalho do roteiro que envolveu Guel Arraes, João Falcão e as colaborações de Adriana Falcão e Jorge Furtado deve ter sido bem desafiador e difícil.  Era uma grande e perigosa empreitada.  Não se pode dizer que não tenha sido bem-sucedida.

 

O elenco, que era portentoso na versão original, tem alguns de volta, mas, independentemente disso, é muito, muito bom.  A trilha sonora de João Falcão e Ricco Viana, acrescida de músicas famosas e conhecidas, como a Canção da América, de Milton Nascimento, para celebrar a amizade dos dois protagonistas, ou o Como Vai Você, com Chico César, no encontro de Chicó e sua Rosinha, revisitada por Virgínia Cavendish, agora mulher independente e caminhoneira, funciona bem e dá ritmo ao filme.  Ou seja, é um bom trabalho, que envolveu muitos talentos.  Não dá para comparar com o original, mas até aí tudo bem.




 

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