sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

O MUNDO DE GLÓRIA

Antonio Carlos Egypto



 

O MUNDO DE GLÓRIA (Gloria Mundi).  França, 2019.  Direção e roteiro de Robert Guédiguian.  Com Ariane Ascaride, Jean-Pierre Darroussin, Gérard Meylan, Anais Demoustier, Robinson Stévenin.  107 min.

 

 

Em “O Mundo de Glória”, a Glória do título é um bebê, cujo nascimento é mostrado no início do filme com grande beleza.  O mundo que a cerca é o dos despossuídos, que lutam bravamente para sobreviver em tempos tão difíceis, com a precarização do trabalho, o desemprego, os baixíssimos salários, a falta de contratos de trabalho que ofereçam as garantias mínimas para uma subsistência digna.

 

A partir da constatação dessa realidade, Robert Guédiguian constrói uma trama que envolve relações familiares complicadas, rivalidade entre irmãs, disputas pelo mesmo homem, machismo, brigas nos casais e abatimento de personagem masculino pela impotência diante das condições materiais da existência e a falta de perspectivas, prostituição, pequenos crimes, morte, prisão e retorno da prisão com seus limites e preconceitos.  E, também, os que se valem de uma pequena vantagem financeira para explorar os mais pobres, comprando e vendendo produtos usados, com alta margem de lucro.

 

Como se vê, o filme se debruça sobre as questões da classe trabalhadora nos dias de hoje, sem, no entanto, vitimizá-la ou santificá-la. Cada um se vira como pode, ninguém é bonzinho, todos têm suas razões para agir como agem e ficando no clichê: em casa onde falta pão, todo mundo briga e ninguém tem razão.

 

A ausência de uma estabilidade laboral entre os que têm profissões modestas e parcos ganhos se torna uma tragédia diante da uberização atual.  Qualquer incidente, acidente, doença, assalto, desentendimento gerando briga, é capaz de produzir sérias consequências na vida deles.  Não há suporte, não há respaldo, o Estado está ausente.  A falsa promessa do empreendedorismo acaba por botar a pá de cal em muitos relacionamentos, famílias, crianças, vidas que ficam em suspensão, na dependência da sorte ou de uma solidariedade de classe, que costuma não vir.

 

Sem o mesmo brilho, mas na linha do trabalho do britânico Ken Loach, o diretor Robert Guédiguian nos ajuda a refletir sobre o que está acontecendo no mundo de hoje, com as pessoas mais vulneráveis, a partir do momento em que a sociedade do Bem-Estar Social do pós II Guerra Mundial implodiu na Europa.  Por aqui é um pouco pior, porque, a rigor, essa sociedade não chegou a existir.  Pelo menos, não em plenitude.

 



O envolvimento emocional com os personagens que “O Mundo de Glória” nos proporciona é importante.  Sentir é conhecer, praticar a empatia é compreender e o conjunto deles mostra um evidente contexto socioeconômico e cultural que preocupa.

 

Somos capazes de sofrer com suas agruras, rejeitar certas condutas, espantar-se com outras, dentro de algumas situações que estão no limite da existência humana.  Mesmo no contexto europeu, um pouco mais suave em relação às condições de vida e moradia do que o nosso.  Se já estava difícil lá e certamente piorou com a pandemia, imagine aqui.  O nosso governo de plantão está descobrindo milhões de invisíveis, que dependeram de um auxílio emergencial, de forma drástica e dramática, para não passar fome.  A que ponto chegamos!

 

O filme de Robert Guédiguian é competente na abordagem, na caracterização dos personagens, no desempenho do bom elenco, na dimensão social que nos mostra com clareza, na capacidade de nos fazer refletir sobre o que estamos vivendo nesse momento particularmente desafiante da história da humanidade.




Um comentário:

  1. Gosto muoto do Guedignan amigo em.Marseille do meu genro. Sempre ligado a,questões sociais c a mulher Ascaride nao perco nenhum filme dele e com o grupo de atores amigos

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