Antonio Carlos Egypto
ATAQUE DOS CÃES (The Power of the Dog). Nova
Zelândia, 2021. Direção: Jane
Campion. Elenco:
Benedict Cumberbatch, Jesse Plemons, Kristen Durst, Kodi Smit-Mc Phee. 128
min.
“Ataque dos Cães”, o novo filme da
diretora neozelandesa Jane Campion (de “O Piano”, de 1993, e “Brilho de uma
Paixão”, de 2009) remete ao universo do western. A trama se localiza numa grande fazenda em
Montana, em 1925, onde vivem os irmãos Burbank: Phil (Benedict Cumberbatch) e
George (Jesse Plemons). Essa dupla de
irmãos é apresentada como formada por figuras opostas. George é educado, civilizado, respeitador das
mulheres, bem apessoado. Um padrão de
masculinidade refinado para o ambiente em que vive. Phil, ao contrário, segue o padrão do cowboy grosseiro, agressivo, que gosta
de viver sujo (embora tome seus banhos na lagoa), corajoso e decidido. Um tipo de masculinidade projetado como
modelo nesse ambiente e que ele remete ao ídolo Bronco Henry, o cowboy que o ensinou a “ser homem”.
Quando George se casa sem avisar com
Rose (Kristen Durst), uma viúva da localidade que Phil despreza, e a traz para
casa com um filho adolescente, Peter (Kodi Smit-Mc Phee), o clima pesa. Phil radicaliza o seu comportamento, tentando
inviabilizar essa vida familiar em comum, humilhando Rose e Peter, este, por
seu comportamento encarado como afeminado, construindo flores de papel, por
exemplo.
Um clima em que a grosseria e as
ameaças de Phil sugerem um grande drama pela frente. O que, por um lado, não
deixa de acontecer, sobretudo com Rose.
Ela incorpora o problema para si e se refugia na bebida. Mas Phil se aproxima de Peter e procura fazer
o que Bronco Henry teria feito por ele, o ensinar a “ser homem”, a partir de
aprender a cavalgar. Uma virada no rumo
das coisas, na expectativa criada. E não
será a única.
O filme, baseado no romance de Thomas
Savage, também roteirista ao lado de Jane Campion, entra no gênero western, ressignificando suas
convenções, virando-o de cabeça para baixo.
Senão, vejamos: embora o ambiente seja hostil, beirando à guerra pessoal
ou familiar e podendo incluir os empregados da fazenda, não acontecem brigas,
sopapos, tiroteios. A tensão fica no
ar. Tem até índios, que poderiam ser
perigosos inimigos, mas não, eles vão pedir couro cru e acabam sendo atendidos,
mesmo que Phil fique possesso por isso. A relação entre os irmãos, apesar de
incômoda, não descamba, mesmo nos momentos em que Phil ultrapassa claramente os
limites. E a aproximação entre Phil e
Peter trará à tona revelações do passado, que “explicam” essa hostilidade toda
cultivada por Phil.
A solução da trama passa por caminhos
insuspeitos e surpreendentes, que remetem ao convívio com os animais e suas
consequências, embora não haja concretamente nenhum ataque de cães, como no
título em português. O sentido é poético. Ou o poder do cão, do título
original, simbólico.
“Ataque dos Cães” explora a questão de
gênero por meio de suas nuances, expectativas, construção de personas e impactos no contexto das
relações sociais. A masculinidade é
colocada em evidência, até pelo próprio universo do gênero, marcadamente
masculino, como um leque de opções bem amplo.
Cabem muitas formas de ser homem, mesmo nesse universo aparentemente
limitado e fechado em si mesmo. É que não é assim. Há espaço para muita coisa aparecer de onde
menos se espera. O ser humano e sua
identidade de gênero são coisas complexas e cheias de sutilezas. O espaço para as mulheres é mais complicado
quando o contexto social se estreita, mas elas encontrarão sua força ainda que
a resposta passe por mimetizar algum padrão “masculino”, como o dos negócios ou
da bebida.
O que o filme deixa claro é que não é
a força bruta que se impõe, no fim das contas.
Contra todas as aparências, é o planejamento e a inteligência que
vencem. “Ataque dos Cães” é uma produção
da Netflix, disponível nesse serviço de streaming. Eu vi o filme no cinema e apreciei muitíssimo
as locações escolhidas, os planos gerais explorados com rara beleza, a
amplitude das colinas, a natureza em tons marrons, que dialoga com a narrativa.
Quanto ao elenco, muito apropriadamente escolhido, com atuações que exploram bem as características dos personagens centrais e dão força à história. O filme concorre ao Oscar com boas chances. E Jane Campion retorna à direção depois de vários anos de ausência, e cada vez melhor.
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