Antonio Carlos Egypto
O filme de abertura do É TUDO VERDADE
2021, FUGA (Flee), de Jonas Poher
Rasmussen, da Dinamarca, 90 minutos, é um documentário de animação que revela
uma história pessoal dolorosa, em meio a um mundo conturbado e
preconceituoso. Utiliza-se de diferentes
tipos de desenhos, mais concretos e realistas ou sugestivos esboços. Vale-se, também, de vídeos de registros de
situações, em imagem reduzida, como as antigas TVs.
O fato é que os recursos estão a
serviço de uma narrativa que emociona, se indigna, mostra o quão difícil é
lidar com a ausência de uma identidade que corresponde ao que a pessoa é ou
sente, como é viver sem um lar e uma história pessoal que possa chamar de sua.
Essa história verdadeira nos é contada
por meio de uma análise psicológica que traz da sombra os segredos de Amin, um
refugiado afegão. Ele retira do baú de
memórias enterrado, desde os elementos femininos de sua personalidade na
primeira infância até as tragédias familiares decorrentes da condição de
refugiados, na infância e na adolescência, fugindo da opressão da guerra no
Afeganistão. Isso possibilita que o
filme exponha o inacreditável das condições de fuga dos refugiados, que gastam
o pouco que têm, arriscando a vida, novamente, em condições sub-humanas, para
escapar da guerra. E, para poder concluir, uma impressionante viagem, com idas
e retornos, que passa pela Rússia, e deixa para trás a família, até chegar à
Dinamarca, desamparado, mas conseguindo, a partir daí, construir uma nova vida.
É na condição de intelectual, com
pós-doc aos 36 anos de idade, que ele se submete à autodescoberta que o filme
mostra. O que inclui a questão da
homossexualidade, absolutamente reprimida e negada no Afeganistão. Lá, não consta que haja esse desejo. Essa expressão da sexualidade é invisível,
não existe nem a palavra que a designaria no idioma. Na Escandinávia, a realidade é outra,
dependerá de Amin encontrar um parceiro e uma vida em comum, desde que se
disponha a isso.
O oprimido, mesmo quando vence na
vida, incorpora ao inconsciente a vergonha, o medo e a culpa pelo que passou e
precisou reprimir, para sobreviver.
Encontrar-se plenamente implica um processo penoso e altamente dolorido de
resgate de imagens e sentimentos, de lembranças esquecidas, em busca de um
futuro mais calmo.
A FUGA,
essa animação documental, dá conta de tudo isso em sua complexidade, sem
simplificar, moralizar ou fazer proselitismo político de qualquer espécie. Os fatos falam por si e pela boca do depoente
e daquele que o escuta de fato e espera pelo tempo dele, com cuidado e
paciência.
A utilização de desenhos alivia a carga pesada dessa vida, para o espectador, preserva os envolvidos e dá o necessário distanciamento, que permite reflexão de forma mais serena. Em que pese tudo o que se conta. Um belíssimo trabalho cinematográfico a ser conferido gratuitamente em www.etudoverdade.com.br, (pelos caminhos indicados no meu texto anterior), dia 08 de abril, dando início à maratona de documentários do É TUDO VERDADE 2021.
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