terça-feira, 27 de julho de 2021

CAROS CAMARADAS!

Antonio Carlos Egypto

 

 



CAROS CAMARADAS! (Dorogie Tovarischi).  Rússia, 2020.  Direção e roteiro de Andrei Konchalovsky.  Com Yuliya Vysotskaya, Vladislav Komarov, Andrey Gusev, Yuliya Burova.  121 min.

 

“Caros Camaradas!”, que representou a Rússia na disputa do Oscar de filme internacional 2021, põe no centro da sua narrativa um fato ocorrido na pequena cidade de Novocherkassk, em 1962.  Em pleno período de comando de Nikita Khrushchov (1894-1971), em que a opressão e os crimes de Josef Stalin (1878-1953) vieram à tona.  O grande herói da vitória contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial ainda era um paradoxo vivo na mente dos soviéticos.

 

Nesse ano de 1962, uma crise fazia com que os alimentos e outros produtos subissem de preço e escasseassem.  Enquanto isso, na fábrica de Novocherkassk, os dirigentes decretaram redução dos salários. Isso deu margem a uma greve e a uma grande mobilização dos trabalhadores, que terminaram com o povo sendo baleado em plena praça.  Os mortos recolhidos, decretou-se um estado de silêncio sobre os fatos, com contratos de sigilo assinados sob a condição de punições severas, que incluíam até a morte.  Com tudo limpo, dois dias depois promoveu-se um baile no local, como se nada tivesse acontecido.  O stalinismo, afinal, parecia vivo, ao menos naquela localidade.  O pensamento dos dirigentes do partido não tinha mudado realmente.

 

Aí é que entra a personagem central de “Caros Camaradas!”, Lyuda, membro da executiva do Partido Comunista da cidade, orgulhosa da União Soviética e contrária aos críticos e dissidentes do regime.  Não só os que o criticavam agora, mas também quanto aos críticos de Stalin.  Militante convicta e dirigente, tinha suas vantagens no suprimento de alimentos e no acesso a lugares proibidos à população.  Sabia do que se passava, mas tomava posição sempre apoiando os dirigentes e as medidas adotadas.  Defendia punições aos supostos agitadores, aqui denominados hooligans, em caráter depreciativo.

 



No levante dos trabalhadores, nos primeiros dias de junho de 1962, porém, sua filha desapareceu.  Ela estava nas manifestações dos trabalhadores.  E o filme será o seu périplo em busca da filha perdida.  Ao percorrer esses caminhos, Lyuda terá de encarar os porões do poder local e descobrir muitas coisas novas ou que ela não supunha que fossem assim.  Uma jornada que, inevitavelmente, colocará em xeque suas convicções,  em alguma medida.

 

O filme, realizado em preto e branco, com a tela quadrada, nos remete àquele momento histórico, como se estivéssemos assistindo a um noticiário local ou à representação de fatos ficcionais encenados logo após o ocorrido.  Não parece um filme de 2020.  Se o cinema tem a capacidade de nos transportar no tempo e no espaço, sobretudo pela via da emoção, aqui temos um bom exemplo disso.  Uma narrativa clássica, porém, revestida de uma embalagem retrô, um diretor talentoso nos enquadramentos e movimentos de câmera, um elenco de grande qualidade, fazem do filme um produto bem competente. A atriz principal, Yuliya Vysotskaya, que faz Lyuda, sustenta o filme com brilhantismo.

 

O diretor Andrei Konchalovsky já tem uma longa trajetória no cinema, o que inclui sucessos em Hollywood, em filmes como “Tio Vânia” (1970), “Os Amores de Maria” (1984), “Expresso para o Inferno” (1985), “Tango & Cash” (1989), “O Círculo do Poder” (1991) e “Paraíso” (2016).

 

   

Um comentário:

  1. Excelente sua crítica sobre o filme Caros Camaradas, um filme de grandes qualidades. Apreciei o seu trabalho e deixo um abraço

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