terça-feira, 24 de novembro de 2020

VALENTINA

Antonio Carlos Egypto

 



VALENTINA, Brasil. 2020.  Direção de Cássio Pereira dos Santos.  Com Thiessa Woinbackk, Guta Stresser, Rômulo Braga, Letícia Franco, Ronaldo Bonafrio.  95 min.

 

 O filme brasileiro “Valentina”, de Cássio Pereira dos Santos, em seu primeiro longa-metragem, vem recebendo prêmios importantes em festivais.  Na 44ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo venceu o prêmio do público de melhor ficção nacional, além de receber menção honrosa pelo júri internacional para o desempenho da atriz principal, Thiessa Woinbackk.  Ela recebeu prêmio pela interpretação também no festival Outfest, de Los Angeles.  O filme foi, ainda, fartamente premiado no recém-encerrado Festival Mix Brasil 2020, pela interpretação da atriz, pelo melhor roteiro, melhor longa, pelo júri popular, e o prêmio Coelho de Ouro de melhor longa.  Grande reconhecimento para um trabalho que procurou mostrar o drama da identidade na vida de uma pessoa transexual.

 

A narrativa, bastante realista, enfatiza o quanto a identidade legal importa para que transexuais, como Valentina, possam ser quem são e serem reconhecidos pelos outros.  E quanto esse processo pode ser muito custoso, sofrido, extremamente dolorido.  Alguém que se sente mulher, se apresenta como mulher, é mulher, não pode mostrar um documento de identidade do sexo masculino, com nome masculino.  É possível corrigir isso, mas quando se tem, como ela, 17 anos, exige toda uma burocracia e a ativa participação dos pais.  Sem isso resolvido, como frequentar a escola?  Com que nome, registro oficial, diploma, etc.?  Diploma é modo de dizer, já que, conforme o filme nos informa ao final, 82% das transexuais abandonam a escola.  A documentação é o primeiro e relevante problema, o preconceito, a agressão inclusive física, o desrespeito e a humilhação completam o quadro desse absenteísmo. 

 

Sem educação formal, o próximo passo pode ser a pobreza e a exclusão na vida em sociedade.  É preciso impedir que o processo prossiga.  Uma família acolhedora poderia ajudar muito.  No caso de “Valentina”, a mãe cumpre muito bem esse papel.  Só que o casal está separado, o pai sumiu e até mudou de celular sem comunicar-lhes.  Poderá ser encontrado?  Pelo menos, para assinar os papéis? 

 

A escola, atualmente, no Brasil, é obrigada legalmente a aceitar o nome social em lugar do de nascimento, nesse caso.  A reação de uma comunidade pequena e religiosa, quanto a isso, já é outra história. A propósito, o enredo leva Valentina e sua mãe a sair da cidade grande e ir para uma localidade pequena, exatamente para tentar fugir das consequências decorrentes da condição da transexualidade que já se tornavam insuportáveis.  Aquela conhecida tentativa de recomeçar tudo do zero.

 



Onde há desinformação e preconceito também pode haver solidariedade.  Até porque, por trás das aparências, a vida segue com sua diversidade, tanto nos grandes como nos pequenos centros populacionais.  Há de tudo em todos os lugares, desde sempre. 

 

As locações de “Valentina” foram a pequena Estrela do Sul e Uberlândia, nas Minas Gerais.  O diretor e roteirista do filme, Cássio Pereira dos Santos, é da região.  Nasceu em Patos de Minas e estudou cinema em Brasília.  Começa muito bem, com conhecimento de causa.

 

É fácil entender por que o filme “Valentina” vem conquistando o público.  A personagem traz uma novidade.  Situações e problemas que o espectador por vezes desconhece totalmente.  Ou avalia de modo muito diverso.  Às vezes, até jocoso, sem conseguir uma empatia, um envolvimento com a situação da transexual.  Na medida em que os fatos vão se desenrolando, a identificação vai ocorrendo, ajudada pelo excelente desempenho da atriz tão merecidamente premiada e de nome difícil, Thiessa Woinbackk.  Que, além de atriz, é youtuber de sucesso.  Assim me informaram, pelo menos.  A atuação como atriz é ótima e tem muito peso no desenvolvimento da narrativa.  Mas todo o elenco é muito bom também.

 

A outra possível explicação para o interesse do público liga-se à atualidade do tema.  A quebra de um tabu que aparece, com certa surpresa, nas candidatas trans que lograram se eleger vereadoras, pelo Brasil afora.  Já houve até prefeita trans, se bem me lembro, mas era uma completa exceção.  Agora, o número parece ser representativo, indicando uma mudança importante.  Outros debates, livros, peças, filmes, estão aparecendo sobre o tema.  Minha última postagem, antes desta, no cinema com recheio, incluiu o filme “Maria Luíza”, documentário sobre a primeira trans nas Forças Armadas brasileiras.  A transexualidade vai conquistando o seu espaço e colocando as questões pertinentes à sua condição de vida para a reflexão da sociedade.  Muito justo e oportuno.

 


                                                                                                                   

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