quinta-feira, 29 de outubro de 2020

LATINO-AMERICANOS NA #44 MOSTRA

Antonio Carlos Egypto

 



ARANHA, do diretor chileno Andrés Wood (do ótimo “Machuca”, 2004), está na 44ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo on line, com uma trama que envolve personagens e um grupo nacionalista de inspiração nazifascista, que atuou na década de 1970 no país, visando a derrubar o governo de Salvador Allende (1908-1973).  Um grupo civil que dispunha de armas e as utilizava para promover confusões, arruaças, interferências em ações de grupos de esquerda ou de apoiadores do presidente Allende.  Submergiram com a ascensão ao poder da ditadura de Augusto Pinochet (1915-2006).

 

Na trama do filme, os personagens Inês, Justo e Gerardo vivem um triângulo amoroso, em meio a toda ebulição política do grupo.  Com muitas disputas, manipulações, rasteiras executadas, mágoas guardadas ou expressas, até onde era possível no contexto. Essas coisas permanecem e podem reaparecer diante de novas situações, quarenta anos depois.  Aí já cada um tem seu próprio rumo e algo a perder.  A retomada desses sentimentos e as posições assumidas nesse período e hoje fazem parte de uma narrativa bem construída, que envolve crimes políticos e vinganças.

 

A grande atriz Mercedes Morán é protagonista e o ator brasileiro Caio Blat está no elenco, que reúne um grupo de atores e atrizes tarimbado e que sustenta bem a história. 

 

Em tempos em que grupos de extrema direita se evidenciam em vários países, com suas pautas radicais, superconservadoras e retrógradas nos costumes, é interessante acompanhar esse pessoal, conhecido como Araña, num símbolo que sugere as patas do animal, mas também traços da suástica nazista.

 

Mostra-se que, apoiando ações internacionais, comandadas desde os organismos governamentais e policiais dos Estados Unidos, estavam não só grupos militares locais, mas uma elite civil que se dispunha a tudo para evitar que o socialismo democrático conquistado nas urnas, e com grande apoio popular, pudesse vingar no Chile.  Em nome do anticomunismo, se organizava para respaldar um golpe, que de fato aconteceu, incluindo o metralhamento do Palácio de la Moneda, com o presidente dentro dele, cometendo suicídio e ponto fim à experiência de um governo popular.  Abriu-se, assim, espaço para uma ditadura militar altamente repressora e sangrenta no Chile, à imagem e semelhança de outras ditaduras latino-americanas que se estabeleceram naquele período.  105 minutos.

 




OS NOMES DAS FLORES, filme da Bolívia, de Bahman Tavoosi, em seu primeiro longa, aborda a poesia e o romantismo de uma história envolvendo a figura de Ernesto “Che” Guevara, em seus últimos momentos de vida.

 

Preso pelo exército boliviano, o Che foi levado a uma escola rural onde, segundo relatos, fartamente repetidos ao longo dos últimos 50 anos, era o lugar em que atuava uma professora que tomou a iniciativa de lhe fazer uma sopa e ele retribuiu dizendo os versos de um poema “Os Nomes das Flores”, supostamente de sua autoria, poucas horas antes de morrer.

 

Se é fato, ou mito, se ocorreu dessa forma ou não, pouco se questionou durante todo o tempo decorrido desde essa prisão e o assassinato do Che, que remonta a 1967.  Uma professora do local compareceu diariamente àquela escola, levando um vaso com duas grandes flores e uma panela de barro, para contar o sucedido aos turistas, que por lá apareciam, agendados para esse fim.  Até que, ao cuidar das tratativas das comemorações previstas para os 50 anos da morte do Che na localidade, em 2017, passou-se a questionar a veracidade da história contada por essa professora.  Afinal, outras professoras também contavam a mesma história, dizendo serem elas as reais protagonistas da sopa e das flores.

 

É disso que trata o filme que, com sensibilidade e beleza, nos faz embarcar na vida dessa maestra já envelhecida, mas sempre fiel ao ocorrido.  Ou será que apenas dependia dos trocados recebidos dos turistas para viver e não poderia abandonar aquela iniciativa?

 

Enquanto se deslinda isso, percorremos a zona rural muito pobre em que o Che sucumbiu, lutando justamente contra a pobreza e as condições degradantes de vida do povo.  As construções são paupérrimas, mas há beleza na natureza da região, naquelas montanhas.  Há beleza também no gesto repetido e obstinado da professora.  Também há beleza na busca pela verdade dos fatos e no resgate histórico ali presente. Que significado tem tudo isso nos dias de hoje, em que parece que nada mudou, apesar de tudo o que a Bolívia e o mundo viveram durante estes últimos 50 anos?  79 minutos.

@mostrasp




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