quinta-feira, 1 de agosto de 2019

MISTÉRIOS + CORAÇÃO DO MUNDO

Antonio Carlos Egypto



O MISTÉRIO DO GATO CHINÊS

O MISTÉRIO DO GATO CHINÊS  (Kûkai).  China, 2017.  Direção: Chen Kaige.  Com Huang Xuan, Shôta Sometani, Kitty Zang Yugi.  129 min.


O filme “O Mistério do Gato Chinês” é uma produção chinesa de luxo, de alto padrão e beleza visual.  Não só pelos palácios suntuosos, figurino exuberante e exotismo histórico, mas pela profusão de sofisticados efeitos especiais.  É, por esse aspecto, um espetáculo deslumbrante.

A trama, porém, é apresentada de um modo complicado, confuso, de difícil entendimento.  Mostra um monge e um poeta que buscam pistas misteriosas, envolvendo uma morte.  Que remete a um gato preto demoníaco a quem se atribuem crimes no período da China medieval, após a reunificação do país, durante a dinastia Tang (618 a 906 d.C.).  Coisa de mais de mil anos, portanto.

A verdade é que a história importa menos do que a criação visual, no caso.  No entanto, quando a técnica fica muito evidente e é usada em demasia, como acontece aqui, algo sai do tom.

O cineasta Chen Kaige, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, em 1993, por “Adeus, Minha Concubina”,  parecia caminhar para uma carreira de sólido sucesso, que acabou não acontecendo.  Ele não conseguiu repetir o feito de então, mesmo tendo realizado bons filmes.  Faltou maior elaboração ou um roteiro mais consistente e empolgante.  Em “O Mistério do Gato Chinês”, o espetáculo visual está garantido, mas passou um pouco do ponto e deixou o espectador imerso no mistério.
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O MISTÉRIO DE HENRI PICK

O MISTÉRIO DE HENRI PICK (Le Mystère Henri Pick).  França, 2019.  Direção: Rémi Bezançon.  Com Fabrice Luchini, Camille Cottin, Alice Isaaz, Bastien Bouillon, Hanna Schygulla. 100 min.

O filme “O Mistério de Henri Pick” começa com um programa da TV, supostamente aberta, pela repercussão, em que se discutem lançamentos literários, com debates e análises críticas das obras comentadas.  Algo que parece tão distante do nosso dia-a-dia, que dá inveja.  A importância e a dimensão do livro na vida das pessoas na França parece exponencialmente superior a qualquer coisa que observemos por aqui.  Esse preâmbulo é importante para marcar a diferença de contextos, porque a própria trama tende a ser estratosférica para nós, se não atentarmos para essas diferenças.

Numa cidade do interior da França, uma biblioteca bretã cria uma inacreditável sala de manuscritos rejeitados pelas editoras para publicação.  E é lá que uma jovem profissional editora acaba por encontrar uma joia preciosa, que deve ter passado despercebida pelos editores que a leram.  Era um texto tão talentoso que, ao ser publicado, se torna um imenso sucesso editorial.

O autor já morreu há dois anos e é desconhecido.  Ou melhor, descobre-se que ele era um pizzaiolo que, ao que se sabe, jamais teria lido um livro.  Quanto mais escrever um.   Desse mistério é que se faz o filme.

Fabrice Luchini, grande ator, faz o papel de crítico literário, Jean-Michel Rouche, da TV, que questiona e investiga os fatos, ao lado da filha do autor Henri Pick, Joséphine, vivida por Camille Cottin.  Alice Isaaz faz a editora Daphné Despero e Bastien Bouillon, o autor Frédéric Kostas.  E nesse belo elenco ainda cabe uma ponta para a grande Hanna Schygulla.  O filme de Rémi Bezançon é divertido e bom de se ver, apesar de se valer de reviravoltas demais, até chegar ao desvendar do mistério.
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NO CORAÇÃO DO MUNDO

NO CORAÇÃO DO MUNDO.  Brasil, 2019.  Direção: Gabriel Martins e Maurílio Martins.  Com Kelly Crifer, Leo Pyrata, Grace Passô, Bárbara Colen, Robert Frank.  120 min.


Contagem, Minas Gerais, pode ser vista como o coração do mundo, por algum dos personagens do filme de Gabriel e Maurílio Martins.  Na realidade, é um contexto de periferia bastante sofrido, com poucas possibilidades de sobrevivência digna e tranquila.  Há o desemprego, hoje já uma característica marcante do momento nacional atual, mas também os trabalhos intermitentes, mal remunerados, que não abrem perspectivas para que algum tipo de sonho pareça viável.   E o filme pega esse veio documental por meio de personagens colados a esse contexto social empobrecido.

Na ausência de saídas, a transgressão se oferece como caminho, para alcançar o impossível, nas circunstâncias dadas.  Mais do que transgressão, crime, mesmo.  E “No Coração do Mundo” muda o registro para entrar num mundo hollywoodiano de filme policial, de suspense e ação, fazendo assim uma combinação de realismo e espetáculo de gênero, que surpreende, mas funciona.  Não chega a ser água e óleo, não, embora corra o risco de desagradar, pelo menos em parte, tanto os que buscam a reflexão sobre a realidade social, quanto os que esperam pelo entretenimento.

O desempenho do elenco é bastante desigual.  Traz Grace Massô, uma atriz de forte presença, inflexão e dicção perfeitas, mas traz também, em papel central, Leo Pyrata, que tem problemas de dicção que acabam comprometendo a compreensão de parte de seus diálogos.  Não é um problema só dele, quando se combinam dicção imperfeita com linguagem regional e gíria específica, fica complicado.  Várias sequências do filme exigem atenção redobrada do espectador para ouvir e entender as falas.  Talvez uma legendagem possa ser recomendada em alguns locais de exibição, também no Brasil.



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