segunda-feira, 2 de março de 2020

PRÊMIO ABRACCINE 2020

Antonio Carlos Egypto

 A Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), da qual também faço parte, elege a cada ano os melhores filmes, considerando os lançamentos em cinema, streaming, VOD, do ano anterior.  No caso, 2019.

Uma centena de críticos, distribuídos por quase todos os Estados brasileiros, indica os melhores filmes que, após troca de ideias e debates, passam por votação para a escolha do melhor, em cada categoria.  São escolhidos os melhores longa e curta nacionais e o melhor longa estrangeiro.

Este ano, a Abraccine decidiu divulgar não apenas o vencedor de cada categoria, mas também os 10 mais votados pelo conjunto de críticos da Associação.  Assim, se consegue um panorama mais amplo do melhor da produção cinematográfica do ano que passou.

Confiram a lista dos indicados e o vencedor em cada categoria.  Em seguida, recoloco as minhas críticas dos longas vencedores.

LONGA-METRAGEM BRASILEIRO
VENCEDOR:
BACURAU, Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles
Completam o top dez, em ordem alfabética:
DEMOCRACIA EM VERTIGEM, Petra Costa
DESLEMBRO, Flávia Castro
DIVINO AMOR, Gabriel Mascaro
ESTOU ME GUARDANDO PARA QUANDO O CARNAVAL CHEGAR, Marcelo Gomes
INFERNINHO, Guto Parente e Pedro Diógenes
NO CORAÇÃO DO MUNDO, Gabriel Martins e Maurilio Martins
LOS SILENCIOS, Beatriz Seigner
TEMPORADA, André Novais Oliveira
A VIDA INVISÍVEL, Karim Aïnouz
 


LONGA-METRAGEM ESTRANGEIRO
VENCEDOR:
PARASITA, Bong Joon-ho
Completam o top dez, em ordem alfabética:
ASSUNTO DE FAMÍLIA, Hirokazu Koreeda
CORINGA, Todd Phillips
DOR E GLÓRIA, Pedro Almodóvar
EM TRÂNSITO, Christian Petzold
ERA UMA VEZ EM HOLYWOOD, Quentin Tarantino
O IRLANDÊS, Martin Scorsese
NÓS, Jordan Peele
O PARAÍSO DEVE SER AQUI, Elia Suleiman
SYNONYMES, Nadav Lapid




D
CURTA-METRAGEM BRASILEIRO
VENCEDOR:
SETE ANOS EM MAIO, Affonso Uchôa
Completam o top dez, em ordem alfabética:
CARNE, Camila Kater
JODERISMO, Marcus Curvelo
A MULHER QUE SOU, Nathália Tereza
NEGRUM 3, Diego Paulino
QUEBRAMAR, Cris Lyra
SWINGUERRA, Bárbara Wagner e Benjamin de Burca
TEA FOR TWO, Julia Katharine
TEORIA SOBRE UM PLANETA ESTRANHO, Marco Antonio Pereira
TUDO QUE É APERTADO, RASGA, Fabio Rodrigues
             
                      



BACURAU
Antonio Carlos Egypto

BACURAU.  Brasil, 2018.  Direção e roteiro: Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles.  Com Sonia Braga, Udo Kier, Bárbara Colen, Thomás Aquino, Silvero Pereira, Karine Teles, Antonio Saboia.  132 min.


“Bacurau”, o novo filme de Kleber Mendonça Filho (de “O Som ao Redor”, 2013, e “Aquarius”, 2015) e Juliano Dornelles é um western  brasileiro.  Segue a trilha dos históricos “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, 1963, e “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, 1969, de Glauber Rocha (1938-1981).  Filmes que já se pautavam por grande força política e preocupação social, tentando desvendar um universo nordestino, marcado pela violência opressora, de um lado, e resistente, de outro.  Dialoga também com a produção nacional que sempre teve nos cangaceiros uma fonte de inspiração permanente e oportunidade de pensar e de criar a partir da realidade do nordeste brasileiro, para alcançar o país.

“Bacurau” incorpora novos elementos a tudo isso.  Tem invasores agressores e poderosos.  Que chegam a tirar o povoado do mapa e produzem assassinatos aparentemente inexplicáveis, se valendo até de drones com aspecto de disco voador.  Falam inglês, seu comandante é um alemão com pinta e comportamento de nazista, e os colaboradores que atuam com eles falando português, além do inglês, são desprezados e descartados na primeira oportunidade.  Ou seja, estamos no terreno da alegoria política, que soa tão atual, mas talvez seja mesmo uma constante da nossa história.  Até porque nada se nutre do momento atual, embora pareça inspirado nele.  Percepção acurada?  Premonição?   Visão apurada do processo histórico, vista da relação entre a casa- grande e a senzala e na dimensão internacional que as envolve.

“Bacurau” mistura ação e reflexão no mesmo produto.  É um filme forte, intrigante, provocador, mas é também uma aventura, muito envolvente.  Por isso, pode ser visto como um filme de gênero, embora não esteja preocupado em seguir cartilhas ou convenções.  Fala ao sentimento do público, mostra uma violência que tem de ser decifrada e que, afinal, nos leva a algumas conclusões.  Talvez distintas, para cada grupo de espectadores.  Mas que deve mexer com todo mundo, de um  jeito ou de outro.

Um elenco enorme e dedicadíssimo a seus personagens passa uma sensação de grande veracidade e nos remete a um mundo tão familiar quanto parece distante.  Sonia Braga, como a dra. Domingas, reúne as dimensões da solidariedade e do descontrole, a nos indicar a profunda humanidade da figura que encarna.  Udo Kier é a maldade forasteira, mas também o impasse e a solidão.  Bárbara Colen faz Teresa, mulher forte e lutadora. Os forasteiros colaboracionistas são patéticos, mas a gente até se esquece disso porque Karine Teles e Antonio Saboia nos conquistam pela qualidade de seus desempenhos.  Thomás Aquino, como Pacote, e o inusitado bandido local Lunga, papel de Silvero Pereira, nos mostram como é estar no fio da navalha entre a fome e o crime.  Todos os personagens são bem construídos e têm um ator ou atriz à sua altura.

A trilha sonora é também bem marcante, vai de Gal Costa e o objeto voador não-identificado a Geraldo Vandré, passando por Sérgio Ricardo. Marcos reconhecíveis da resistência que marcou a nossa música e o nosso cinema, que combinam bem com a temática tratada no filme.

A comunidade do povoado da Barra, no Rio Grande do Norte, divisa com a Paraíba, onde a maior parte do filme foi gravada, participou ativamente dos trabalhos de apoio à produção e como figurantes, contribuindo para a autenticidade das situações mostradas.

“Bacurau” é um filme de peso da produção brasileira recente, que já vem recebendo o maior reconhecimento internacional, na forma de convites para mais de 100 festivais e mostras de cinema pelo mundo e já com prêmios importantes conquistados nos festivais de cinema de Munique, na Alemanha, em Lima, no Peru, e o importante prêmio do Júri, do Festival de Cannes.



                   
   PARASITA
Antonio Carlos Egypto

PARASITA (Parasite).  Coreia do Sul, 2019.  Direção: Bong Joon-ho.  Com Kang-ho Song, Sun-kyun Lee, Yeo-jeong Jo.  131 min.

“Parasita”, o vencedor da Palma de Ouro em Cannes e indicado pela Coreia do Sul ao Oscar de filme internacional (ex-filme estrangeiro), é um produto poderoso.  A narrativa se refere a uma família pobre, que se aproveita de uma oportunidade de trabalho temporário para um de seus membros, para parasitar uma família rica.

Para trabalhar essa história, Bong Joon-ho se vale de uma variedade de gêneros.  “Parasita” é comédia, destila um humor que produz riso na plateia.  É também um drama, até bem pesado.  Não há personagem que saia incólume de lá.  Tem muito suspense e um sem-número de surpresas e reviravoltas de tirar o fôlego.  Tem também alguns elementos fantasiosos, surrealistas, eu diria.

Ao mesmo tempo, aborda aspectos da realidade social que estão subjacentes à situação, mas também explicitados na dinâmica das classes sociais envolvidas na trama.  Até aspectos políticos da divisão das Coreias aparecem, dando um toque inteligente em cenas de humor.

O filme consegue intrincar todos esses elementos dos diferentes gêneros cinematográficos com bastante competência, sem artificializar as passagens de um a outro registro e sem perder o ritmo.  Ao contrário, o ritmo só cresce após cada reviravolta.

Os desdobramentos das ações, na realidade, produzem novas histórias e situações-problema.  Constituem-se num desafio novo a cada um dos personagens, deixando sempre em aberto onde é que tudo isso vai parar.  É um filme imprevisível, mas que conta com um roteiro muito bem engendrado.

 Acabou conquistando o feito inédito de levar tanto o Oscar de melhor filme quanto o de melhor filme internacional, além do prêmio de diretor e roteiro original. Sucesso absoluto. Acima de qualquer expectativa de seus realizadores. 


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