quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

MAL VIVER

Antonio Carlos Egypto 



MAL VIVER.  Portugal, 2023.  Direção: João Canijo.  Elenco: Anabela Moreira, Rita Blanco, Madalena Almeida, Cléia Almeida, Vera Barreto.  127 min.

 

A família é vista como um ambiente de acolhimento, afetividade e apoio para os seus membros.  Idealmente falando, é claro.  Porque na família podem se dar os grandes confrontos, rejeições e opressões.  Nelson Rodrigues foi pródigo em mostrar isso nas suas peças teatrais.  Pois bem, “Mal Viver”, o filme do cineasta português João Canizo, foca neste lado negativo da família.  Em especial, nas relações mãe e filha.

 

Mostra uma família vivendo num hotel de propriedade de Sara (Rita Blanco), mãe de Piedade (Anabela Moreira), cujas relações são péssimas.  Sara acusa Piedade de incompetência, incapacidade de tocar a própria vida e teme por ela, se vier a morrer.  Acusa a filha de não assumir, rejeitar, a neta, a jovem Salomé (Madalena Almeida).  Salomé apareceu de surpresa  após a morte do pai, com quem vivia.  Isso incomodou muito Piedade, que não a esperava, nem desejava que viesse.  Mas assim como Piedade não ama Salomé, está claro que Sara não ama Piedade.

 

Outras mulheres da família participam desse clima no hotel, e uma família de hóspedes aparece, com a mãe e a filha às turras.  Ou seja, mães que não amam suas filhas e, por consequência, filhas que não respeitam as mães, tornam todo o ambiente muito sofrido e doloroso.  Essa é uma boa palavra, o filme de João Canijo é doloroso, difícil de assistir por esse aspecto.

 

No entanto, é um belo filme do ponto de vista do seu visual e também em relação aos tempos e ao clima que revela.  A locação no hotel permite circular por ambientes bonitos, bem cuidados, com boa comida.  Piscina ao ar livre no alto da montanha, desvelando uma paisagem atraente.  Mais do que isso: o diretor explora muito bem as luzes, os reflexos, as vidraças que se antepõem, os caminhos internos, em belos enquadramentos. E nos ambientes externos também.

 


Um ritmo lento ajuda a compor um clima pesado, hostil, seco, com muita competência.  A incapacidade de Piedade em acariciar os cabelos de Salomé quando ela se deita ao seu lado, é algo que repugna, mas mostra a que ponto pode chegar a ausência do afeto maternal.  Isso é ainda mais grave quando contrastado com a pequena cadela que Piedade carrega, mima e procura desesperadamente quando ela some.

 

Um ambiente de mulheres marcado pela crueldade nas relações tem algo de desesperador.  As mulheres são associadas à sua capacidade de cuidar e de serem acolhedoras, na maioria das vezes.  Aqui, não.  Quando os homens já estão ausentes, porque sumiram ou morreram, o que ficou foi a hostilidade entre elas.   “Mal Viver” não dá trégua nesta triste constatação.  Há choro e ranger de dentes, mas não há redenção, nem reparação.  É angustiante esse jeito de mal viver.  Porém, é real, incomoda, mas existe.

 

O diretor João Canijo mostra talento e tem seu filme reconhecido, venceu o Urso de Prata, em Berlim, pelo Juri. Vem de uma grande escola de cinema.  Foi assistente de Manoel de Oliveira, Wim Wenders, Alain Tanner e Werner Schroeter.  “Mal Viver” se relaciona com outro filme dele, que ainda não vi, mas que chegará aos cinemas logo em seguida: “Viver Mal”.  Pelo jeito, tem mais crueldade por aí.

 

 

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