domingo, 5 de novembro de 2017

DOCUMENTÁRIOS INTERNACIONAIS NA 41ª. MOSTRA


Antonio Carlos Egypto


Os documentários internacionais foram uma atração em destaque na 41ª. Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.  É bom lembrar que um deles – O PACTO DE ADRIANA, do Chile – foi o filme vencedor da seleção dos mais votados entre os novos diretores, pela escolha do júri internacional da Mostra, em que estavam incluídos os filmes de ficção.  Pude ver durante o evento 10 documentários internacionais e devo dizer que gostei de todos e que alguns deles, muito especialmente, serão sempre lembrados.


VISAGES, VILLAGES


É o caso de VISAGES, VILLAGES, da quase nonagenária Agnès Varda, uma das maiores cineastas do mundo, na atualidade.  Seu filme respira humanismo, respeito pela vida, pelas pessoas, sobretudo as mais simples, com ênfase nas mulheres.  Ela, aqui, trabalha em parceira com J R, um fotógrafo que faz colagens de rostos e pessoas em corpo inteiro, em tamanho gigante, ocupando fachadas de casas, prédios, galpões, espaços esquecidos.  VISAGES, VILLAGES é um road-movie  documental por vilarejos franceses, ao encontro de personagens, flores, animais, paisagens.  Enfim, o que pintar.  Para que isso resulte em algo tão palpável e comovente, é preciso um olhar ativo e de bem com a vida.  Agnès Varda tem de sobra esse olhar terno e crítico.  Por isso, tudo o que ela faz acaba sendo tão relevante.

Vi dela, também, além da ficção “Cléo das 5 às 7”, O UNIVERSO DE JACQUES DEMY, documentário de 1995, que é uma linda e informativa homenagem ao grande diretor francês Jacques Demy (1931-1990), que foi seu marido e era um cineasta que celebrava o amor e a vida, em filmes como “Lola, a Flor Proibida”, “A Baía dos Anjos”, os musicais “Os Guarda-chuvas do Amor” e “Duas Garotas Românticas” e até a adaptação do conto infantil “Pele de Asno”.  Que dupla de talentos o cinema francês produziu!  Agnès Varda recebeu o prêmio Humanidade da Mostra e o prêmio especial do júri da crítica, por VISAGES, VILLAGES.  Mais do que merecido.

O documentário JERICÓ, O INFINITO VOO DOS DIAS, de Catalina Mesa, da Colômbia, que já comentei no cinema com recheio, dialoga com VISAGES, VILLAGES, no interesse e respeito à vida nas pequenas localidades, seus elementos constitutivos, e no protagonismo das mulheres.  E, ainda, na sensibilidade no trato da temática. É mais dirigido e planejado do que o filme de Varda, mas também aberto ao que encontra na comunidade.



O PACTO DE ADRIANA


A família tem a função de acolher, proteger, oferecer segurança e afeto a seus membros.  Mas ela também pode ser uma fonte inesgotável de conflitos e problemas de toda ordem.  Dois ótimos documentários partiram de investigações dentro da família, para se surpreender com o que encontraram.  O PACTO DE ADRIANA vai revelando, pouco a pouco, uma pesquisa da sobrinha referente a uma tia muito querida, alegre e bem sucedida, que tinha um passado tenebroso vinculado ao regime de Pinochet, suas torturas e desaparecimentos.  O filme, conduzido por Lissette Orozco, com suas tristes e incontornáveis revelações, é um emocionante retrato de um Chile que precisa ser lembrado, para que a página possa, um dia, ser virada.  A estrutura desse filme é particularmente interessante, porque indica o caminho de uma investigação honesta, cuidadosa, e que oferece todas as chances para que o suspeito se defenda, se explique, se puder.  Sem pré-julgamentos, mas sem medo de conhecer os fatos.

LOTE 35, o documentário francês de Eric Caracava, também parte de uma investigação que se impunha a um irmão que não entendia porque toda a memória de sua irmã, que morreu aos 3 anos de idade, foi apagada, a ponto de não restar sequer uma foto para colocar em seu túmulo.  Aqui é de um tabu, que remete a questões comportamentais de uma época mais moralista e repressora, que se trata.  Um buraco negro que acompanhou a vida de toda a família e que levanta muitas questões de ordem emocional, ética, de valores e comportamentos, e que traz sofrimentos por um passado que insiste em estar presente.  O esquecimento forçado é um trauma que não se apaga.

A questão dos refugiados e a censura ao trabalho artístico, ou à perseguição dos artistas contestadores, envolve o chinês Ai Wei Wei, que esteve por aqui e concebeu o cartaz da Mostra.  Seu filme HUMAN FLOW – NÃO EXISTE LAR SE NÃO HÁ PARA ONDE IR é um impressionante painel do problema, com as dimensões mundiais que ele tem.  Mas o documentário estadunidense AI WEI WEI – SEM PERDÃO, de Alison Clayman, é um complemento fundamental, já que mostra a figura do multiartista, seu trabalho, a censura, a prisão por parte do governo chinês e toda a capacidade de resistência que Wei Wei demonstra, com suas táticas lúcidas, mas corajosas, para enfrentar os problemas.  E, de quebra, funciona muito para quem não conhece bem o trabalho dele.

O próprio cinema foi objeto de bons documentários.  UM CINEMA EM CONCRETO, que também já comentei rapidamente por aqui, encontra um personagem apaixonado, a ponto de construir, tijolo por tijolo, com as próprias mãos, não apenas um cinema (concreto), mas dois.  Filme argentino, de Luz Ruciello.


CINECITTÀ BABILONIA


CINECITTÀ BABILONIA, produção italiana dirigida por Marco Spagnoli, mostra imagens da época da construção dos estúdios da Cineccità, a partir da pedra fundamental posta por Benito Mussolini.  Conta sobre o cinema italiano sob o fascismo, antes da sua grande virada com o neorrealismo.  Buscava-se, então, um cinema menos original, mais calcado no modelo industrial que explorava as estrelas e buscava o luxo e o lucro.  Mas que já dispunha de cineastas do porte de um Roberto Rossellini e de um Michelangelo Antonioni.  Apesar do excesso de preocupação em falar das estrelas da época, as informações e imagens são relevantes.

Em paralelo, A HOLLYWOOD DE HITLER, produção alemã dirigida por Rüdiger Suchsland, mostra o cinema alemão sob o nazismo, sob o comando de Joseph Goebbels.  O painel aqui revelado pelos muitos trechos de filmes e as análises, não deixa dúvida quanto à qualidade daquela indústria de cinema, que tinha plena consciência de sua função política, mas que também sabia entreter com muita fantasia quando queria encobrir a derrota iminente na Segunda Guerra Mundial.  A visão dos dois documentários contribuiu para entender melhor a história do cinema, para além do domínio que Hollywood exerceu durante a guerra.  Mostrou o que se produzia no lado dos que seriam derrotados e seus sonhos de grandeza.



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