Antonio Carlos Egypto
O AUTO
DA COMPADECIDA 2. Brasil, 2023. Direção:
Flávia Lacerda e Guel Arraes. Elenco:
Matheus Nachtergaele Selton Mello, Taís Araújo, Humberto Martins, Luís Miranda,
Eduardo Sterblich, Fabíula Nascimento.
113 min.
25 de
dezembro de 2024, dia de Natal, tem lançamento cinematográfico relevante: “O
Auto da Compadecida 2”. Vinte e cinco
anos depois de um dos maiores sucessos do cinema brasileiro de todos os tempos,
o clássico “O Auto da Compadecida”, Guel Arraes, volta à direção, agora ao lado
de Flávia Lacerda, para trazer de volta às telonas dois ícones da cultura
nordestina e nacional: João Grilo e Chicó.
Saídos das páginas encantadas de Ariano Suassuna, viraram figuras humanas,
ao mesmo tempo concretas e mitológicas, no desempenho de Matheus Nachtergaele e
Selton Mello.
Creio
que não há brasileiro que não tenha visto o filme ou a série que o antecedeu e,
portanto, conheça toda a história que uniu o inteligente, criativo e
espertalhão que aprontava tudo para tentar sobreviver, o João Grilo de Matheus
Nachtergaele ao frouxo e medroso contador de histórias, o mentiroso Chicó, de
Selton Mello.
Retomá-los
agora para uma continuação, uma homenagem ou uma refacção, nada mais justo. Porque eles valem muito a pena. E por que não auferir lucro mais provável com
aquilo que já deu muito certo? Hollywood
cansa de fazer isso. No cinema
brasileiro isso ainda é uma novidade.
O
problema é que raramente essa retomada de algo que deu tão certo que se tornou
um clássico indubitável consegue alcançar o nível de excelência do produto
original. E isso é perceptível em “O
Auto da Compadecida 2”. Se os protagonistas
e seus intérpretes mantêm a mesma força, a história, não. Ela acaba trilhando quase os mesmos caminhos
do filme anterior, em que pesem os novos personagens e situações criados, em
busca da fidelidade ao espírito do trabalho de Suassuna.
Foto de Laura Campanella |
Taperoá
está de volta, mas vinte anos depois, a ação está agora nos anos 1950 e não
mais nos 1930. O sertão nordestino já
não é filmado lá, mas feito em estúdio, com uso de tecnologia de ponta. Se o primeiro filme já rompia com o
naturalismo e se permitia uma incursão importante no cinema fantástico, aqui a
cidade imaginária está mais descolada da realidade e da literatura de cordel
que serviu de base à obra de Ariano Suassuna.
É
verdade que Chicó vende a vida, paixão e morte de João Grilo por meio de seus
santinhos de madeira, na crença da morte de seu amigo desaparecido há tanto
tempo. Mas as figuras arquetípicas ficam
um pouco atropeladas pelo modernismo do rádio e da loja Magazin, ambos de seu
Arlindo (Eduardo Sterblich), que quer mais poder, e a prefeitura local, também
disputada pelo coronelismo tradicional, do coronel Ernani (Humberto Martins). Aí entra o heroísmo de João Grilo para fazer
a diferença e atropelar os dois polos do poder local. Merece destaque a figura
de Antonio do Amor (Luís Miranda) que tenta “ajudar” João Grilo a sair de
enrascadas, mas arruma outras.
E
então a narrativa tem, necessariamente, que caminhar rumo à Compadecida, agora
vivida por Taís Araújo. O sentido do dejà vu é inevitável, ainda que tudo
seja muito bem feito e engraçado.
O
trabalho do roteiro que envolveu Guel Arraes, João Falcão e as colaborações de Adriana
Falcão e Jorge Furtado deve ter sido bem desafiador e difícil. Era uma grande e perigosa empreitada. Não se pode dizer que não tenha sido bem-sucedida.
O
elenco, que era portentoso na versão original, tem alguns de volta, mas, independentemente disso, é muito, muito
bom. A trilha sonora de João Falcão e
Ricco Viana, acrescida de músicas famosas e conhecidas, como a Canção da América, de Milton Nascimento,
para celebrar a amizade dos dois protagonistas, ou o Como Vai Você, com Chico César, no encontro de Chicó e sua Rosinha,
revisitada por Virgínia Cavendish, agora mulher independente e caminhoneira,
funciona bem e dá ritmo ao filme. Ou
seja, é um bom trabalho, que envolveu muitos talentos. Não dá para comparar com o original, mas até
aí tudo bem.
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