quarta-feira, 8 de setembro de 2021

DE VOLTA PARA CASA

Antonio Carlos Egypto

 




DE VOLTA PARA CASA (Coming Home Again).  Coreia do Sul, 2019.  Direção: Wayne Wang.  Com Justin Chon, Jackie Chung, Christina July Kim, Leesa Kim, John Lie.  86 min.

 

“Do que um filho se lembra melhor, quando tudo o que resta são memórias”.  Este é o título de um ensaio do escritor Chang Rae, também roteirista do filme “De Volta Para Casa”, em parceria com o diretor Wayne Wang.  Como o ensaio se apresenta como autobiográfico, o escritor é também o personagem principal da obra.

 

A narrativa singela e fluida, mas muito consistente, trata de relações humanas que ficaram para trás e de questões que ficaram suspensas por muitos anos.  No retorno, o que resta são memórias, sensações, cheiros e gostos que unem um filho a sua mãe, e também a um pai e a uma irmã, embora com muito menos importância.

 

Sair da Coreia para se desenvolver na América do Norte, obter êxito, deixando tudo para trás, foi uma decisão própria ou uma forma de obedecer às expectativas paternas?  Por trás disso, o possível fantasma de uma adoção? 

 

Chega um momento em que é inevitável encarar a volta, quando a mãe vive um câncer terminal, com muitas dores.  Ela não o chamou de volta e até se surpreende de ser tão central na vida do filho, mas o Ano Novo é a hora certa de estar lá.  Principalmente, porque será uma oportunidade de oferecer à mãe o mesmo jantar tradicional coreano que ela costumava ofertar a todos e que o ensinou a fazer.

 



A gastronomia tradicional aqui tem importantes significados.  É a forma maior de manifestação do afeto, é uma fonte de prazer e um ritual de união familiar.  Que, no entanto, exige a perfeição e não comporta rejeição orgânica, ainda que haja uma doença ou uma ansiedade no meio disso.  Pelo menos para Chang Rae (Justin Chon), torna-se um fracasso intolerável.  Lembranças do passado reforçam isso muito bem.  A ironia é que o câncer da mãe é de estômago.

 

Com o tempo que passa, as memórias se tornam opacas, imprecisas.  Como retornar ao que era, ou retomar o que era?  A intensidade dos afetos se manifesta, mas agora nada parece muito claro.  Se o passado assusta, o tempo para reverter os papéis e cuidar da mãe, que tanto dele cuidou, escoa rápido.  O futuro não parece ser suficiente para um acerto de contas nas relações e no mundo interno do nosso protagonista, de volta às suas raízes. Ao lado de tudo isso, é necessário lidar com a própria questão da identidade, do que se construiu fora, longe, em confronto com as origens.

 

Essa bela temática é muito bem trabalhada pelo diretor Wayne Wang, alternando sutilezas comportamentais com arroubos descontrolados, a enfatizar a ambiguidade das atitudes.  No pano de fundo, os julgamentos, os ressentimentos, os medos e a busca de aprovação.  Um elenco excelente, que tem em Justin Chon e Jackie Chung, a mãe, os grandes destaques, sustenta essa narrativa intimista e pessoal, com muito brilho.



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