quarta-feira, 21 de março de 2018

A LIVRARIA


Antonio Carlos Egypto




A LIVRARIA (The Bookshop).  Espanha, 2017.  Direção: Isabel Coixet.  Com Emily Mortimer, Patricia Clarkson, Bill Nighy, James Lance, Honor Kneafsey.  113 min.



“A Livraria” é um filme espanhol, dirigido pela cineasta catalã Isabel Coixet.  Mas a verdade é que não poderia ser mais inglês.  A trama é uma adaptação do romance homônimo, de Penelope Fitzgerald, e se passa na pequena cidade litorânea inglesa de Hardborough, em 1959.  O filme nos transporta ao pequeno mundo daquela localidade, com seus hábitos, costumes, valores provincianos, vestimentas e modo de falar e se comportar com precisão, direção de arte impecável, ótima reconstituição de época.  É um charme só.  Pelo menos, na aparência. 

Na realidade, a tal localidade é marcada por um conformismo, uma acomodação e um conservadorismo nada charmosos.  Vigoram por aqui a ignorância, a inveja e a falsa moral.  Que é o que a personagem Florence Green (Emily Mortimer) vai sentir na pele, quando resolve encarar o seu grande sonho de montar uma livraria numa casa muito antiga da família, que lhe restou como herança.

Com espírito empreendedor, misturado a uma tenacidade e a uma alma sonhadora, Florence, contra tudo e contra todas as previsões, terá sucesso nessa empreitada maluca.  Aí terá de lidar com a hostilidade da mediocridade, a inveja dos acomodados e a sordidez humana que se escondem debaixo das aparências charmosas.  Por fora, bela viola, por dentro, pão bolorento, já diz o ditado.  O pior é que tudo se dá com base em argumentos ridículos e mesquinhos, mas em nome da arte.  E das verdades inventadas pela fofoca e pela maldade que ela distila.




A diretora Isabel Coixet conta que se identificou muito com a personagem Florence do romance, com seu espírito livre, capaz de transformações.  De fato, ela levanta a poeira daquela comunidade sonolenta, que se transfigura em hostilidade.  Mas  também encontra quem já amava a boa literatura, escondido no seu canto, o sr. Brundisk (Bill Nighy), a menina que a ajudará com dedicação e os que descobrem a maravilha da leitura, com trabalhos provocantes, como o de Nabokov, em Lolita, ou Ray Bradbury, em Farenheit 451.  E ela segue em frente, seguirá sempre, em busca de seus sonhos, suas utopias, que podem se resumir a ideias ingênuas e bem intencionadas.  Mas que incomodam da mesma maneira os de alma pequena, onde nada vale a pena, invertendo Fernando Pessoa.

A narrativa de “A Livraria” não resiste ao realismo, é fabular.  Florence é uma espécie de fada que encontra sua alma gêmea e combate a bruxa: a sra. Gamart (Patricia Clarkson), que personifica a mediocridade maldosa da comunidade.  O bem pode estar nos livros e o mal, na inveja e na burocracia, por exemplo.  É um bom modo de apontar para a hipocrisia do mundo.  Potencializada pelos pequenos e encantadores povoados ingleses, que se materializam no trabalho cinematográfico de uma cineasta talentosa de Barcelona, que mereceu o prêmio Goya de melhor filme, o Oscar espanhol, com “A Livraria”.



Nenhum comentário:

Postar um comentário