sábado, 3 de novembro de 2018

MAIS DESTAQUES DA 42ª. MOSTRA



Antonio Carlos Egypto

Quero apontar mais alguns destaques da 42ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo: filmes que não foram objeto de prêmio e, talvez, não figurem nas listas de melhores da Mostra de muita gente, mas são belos trabalhos que merecem ser lembrados, no meu modo de ver.

PROCURANDO POR INGMAR BERGMAN, documentário alemão, dirigido por Margarethe von Trotta, é mais uma homenagem ao centenário de nascimento do grande cineasta sueco.  Muito boa, por sinal.  Ela explora o legado do cineasta, colhendo dados de seus colaboradores na criação dos filmes e do filho que não costuma ser ouvido e tem um ponto de vista sobre a relação distante e difícil com o pai e o trabalho onipresente dele.  Margarethe reconhece a enormidade dessa obra cinematográfica e também da literária, em argumentos e roteiros brilhantes, a partir da própria experiência pessoal e influência em suas escolhas profissionais.  Ela também explora a dimensão da vida de Ingmar Bergman (1918-2007), relacionada à sua poderosa arte.

Muito diferente disso é o curta de animação sueco VOX LIPOMA, de Jane Magnusson, que se compraz em interpretar o lipoma facial que acometeu Bergman e destrói a reputação do cineasta junto às mulheres.  Bobagem.  Afinal, Bergman criou algumas das mais importantes personagens femininas em seus filmes.  Isso é o que fica.


PROCURANDO POR INGMAR BERGMAN


PEREGRINAÇÃO, de Julio Botelho, é um filme histórico, muito instigante.  Foi indicado por Portugal para o Oscar de filme estrangeiro.  Conta as aventuras do explorador português Fernão Mendes Pinto, narradas num livro publicado postumamente, nos idos de 1614.  As aventuras fantasiosas, mas, ao que parece, correspondendo às suas longas viagens pelo Oriente, estão entre as mais incríveis vividas, lá pelos reinos da China e do Japão, entre outros.  Verdade histórica, mentira pura e simples, imaginação, desejo e fantasia se misturam numa narrativa que se dá aos saltos, sem linearidade ou evolução natural.  Um filme que tem pegada e estilo próprio.

VIDAS DUPLAS, do talentoso e experiente cineasta francês Olivier Assayas, é um filme sobre troca de infidelidades inesperadas e que surpreendem.  Sim, mas também é sobre as questões editoriais e literárias que se colocam diante da revolução digital.  É seu tema, também, até onde a ficção é criação ou está muito calcada na vida de seu criador, a ponto de se tornar indisfarçável.  E sobre o direito dos retratados “ficcionalmente”, que se veem expostos, de fazerem exigências, impedir a publicação e outras coisas mais.  Que papel tem o livro físico no presente e no futuro?  A leitura digital resistirá ao tempo, como o livro resiste?  Enfim, são muitas faces de uma trama afeita mais aos intelectuais do que ao público em geral.  Talvez nem tanto na França, que cultiva e discute os livros e a literatura muito mais do que nós.  O filme é bem feito e tem bom humor.  Destaque para uma cena divertida, metalinguística, que envolve a personagem de Juliette Binoche, onde ocorre uma especulação sobre a atriz Juliette Binoche.



A DOCE INDIFERENÇA DO MUNDO


Outro belo filme é A DOCE INDIFERENÇA DO MUNDO, do Cazaquistão, de Adilkhan Yerzhanov, que, em tom fabular, reflete sobre a inviabilidade da crença na bondade do ser humano e de uma percepção ingênua do mundo.  A indiferença pode ser gentil, pode aparentar interesse ou até vontade de ajudar, mas quando o dinheiro está em jogo não há saída.  O mundo parece infestado pelo banditismo, pelos mafiosos.  O interessante é que o filme é poético e visualmente elaborado e tem leveza e humor na narrativa, o que torna tudo mais bonito e palatável.

No filme romeno LIMONADA, de Ioana Uricaru, o sonho de obter o green card  para viver nos Estados Unidos é confrontado pelos caminhos para se chegar a ele.  Um casamento de conveniência pode alardear seus propósitos diante de algumas evidências e ensejar chantagens.  Mais do que isso, pode revelar-se um casamento perigoso e fonte de infelicidade.  Enfim, o sonho vai ser posto à prova.  Até onde vale a pena ir por ele?  Será que o próprio sonho não se desfará, ou nem  valerá a pena, diante dos dilemas que se interpõem em seu caminho?  Bastante interessante a proposta do filme, ao trabalhar dilemas e limites a partir da perspectiva da protagonista Maria, enfermeira romena que busca, como tantos, encontrar sua América idealizada.

AMOR ATÉ AS CINZAS, de Jia Zhang-Ke, grande diretor chinês da atualidade, não está entre seus trabalhos mais elaborados ou empolgantes.  Mas a história de amor e conflito que atravessa décadas, em meio a disputas de gangues rivais, separação, prisão e retorno em outro momento e situação de vida, está longe de ser desinteressante.  Tem um elenco eficiente, é bem filmada e suscita algumas reflexões.  É que a gente acaba esperando mais dele, mas é um bom trabalho, não há dúvida.




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