quarta-feira, 11 de abril de 2018

E TUDO VERDADE 2018


Antonio Carlos Egypto




De 12 a 22 de abril, é hora de focar a atenção nos documentários, tanto nacionais quanto internacionais. Chegou a São Paulo e ao Rio de Janeiro a sempre muito boa seleção do festival É TUDO VERDADE – It’s All True – 2018.  As sessões serão todas gratuitas, com distribuição de ingressos antes das projeções.  Em São Paulo, os filmes estarão no Itaú Cultural e no Instituto Moreira Salles, ambos na av. Paulista, no SESC 24 de maio, no Centro Cultural São Paulo, da Vergueiro, e no Auditório Ibirapuera.  Estão programados alguns debates, itinerância em outras unidades do SESC e programação  on line  no  site  Itaú Cultural.

Amir Labaki, o fundador e diretor do festival nestes 23 anos, afirma que “é um privilégio lançarmos mais uma safra excepcional de documentários, notadamente brasileiros”.  Pela amostra de alguns brasileiros que já pude ver, estou plenamente de acordo.


Amir Labaki


O filme da sessão de abertura em São Paulo é o empolgante e divertido ADONIRAN – MEU NOME É JOÃO RUBINATO, dirigido por Pedro Serrano.  Adoniran Barbosa é figura emblemática da cena paulistana, que ele cantou em prosa e verso, representou por meio de seu personagem  Charutinho  de  ‘História das Malocas”, de Osvaldo Moles, no rádio.  Fez cinema e telenovelas, mas é o grande compositor do samba paulistano.  “Saudosa Maloca”, “Samba do Arnesto”, “Iracema”, “Tiro ao Álvaro”,  “As Mariposa”, “Pogréssio”, “Prova de Carinho” e o eterno “Trem das Onze” constituem uma obra soberba.  E tem muito mais, é só garimpar. O personagem Adoniran, o palhaço triste, está muito bem retratado no documentário de Pedro Serrano.  Enche a tela de humor, gaiatice e sensibilidade diante dos pobres e marginalizados, que eram seus maiores amigos.  E nos remete ao seu querido Bixiga e a uma São Paulo que ele já não reconheceria.  92 min.


Adoniran - Meu Nome é João Rubinato


EX-PAJÉ, dirigido por Luiz Bolognesi, retrata um personagem que já foi poderoso junto à sua comunidade, que é desinvestido de poder e já não consegue se encontrar.  Perpera foi pajé do povo Paiter Suruí, exerceu o poder de entender e se relacionar com os espíritos do rio, da floresta, do uso das plantas e das atividades que curam, como orações, atenção, afeto e dietas dos familiares dos doentes.  Quando o homem branco chegou, e a igreja evangélica também, o pastor decretou que a pajelança era coisa do diabo e tudo mudou.  É interessante notar como o saber do pajé tem grande importância e significado para seu povo.  E notar também o caráter opressor dos que, autoritariamente, desagregam os que estavam em harmonia com a natureza.  Retomar as práticas de origem, tentando ensinar às crianças, esbarra no maior interesse delas pelos celulares.  Se bem que uma forma de os indígenas combaterem o abate de suas árvores é denunciar a invasão dos brancos, fotografando e postando no  facebook.  É um espanto, não?  80 min.

ESPERA, dirigido por Cao Guimarães, é um documentário delicado e sutil.  O seu tema, como diz o título, é a espera, os momentos que estão por vir, a esperança, o que vai se desenvolver, o que vai mudar.  Em diversos contextos e situações, geralmente comuns, do cotidiano.  Uma espera, porém, se destaca: aquela que diz respeito às mudanças do corpo e de gênero, a transexualidade em mutação.  A espera ansiosa, às vezes angustiante, daquilo que pode corrigir, aliviar, superar a infelicidade, alegrar.  76 min.

O Processo


O PROCESSO,  direção de Maria Augusta Ramos,  nos leva a repassar aquele estranho e desarrazoado, porém ritualizado, processo, que culminou no impedimento e deposição de Dilma Rousseff.  Voltar a rever isso para quê?  Já vivíamos uma crise econômica e política, quando Dilma conseguiu se reeleger, mas a ruptura democrática produzida pelo  impeachment  acabou por nos levar a uma crise sem precedentes, que vem abalando todo o quadro institucional, os três poderes da República, enquanto a economia segue patinando e a pauta de austeridade e supressão de direitos agrava a situação da classe trabalhadora e deixa os mais pobres cada vez mais desprotegidos.  Diante disso, é necessário resgatar essa história recente, nada gloriosa.  Maria Augusta Ramos registrou tudo o que pôde – 450 horas de material filmado – no Congresso Nacional, para buscar desvendar o processo que levou à mudança radical de poder que se operou.  As falas, reuniões e eventos oficiais, entrevistas à mídia, encontros políticos dos defensores e apoiadores de Dilma, corredores do Congresso, bastidores.  Ela buscou recontar essa história indo além do que mostravam os telejornais diários que conhecemos.  Produz um outro olhar, que se distingue da mídia tradicional, porque aspira o registro e a revisão históricos.  Ainda que o faça totalmente a quente.  É um esforço louvável.  Já foi exibido e bem recebido no Festival de Berlim.  Deve provocar diversas reações, contra e a favor, como tudo que acontece hoje no Brasil, tão dividido, em que vivemos nestes dias.  130 min.

Vi, ainda, um filme da competição latino-americana, o argentino AMARRA SEU ARADO A UMA ESTRELA, dirigido por Carmen Guarini.  É uma homenagem ao cineasta Fernando Birri, mestre do cinema argentino e latino-americano, falecido aos 92 anos, em dezembro de 2017.  Uma figura cheia de coragem e lucidez, mesmo nos períodos de ocaso de vida, que são os que são mostrados aqui.  Seu principal recado diz respeito à importância de manter acesos nossos sonhos e não desistir das utopias.  São elas que guiam nossa existência e nos apontam o rumo do mundo que queremos transformar ou construir.  80 min.



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