quarta-feira, 7 de outubro de 2020

DOCS BRASILEIROS

Antonio Carlos Egypto

 

O Festival de Documentários Internacionais É TUDO VERDADE 2020 exibiu trabalhos nacionais bastante relevantes.  Consegui ver alguns deles, que destaco aqui.

 



SANTIAGO DAS AMÉRICAS ou O OLHO DO TERCEIRO MUNDO tem a consagrada assinatura de Sílvio Tendler, um dos nossos maiores documentaristas.  Ele homenageia neste filme o documentarista cubano Santiago Álvarez (1919-1998), por ocasião de seu centenário de nascimento.  Santiago revolucionou a linguagem dos cinejornais, assumindo uma posição de luta em defesa da revolução cubana, desde 1959.  Registrou os fatos mais marcantes desse período de consolidação do regime, como a batalha frustrada coordenada por Fidel Castro para alcançar o recorde histórico na produção de cana de açúcar.  Cobriu o cenário político de tensões na América Latina dos anos 1960-1970, como a tentativa de invasão da Baía dos Porcos, a vitória e o golpe envolvendo Salvador Allende no Chile e a atuação dos Estados Unidos nesse caso e no golpe militar brasileiro, entre outros.  A guerra do Vietnã e as lutas de independência na África ganham destaque.  E também os fenômenos naturais e culturais que reverberavam na ilha de Cuba.  Enfim, tudo o que um telejornal tem de reportar.  Só que o fazia como cinema de alta qualidade.  Na inovação técnica, nos enquadramentos, no uso de palavras escritas na tela, nos sons e músicas cuidadosamente escolhidos, para dar a ênfase necessária e gerar o clima emocional buscado.  Tudo o que só um grande cineasta faz.  Tendler resgata imagens e entrevistas de Santiago Álvarez e dos seus noticiários de época, além de análises e entrevistas dos que viveram e trabalharam com ele, uma espécie de gênio panfletário, que sabia muito bem aonde queria chegar e como fazer isso.

 




OS SEGREDOS DO PUTUMAYO, de Aurélio Michiles, toma como objeto de análise o trabalho de um dos pioneiros nas denúncias de violação de direitos humanos, o irlandês Roger Casement (1864-1916), que viajou pela Amazônia nos primeiros anos do século XX em missão oficial e acabou descobrindo uma das mais cruéis e abomináveis formas de escravidão e genocídio indígenas pelos britânicos, em função da exploração da borracha.  Foi diplomático o suficiente para sair vivo dessa missão e denunciá-la ao mundo.  Permaneceu lutando pela independência da sua Irlanda, o que lhe valeu um final trágico. O filme é um libelo, muito bem conduzido, com uma narrativa lenta, forte, e que nos leva, por meio de belas imagens, à inconformidade contra atrocidades que só o ser humano é capaz de realizar.  Narrado pelo ator irlandês Stephen Rea.

 




JAIR RODRIGUES – DEIXA QUE DIGAM, dirigido por Rubens Rewald, é um documentário muito competente sobre um artista cujo talento se evidencia por inteiro.  Jair Rodrigues (1939-2014) foi um excelente cantor de sambas, mas também dos mais diferentes gêneros, com um repertório muito bem escolhido e momentos memoráveis, quando, com seu primeiro sucesso, antecipou o rap com “Deixa Isso Prá Lá”, o Fino da Bossa, com Elis Regina, os Festivais e a inesquecível interpretação de “Disparada”, sucessos como “Tristeza”, “Majestade, o Sabiá” e tanta coisa mais, que o filme mostra com toda a clareza.  É possível conhecer e apreciar esse trabalho muitíssimo bem.  É isso o que importa, quando se focaliza uma obra artística de peso, como é o caso aqui.

 




LIBELU – ABAIXO A DITADURA, de Diógenes Muniz, o vencedor da competição brasileira, é de fato um trabalho muito interessante e oportuno.  O documentário reconstrói, por meio de registros, imagens de época e muitos depoimentos, a trajetória do grupo trotskista de resistência à ditadura militar, “Liberdade e Luta”, ou, como ficou conhecido, “Libelu”, que existiu de 1976 a 1985.  De um lado, visto como radical, de outro, como da esquerda festiva, o grupo atuou nas ruas em passeatas e eventos, após a derrota da luta armada, e foi responsável pela adoção pública do slogan “Abaixo a ditadura”, que até então não estava consagrado nas manifestações estudantis.  É surpreendente observar alguns de seus antigos integrantes dando depoimentos hoje.  Radicais?  De esquerda?  Eduardo Giannetti da Fonseca, Demétrio Magnoli, Josimar Melo, Cleusa Turra, Laura Capriglione, Eugênio Bucci, Antônio Palocci, Reinaldo Azevedo, Paulo Moreira Leite, José Arbex.  Enfim, tem de tudo aí, não é não?  Muito bom esse resgate histórico.

 

 

 

 

 

 

Um comentário:

  1. Que bom estar recebendo de novo teus comentários. E essa seleção de agora é de tirar o fôlego!!!

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