quarta-feira, 8 de março de 2017

SILÊNCIO


Antonio Carlos Egypto





SILÊNCIO (Silence).  Estados Unidos, 2016.  Direção: Martin Scorsese.  Roteiro: Jay Cocks.  Com Andrew Garfield, Adam Driver, Liam Neeson, Tadanobu Asano, Yoshi Oida.  162 min.


Quem for ver “Silêncio”, de Martin Scorsese, no cinema, não pode deixar de se deleitar com a beleza da filmagem.  Cada plano encanta pelo enquadramento, colocação da câmera, elaboração da sequência, em locações magníficas, deslumbrantes.

O uso simbólico do fogo e da água, ao desenvolver a narrativa, é especialmente cativante.  Água e fogo produzem tanto a vida quanto a morte, em condições extremas.  De uma forma a um tempo grandiosa e assustadora.  Purificadora e destrutiva.  Avassaladora, sempre.

A fotografia de “Silêncio”, a cargo de Rodrigo Prieto, é espetacular.  Foi a única indicação ao Oscar que esse filme recebeu, e não levou.  Lamentável.  Não tinha concorrente à altura.  É difícil deixar de admirar o trabalho de fotografia, que é belo e perfeito para o clima da história e para o ambiente onde ela se passa.

A intensidade da trama está muito bem marcada por um elenco que transborda emoção até desembocar na frieza da apostasia.  Que, no caso, representa o abandono de convicções vitais para os personagens.






O assunto nos leva à expansão do catolicismo pelo mundo e à imposição dessa fé a todos os cantos, realizada pelas missões cristãs que aportaram por aqui desde o século XVI e buscavam conquistar também o Japão, sem sucesso.  A trama do filme “Silêncio”, do grande diretor Martin Scorsese, se inspira no romance do escritor Shusaku Endo (1923-1996), uma história ficcional baseada em fatos reais do fim da década de 1630, em que os padres portugueses Sebastião Rodrigues (Andrew Garfield) e Francisco Garupe (Adam Driver) vão à procura de seu mentor, o padre Ferreira (Liam Neeson), num Japão que proibia, perseguia e atuava com violência para coibir a fé cristã.  O próprio escritor Shusaku Endo, japonês e católico praticante, sempre encontrou dificuldades para conciliar a cultura nipônica com as características do cristianismo.

O filme põe em questão a ideia de que a cultura japonesa seria o lodo que traga qualquer inovação, resistente às interferências que modificariam suas crenças e tradições, nessa época histórica, com repercussão na própria contemporaneidade.  E põe em evidência a imperiosa necessidade de que qualquer fé, ou novo conceito, tem de respeitar cada cultura, sob pena de naufragar e produzir violência e guerras que poderiam ser evitadas.

De um lado, a ação dos dirigentes japoneses, os xóguns do século XVII, era de uma brutal opressão aos missionários portugueses, envolvendo crueldades inimagináveis, ao tentar isolar o Japão de interferências externas.  De outro, fica clara a tentativa de passar por cima de uma cultura milenar, como um autoritarismo também inaceitável.  E Buda pode ocupar o lugar de Cristo na abjuração da fé, em troca da sobrevivência.  Até Deus silencia.

O tema é muito caro ao diretor Scorsese, que alimentou o projeto da adaptação do livro de Endo por muito tempo, até conseguir realizá-lo.  Pode ser que algumas pessoas não tenham tanto interesse nesse tema histórico/religioso.  Mas não devem ficar indiferentes à qualidade cinematográfica do novo trabalho de Martin Scorsese.



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