Antonio Carlos
Egypto
GLORY (Glory). Bulgária, 2016. Direção e roteiro: Kristina Groseva e Petar
Valchanov. Com Margita Gosheva, Stefan
Denolyubov, Ivan Savov. 111 min.
Quem viu o filme búlgaro “A Lição”, de 2014,
certamente se lembrará da atriz Margita Gosheva, que protagoniza agora
“Glory”. Talentosa e muito charmosa,
essa atriz domina a cena quando está nela.
Só para ver seu desempenho se justificaria uma ida ao cinema. Mas há muito mais a ver em “Glory”. A dupla de diretores, Kristina Groseva e
Petar Valchanov, que são também roteiristas do filme, já tinha mostrado a que
veio, no mesmo “A Lição”. Supostamente,
trata-se de uma trilogia, em que “Glory” seria o segundo exemplar. Mais uma vez, a mão firme da dupla explora um
dilema moral. Desta vez, com mais humor
e abordando o papel das autoridades públicas.
Aqui, um humilde trabalhador ferroviário, Tsanko
(Stefan Denolyubov), que responde pela manutenção de linhas de trem, encontra
em sua ronda muito dinheiro jogado por lá e, honesto que é, devolve a grana.
Em paralelo, ficamos sabendo da corrupção nas altas
esferas do Ministério dos Transportes do governo búlgaro, coisa que também é do
conhecimento de Tsanko. Mas ele nunca
teve a oportunidade de falar disso a ninguém.
Até o dia em que o próprio ministro lhe entrega um prêmio pelo gesto de
honestidade que Tsanko cometeu.
Uma alta figura do ministério, Júlia (Margita
Gosheva), é quem vai lidar com o funcionário, que,
além de humilde, é aparentemente retardado, pois tem muita dificuldade de se
expressar, gagueja muito. E um prosaico
relógio de pulso funciona como prêmio e como castigo.
Esses personagens e essa situação dão margem a cenas
que, o tempo todo, nos provocam e nos fazem pensar. Mostram como as elites dirigentes se colocam
e como lidam com os mais simples, mais pobres ou que apresentam limitações. O poder corrompe, como se sabe, mas também
dessensibiliza, desumaniza as pessoas que, via de regra, desconhecem
completamente o sentido do serviço público.
O que menos lhes interessa é servir ao povo, educá-lo, promovê-lo,
cuidar de sua saúde e de suas necessidades.
O que vale hoje é a aparência, o marketing
cuidadosamente montado para enganar, iludir a população.
“Glory” trata dessas questões, numa trama bem
montada, contada linearmente, mas de forma envolvente. São aspectos humanos relevantes os que estão
sendo mostrados. Quem tem sensibilidade,
não vai ficar indiferente. Não é um
filme que prega verdades, nem promove julgamentos, mas os fatos que compõem a
narrativa falam por si.
Margita Gosheva, a professora que vive a saia justa
do dilema moral de “A Lição” e nos conquista, aqui expõe com ênfase a falta de
atenção e respeito com o cidadão, o narcisismo e a dureza, numa vida marcada
pelo compromisso e agitação contemporâneos.
Um papel quase oposto ao da professora, igualmente muito bem
desenvolvido.
O restante do elenco também está bem, especialmente o
protagonista Stefan Denolyubov, cujo papel exige dele muito empenho e modulação
precisa, para ser convincente.
Que venha, portanto, o terceiro filme da trilogia,
porque até aqui Kristina Groseva e Petar Valchanov mostraram que, na Bulgária,
pode-se fazer muito bom cinema. Pena que
não tenham chegado até o circuito cinematográfico brasileiro outros
realizadores de lá.
Quem não se lembra de “A Lição” pode conferir no
cinema com recheio a crítica do filme, postada em junho de 2015.
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