Antonio Carlos
Egypto
Sempre procuro dar atenção aos lançamentos
cinematográficos de grandes diretores do cinema mundial e nacional. Eles costumam nos oferecer temas intrigantes
para reflexão, sequências de cenas criativas, bem elaboradas esteticamente, boa
direção de atores, momentos de beleza ou de puro prazer. Claro que nem sempre é assim. Eles também cometem equívocos, uns podem
entrar em decadência, enquanto outros crescem e se sofisticam com a maturidade
e a velhice. É muito raro, porém, que o
fracasso eventual de um produto deles se perca por inteiro. Sempre algo de bom se aproveita. É bom estar atento. Na programação dos cinemas, quatro grandes
diretores estão com filmes em cartaz, no momento: o alemão Wim Wenders, o
polonês Roman Polanski, o japonês Hirokazu Kore-Eda e o luso-brasileiro Ruy
Guerra, nascido em Moçambique.
SUBMERSÃO (Submergence). Estados Unidos, 2017. Direção: Wim Wenders. Com James McAvoy, Alícia Wikander, Alexander
Siddig. 112 min.
Numa mistura de suspense e romance,
“Submersão” trata de duas questões distintas, mas vinculadas à realidade global
do planeta. O amor aqui une o agente
secreto britânico James (James McAvoy), em missão na Somália para caçar fontes
de terroristas suicidas, a Danny (Alícia Wikander), biomatemática que trabalha
num projeto envolvendo as profundezas do mar.
Só que ambos têm missões perigosas, capazes de afastá-los
indefinidamente. Ele, enfrentando os
riscos do terrorismo internacional. Ela,
pondo a vida em risco, tendo que ir ao fundo do mar num submergível pelo tempo
necessário para realizar sua pesquisa. O
interessante é a ideia que a move, a de que a vida do planeta emergiu das
camadas mais profundas do mar e de lá pode ressurgir ou se transformar. Se é que eu entendi bem. Wenders gosta de lidar com questões
inusitadas, surpreendentes e desafiadoras, em busca de respostas que jamais
serão claras. A justaposição dos dois
universos, que estão no romance de J. M. Legard, em que se baseou o filme, não
ajuda a situação a evoluir. Mas a água e
o mar compõem um elemento estético a ser apreciado. O filme também instiga a pensar sobre os
mistérios da existência; já a ameaça constante do terror não traz novidade, em
sua extrema brutalidade.
SUBMERSÃO |
BASEADO EM FATOS REAIS (D’après une Histoire Vraie).
França, 2017. Direção: Roman
Polanski. Com Emmanuelle Seigner, Eva Green, Vincent Pérez,
Josée Dayan. 110 min.
Partir de uma história verdadeira, ou seja,
acontecida, de algum modo, em algum lugar, para criar em cima dela, parece
condição corriqueira da criação artística.
E o cinema parte também do próprio cinema. Acompanhando o novo suspense de Polanski,
impossível não se lembrar de vários outros filmes similares, envolvendo uma
figura pública de sucesso, no caso, uma escritora, em crise criativa, e uma fã,
conhecedora da história e do talento da escritora, que entra em sua vida de
modo tão disruptivo quanto sugador. Da
relação aterrorizante entre as duas mulheres, Delphine Dayrieux, a escritora
(Emmanuelle Seigner) e Elle (Eva Green), surge um thriller muito envolvente.
E que Polanski tratará de trabalhar a seu modo, com seu estilo próprio,
e assustador, apesar da familiaridade da trama.
Em uma cena, ele até cria uma falsa expectativa e brinca com o
espectador. Não era possível que ele
fosse adotar aquele clichê! Quem vir o
filme vai notar. Enfim, um thriller
que prende a atenção, e até
surpreende, numa história já muito explorada pelo cinema.
O TERCEIRO ASSASSINATO (Sandome No Satusujin).
Japão, 2017. Direção: Hirokazu
Kore-Eda. Com Masaharu Fukuyama, Kôji
Yakusho, Isao Hashizume, Suzu Hirose.
124 min.
Kore-Eda é o grande nome do cinema japonês na
atualidade, com uma obra já bastante sólida, a esta altura. Em “O Terceiro Assassinato”, ele nos remete
aos meandros da investigação e dos tribunais de justiça, onde se discutirá um
caso que parece simples. Afinal, quem já
cometeu dois assassinatos e confessou ter praticado um terceiro, é só questão
de saber qual será a punição. No caso, a
pena de morte ou a prisão perpétua, em função de agravantes ou atenuantes da
situação. Há, porém, muita coisa
escondida, ocultada, relações não conhecidas, o que pode levantar grandes
dúvidas. O próprio comportamento do réu,
mudando versões, se contradizendo ou trabalhando contra si mesmo, é um dilema a
ser solucionado. A questão é sempre mais
complexa do que supõe a nossa vã filosofia.
Ou do que conseguem explorar as instâncias do mundo jurídico. “O Terceiro Assassinato” caminha no desvendar
lento e progressivo de uma situação, passando pela compreensão de um personagem
intrigante, mas consistente, e constrói um belo filme com essa estratégia.
Ruy Guerra e Tony Ramos |
QUASE MEMÓRIA.
Brasil, 2017. Direção: Ruy
Guerra. Com Tony Ramos, Charles Fricks,
João Miguel. 95 min.
Ao ver “Quase Memória”, o filme de Ruy Guerra,
fiquei interessado em ler o romance de Carlos Heitor Cony, que lhe serviu de
base. Por quê? A trama me pareceu bastante original, o
recurso principal, fascinante. Um mesmo
personagem, Carlos, convivendo consigo mesmo em outra etapa da vida. O jovem Carlos (Charles Fricks), em busca de
seu futuro e das memórias que já se apagam de Carlos velho (Tony Ramos). O velho já não se interessa por um passado
que, afinal, nada significa agora. Ao se
debruçar sobre a figura e a vida do pai, Ernesto (João Miguel), no entanto,
Carlos jovem e Carlos velho esbarram em grandes dificuldades e numa narrativa
em que a verdade não passa de lampejos de uma memória confusa, distante ou
fugidia, de um personagem que criou sua história com genialidade e
loucura. Um estranho pacote, que só
poderia ter sido enviado por ele, poderá esclarecer as coisas? Se isso não o atrai a ver o filme ou ler o
livro, é porque, decididamente, você não gosta de mistério. Ruy Guerra gosta e lida muito bem com essa
trama, criando um clima desafiador, potencializado por um elenco de grandes
atores, que ele dirige com competência.
Lastro e experiência é o que não faltam ao cineasta, escritor e também
compositor da música popular brasileira, parceiro de Chico Buarque em muitas
jornadas artísticas. Ruy dirigiu “Os
Cafajestes”, em 1962, e “Os Fuzis”, em 1964, obras-primas do cinema
brasileiro.
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