Antonio Carlos Egypto
A
CONTADORA DE FILMES (La Contadora de Películas). Espanha, 2023. Direção
de Lone Scherfig. Elenco: Sara Becker,
Bérénice Bejo, Antonio de la Torre, Daniel Brühl. 116 min.
“A
Contadora de Filmes” é uma produção espanhola, mas também internacional. Para começar, porque é um roteiro adaptado de
um romance de um autor chileno importante, Hernán Rivera Letelier. Esse roteiro foi escrito por Rafa Russo,
Isabel Coixet e pelo diretor brasileiro Walter Salles (de “Central do Brasil” e
“Ainda Estamos Aqui”). A direção do
filme coube à dinamarquesa Lone Scherfig e no elenco destaca-se o conhecido
ator de origem alemã, nascido em Barcelona, Daniel Brühl, cujo pai nasceu no
Brasil. Ele estrelou “Adeus, Lenin”, em
2003, e “Bastardos Inglórios”, em 2009.
A
história se passa no Chile, na região do deserto de Atacama, numa cidade
mineira de extração de salitre de rocha.
Na pequena localidade, a família de um mineiro, Medrado (Antonio de la
Torre), tem as dificuldades do dia-a-dia compensadas pelos domingos, da ida ao
cinema.
Estamos
no período democrático do país, que desaguaria na eleição de Salvador Allende e
que resultaria na ditadura sangrenta de Pinochet, quando também acabariam tanto
as minas, quanto o cinema local e como também o próprio filme “A Contadora de
Filmes”.
Mas,
antes de que as trevas tomassem conta daquela cidade e do país, a narrativa
enfatizará o papel transformador e libertador do cinema e até mesmo o seu papel
como fonte de subsistência, ao relatar a história de María Margarita, que
descobre um talento especial para narrar histórias de filmes. E que lhe abrirá portas na vida e lhe dará
alegrias e reconhecimento.
Quem
gosta de cinema vai curtir essa história de amor à sétima arte num filme muito
bem realizado, com um elenco de primeira linha, e capaz de produzir um
envolvimento emocional com personagens tão cativantes, lutadores e
sonhadores. Eles semeiam o território
árido representado pelas imagens do Atacama, de onde brotarão frutos, ainda que
eles venham a desaparecer ou serem esmagados pelo futuro que os espera. Mas, enquanto se pode usufruir deles, é
encantador. Como é, e sempre foi, o
cinema.
REDENÇÃO
(Maixabel). Espanha, 2022. Direção: Icíar Bollaín. Elenco: Bianca Portillo, Luis Tosar, María
Cerezuela, Urko Olazabal, Tamara Canosa. 115 min.
“Maixabel”,
o título original de “Redenção”, remete a uma figura real do país Basco, na
Espanha. Uma mulher que teve seu marido assassinado, vítima do terrorismo do
grupo ETA, no ano 2000, e que se dedicou no governo Basco ao atendimento dessas
vítimas. Teve papel essencial no
trabalho reparador que se estabeleceu em 2011 para que se avaliasse a dor que
esse período causou tanto aos familiares das vítimas quanto aos agressores, que
cumpriam fanaticamente sentenças de morte sem sequer conhecer a vítima.
As
marcas desse período recente que antecedeu o fim do ETA eu pude ver num museu
na capital do país Basco, Vitoria Gasteiz, no ano passado. São feridas abertas que ainda custam a
cicatrizar.
Pois
bem, a situação no filme mostra o tamanho do desafio que é encontrar a paz em
meio a tanta violência. Maixabel recebe
um pedido para se encontrar com os executores da sentença de seu marido, que
cumprem pena na cadeia. Deveria aceitar
um pedido como esse? É possível manter a
crença de que todos merecem uma segunda chance?
E é possível deixar um pouco de lado sentimentos pessoais, em nome de
uma causa maior?
“Redenção”
é uma ficção construída a partir de fatos reais, desafiadores e dolorosos, e do
seu significado social e político.
A
protagonista, a grande Bianca Portillo, que se destacou também em “Volver”, de
Pedro Almodóvar, sustenta o filme com brilhantismo, em uma atuação firme e
equilibrada. Entendemos seus
sentimentos, decisões, trajetória de vida, a partir de sua coragem e
determinação. Os terroristas e suas
dúvidas, hesitações, medos e arrependimentos, também estão claramente aí. É preciso entender os dois lados para
alcançar a pacificação. Ou trabalhar por
ela.
A
diretora Icíar Bollaín fez um trabalho digno, sensível e esclarecedor, numa
questão eticamente complicada. E se saiu muito bem.
Uma
curiosidade. Por que o país Basco se
destaca à frente da própria definição da Espanha, que o contém? Conversando num táxi, em Bilbao, o motorista
foi claro: “Eu sou basco, essa é a minha identidade. A Espanha vem depois”.
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