quinta-feira, 8 de novembro de 2018

OUTROS DESTAQUES DA 42ª. MOSTRA

  Antonio Carlos Egypto


VERMELHO SOL, de Benjamin Naishtat, destacou-se entre os muitos filmes argentinos exibidos na 42ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, por abordar um período menos evidente da vida política recente do país.  Enquanto muitos filmes tratam da ditadura militar que acometeu a Argentina a partir de 1976 e cujas consequências são amplamente conhecidas e comentadas, aqui o que é evidenciado é o período anterior à tomada de poder pelos militares.  Nos anos 1970, numa pequena cidade, sente-se a tensão no ar, aquilo que está para irromper a qualquer momento.  Sabe-se, também, que o autoritarismo é parte integrante da história argentina e já estava instalado, ainda que não da forma como se estabeleceria em seguida.  O mérito do filme é que ele nos faz sentir o cheiro do que está a caminho. Desmentindo o famoso mote do deputado Tiririca: pior do que está sempre pode ficar.  A intolerância, a vingança, a violência, são os sintomas, as evidências desse mal-estar que se estabelece e causa medo.  109 min.


UTOYA

Por falar em medo, que dizer do filme norueguês UTOYA—22 DE JULHO, de Erik Poppe?  Ele nos coloca no centro da ação em que estavam cerca de 500 adolescentes acampados no verão, na ilha de Utoya, que fica nos arredores de Oslo, e que foram alvo de atirador implacável, um representante da extrema direita, como nos informam os créditos finais.  Sem focar no atirador, o filme nos faz acompanhar todos os passos de uma adolescente em pânico, que luta para sobreviver e encontrar sua irmã mais nova, durante o assassinato em massa.  Faz isso em tempo real, ou seja, durante os 78 minutos em que durou efetivamente a tensão, antes que a situação fosse controlada.  O restante do tempo do filme é o que ocorreu antes do início do tiroteio, onde já havia notícias de bomba colocada na cidade de Oslo.  É um tempo imenso e um absurdo que tenha acontecido a poucos quilômetros da capital de um dos países mais ricos e melhor organizados do mundo.  A propósito, como um acampamento de verão pode acontecer numa ilha tão pequena e devassada, sem segurança a lhe garantir?  Vivemos o que a adolescente viveu, com o coração na boca, sem saber o que estava acontecendo e por quê. A personagem e a encenação são fictícias, mas baseadas no fato real que ocorreu em 22 de julho de 2011.  O filme, que foi exibido na Mostra, estará brevemente em cartaz nos cinemas.  97 min.

O ENTERRO DE KOJO, o filme de Gana, dirigido por Blitz Bazawule, é um belo trabalho em sua estreia como cineasta de longas-metragens.  Uma históra que envolve o confronto entre irmãos, um acidente fatal no dia em que haveria um casamento, as memórias de infância e a vingança.  Esses são os elementos, temperados com apuro visual e poesia.  A trama se desenvolve, de modo fabular, por meio de uma menina que nos conduz.  Inclui aspectos mágicos e fantásticos, que não tiram, porém, a credibilidade e a viabilidade da história que ela conta.  Ao contrário, a tornam muito mais atraente e original.  Bazawule, que mora nos Estados Unidos e é também músico de hip-hop, sabe criar imagens elaboradas, elegantes, bonitas, e um universo fantástico que dialoga com o mundo concreto.  Por exemplo, ele encaixa na narrativa o papel dos chineses atuando na África e trazendo consequências danosas para as comunidades e para o meio ambiente.  80 min.


O ENTERRO DE KOJO

O documentário brasileiro AS QUATRO IRMÃS, de Evaldo Mocarzel, traz para a tela a figura da grande atriz Vera Holtz, no seu universo familiar.  Ela busca recuperar a memória de sua infância e adolescência, no interior de São Paulo, em Tatuí, onde viveu ao lado de seus pais e com suas três irmãs muito queridas.  Essa retomada se dá, quando o casarão dos Holtz completava 100 anos e no momento em que ela se queixa de lapsos de memória, embora isso não seja visível em sua figura fortemente expressiva e com grande fluência verbal.  Evaldo Mocarzel fez com que ela assumisse uma encenação em terceira pessoa, representasse a mãe, e a pôs em cena com as irmãs no casarão.  O que acabou acontecendo foi que a família retomou hábitos interioranos em torno da comida, sempre à mesa, que até retardavam as filmagens.  O resultado é muito autêntico e revela Vera e suas irmãs no informal, na intimidade afetiva e nas suas características e diferenças.  Vera Holtz alçou voos artísticos que suas escolhas proporcionaram, como o fato de não ter se casado, nem desejado ter filhos.  E, claro, ter abandonado a vida tranquila e acolhedora do interior, em busca de maiores desafios e muitos sucessos.  Neste trabalho, nós, espectadores, acompanhamos seu retorno às origens, percebendo que lá estão as bases que possibilitaram a ela tantos êxitos, por todos os cantos, fora de lá.  76 min.

Outro belo documentário brasileiro, exibido na 42ª. Mostra, é CLEMENTINA, de Ana Rieper.  Mostra a trajetória da grande Clementina de Jesus (1901-1987), cantora descoberta quando já tinha 63 anos de idade e que deixou marcas tão fortes na música e na cultura brasileiras.  Uma das grandes expressões do samba, Clementina trouxe também suas raízes musicais africanas e incorporou as canções tradicionais, folclóricas, o jongo, o partido alto, o benguelê, a música negra, de modo geral.  Importante registrar no cinema a figura e a arte da inesquecível Clementina.  O filme é uma delícia, que se consome com muito prazer e alegria.  É uma produção do Canal CURTA!  75 min.





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